Era para ser uma só brincadeira. Quem não gosta da Pixar? Mas, ao tentar usar o filtro da animação, a inteligência artificial (IA) atravessou o caminho da Deputada Renata Souza, do Rio de Janeiro, com seu viés racista.
Para usar o filtro Pixar, basta pedir para o Bing, da Microsoft, gerar uma imagem com a descrição indicada. Renata pediu “uma mulher negra, de cabelos afro, com roupas de estampa africana num cenário de favela”. Tenho visto muitos amigos transformados em cartazes fofos do estúdio da Disney. Mas a resposta para a deputada não foi exatamente “fofa”.
A IA gerou uma mulher negra, sem estampas africanas, e com arma em punho. O racismo algorítmico se fez para quem quiser ver.
Tecnologia não é neutra
Este é um bom exemplo de como a tecnologia pode acirrar preconceitos e desigualdades. A tecnologia não é neutra, como muitos podem pensar. Qualquer produção humana carrega uma visão de mundo de quem a produziu. A tecnologia pode ser usada pelo bem da população, para promover inserção social, fomentar conhecimento, alavancar a empregabilidade. Mas também pode ser o inverso.
Documentário Coded Bias
Quando tomei conhecimento do caso da Deputada Renata, lembrei do documentário Coded Bias, lançado em 2020, dirigido pela cineasta e ativista americana Shalini Kantayya. O filme parte de uma situação inusitada: Joy Budamwini, estudante de doutorado em Computação no MIT, uma garota negra, não conseguia ser reconhecida por um sistema de reconhecimento facial. Ela só conseguia resposta do “sistema” quando usava uma máscara branca.
Veja aqui o trailer de Coded Bias
A partir daí o filme mostra não apenas que esse tipo de tecnologia está impregnada de preconceitos porque é, na grande maioria dos casos, criada por homens brancos, mas também como o uso indiscriminado desse tipo de identificação está servindo também para um controle social em países que, contraditoriamente, exaltam as liberdades e os direitos individuais. O filme mostra, por exemplo, que algumas grandes empresas de tecnologia usam a inteligência artificial para selecionar currículos e que elas descartam logo de cara um certo “perfil” de funcionário.
Tecnologia deve ser regrada
Acrescentaria ainda, como mau uso da tecnologia, a substituição descontrolada de mão de obra humana. No mundo do trabalho, as inovações implementadas devem ser regradas pelo poder público, de modo a garantir que prevaleçam os interesses sociais, e não apenas empresariais. Acrescentaria também a necessidade de regular a internet e as redes sociais, de modo a conter a propagação de notícias falsas e discursos de ódio.
O caso da Deputada Renata não é brincadeira. Ele acende um debate importante sobre um “sistema” que está entranhado na vida da população global. Um sistema que carrega um potencial discriminatório silencioso e extremamente perigoso.
A DECO e a sua Revista PROTESTE (cfr. nº 460, de Outubro de 2023) lançaram um movimento de protesto que já envolveu uma queixa à Provedora de Justiça, e reivindica:
que os titulares dos passes de transportes públicos sejam compensados na proporção dos dias de greve. Enviou uma queixa à provedora da Justiça e pretende que seja reconhecida a inconstitucionalidade de algumas normas dos sectores rodoviário e ferroviário, que põem em causa princípios como os da igualdade(i).
A DECO apoia-se em dados do Gabinete de Estudos e Planeamento do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social que contudo dizem respeito ao “sector de transportes e armazenamento” e fazem comparações com 2020, ano do confinamento e em que o direito à greve chegou a estar restringido pelo estado de emergência. Conviria aliás isolar o peso das greves no Metropolitano de Lisboa que tiveram uma particular insistência até porque se inseriram em movimentos em que, para além de aumentos salariais, foi também exigida a admissão de mais pessoal.
Percebe-se entretanto que é 2023 e a CP que pesaram na iniciativa da DECO:
Números certamente superados este ano. Basta considerar, por exemplo os quase 100 dias de greve protagonizados pela CP em pouco mais de meia dúzia de meses. Significando isto que, em quase metade desse tempo, os passageiros da transportadora foram condicionados ou privados dos serviços regulares…
Os 3 casos de lesados que a PROTESTE conseguiu ouvir para a peça não são casos de clássica impossibilidade de deslocação, mas sim de pessoas – um empregado que se desloca de Vila Franca de Xira a Lisboa- uma estudante universitária na área de Lisboa, com um part-time, um estudante universitário estrangeiro na área do Porto com um part-time – que são obrigados a alterar os seus horários para aproveitar os serviços mínimos ou se arriscam a faltar a aulas mais importantes ou a chegarem com atraso aos empregos.
CP
Aliás da circunstância de ter havido 100 dias de emissões de pré-avisos de greve não se pode tirar que a CP esteve parada 100 dias, uma vez que os pré-avisos foram emitidos em ocasiões diferentes por vários grupos de sindicatos, muitas vezes visando apenas determinados períodos de cada dia, que houve fixação de serviços mínimos (excepto quando se sabia que os sindicatos convocantes tinham pouca influência) e que os casos de supressão efectiva de comboios – geralmente quando o maquinista não se apresentava ao serviço – foram devidamente registados.
A estudante universitária de Lisboa ouvida pela PROTESTE tem aliás uma saída curiosa que sugere que no seu espírito a CP e os grevistas não são entidades distintas:
Devíamos ser compensados, sobretudo quando são várias greves ao longo de um mês, e o passe é pago mensalmente. Aliás, já presenciei ”picas” a passarem multas nos dias que se seguiram à greve, o que demonstra a hipocrisia da CP.
A própria PROTESTE que cuida de explicar as normas legais sobre decisões de greve e que estas são um direito poderia, na ocasião, ter feito essa distinção.
Diz também a DECO:
Ainda que o valor dos passes tenha descido num passado recente tornando-os mais acessíveis e abrangentes, a verdade é que não faz sentido pagar por um serviço que não é integralmente prestado.
Interessante é a DECO encontrar uma “discriminação legislativa” que afectaria os utentes dos transportes rodoviário e ferroviário.
No caso dos meios marítimo/fluvial, está prevista uma compensação para os passageiros, inclusive os que têm passe. No entanto, esse princípio não se aplica ao transporte ferroviário e rodoviário, deixando milhares de pessoas desprotegidas. No caso dos meios marítimo/fluvial, está prevista uma compensação para os passageiros, inclusive os que têm passe. No entanto, esse princípio não se aplica ao transporte ferroviário e rodoviário, deixando milhares de pessoas desprotegidas.
Transtejo/Soflusa
Procurando reformular o protesto
Em geral, estou de acordo com o princípio de não se pagar quando o serviço não é prestado no entanto é preciso ter em conta alguns elementos.
O não pagamento quando o serviço não é prestado deve dizer respeito a todas as situações e não apenas às situações de greve.
Sou cliente habitual das ligações ferroviárias entre a península de Setúbal e Lisboa, sendo que o “comboio da ponte”, operado pela Fertagus onde não se fazem greves(ii) mas se sucedem sem aviso perturbações imputáveis à Infraestruturas de Portugal, como as da sinalização, ou de avarias que incumbe a esta reparar.
Aliás quando nos sindicatos da IP aos quais são impostos serviços mínimos, os “controladores de tráfico ferroviário” decidem conjugar greves com outras dos sindicatos da CP a confusão generaliza-se e a supressão de comboios é inevitável(iii). Isto sucedeu várias vezes em 2023 sem que o artigo da PROTESTE tenha dado nota.
Conviria ter em conta que na origem das greves estão problemas de gestão, designadamente em matéria de contratação colectiva.
As administrações das empresas podem ser mais ou menos capazes de encontrar soluções consensuais em matéria de definição de condições de trabalho mas, no caso das empresas de capitais públicos, a imposição de tectos de encargos para a revisão de instrumentos de contração colectiva ou para a simples actualização salarial, podem resultar não só de preocupações legítimas com o equilíbrio económico e financeiro das empresas tuteladas mas de necessidades de demonstração de expectativas pouco realistas quanto à evolução da inflação. Foi esse o factor que prolongou as greves da CP em 2023, e que aliás só cessaram quando as alterações dos referenciais permitiram que se chegasse a acordos.
Os movimentos de consumidores não têm tido muita influência na gestão das empresas públicas apesar de a organização aprovada em 1976 ter previsto a representação dos utentes em conselhos gerais e a sua revisão em 1984 em conselhos regionais. A participação de utentes poderia contribuir para um maior moderação nos conflitos. Instituir a perda de receita derivada dos valores dos passes seria positiva neste contexto porque se reflectiria nas contas de cada empresa e teria de ser justificada nos relatórios de gestão.
Torna-se necessário clarificar as situações em que haverá lugar ao reembolso parcial dos valores dos passes.
Não me parece que o estar definida na lei a obrigação de reembolsar o valor dos passes no caso de não realização de transporte entre as duas margens do Tejo implique uma situação de privilégio ou de “desigualdade” em relação aos transportes rodoviários e ferroviários.
Carrismetropolitana
Se os ferries não funcionam a travessia não pode ser feita a nado. Já a falta de ligação ferroviária pode ser suprida em piores condições, de rapidez e de onerosidade, por transportes rodoviários. Dado que com a aprovação do chamado PART – Programa de Apoio à Redução Tarifária se criaram sistemas assentes na intermodalidade faria sentido, talvez por uma descrição, registada previamente com o pedido do passe e actualizável a todo o tempo, que cada utente desse conta do seu percurso habitual nos dias úteis, observadas as normas sobre protecção de dados pessoais. Não fará sentido, por exemplo, reembolsar um passe metropolitano pelo número de dias em que um cacilheiro está em greve, se este não é o meio de transporte habitualmente utilizado.
Aliás convém ter presente que o PART não se traduziu apenas numa redução tarifária e na criação de sistemas assentes na intermodalidade mas na instituição de um sistema de financiamento complexo para o qual para além dos passageiros – através da compra dos passes, municipais ou metropolitanos ou dos títulos de transporte ocasionais – o Estado, os municípios de cada área e… o Fundo Ambiental.
E a repartição da receita dos passes, num contexto em que estes permitem utilizar em sucessão vários meios de transporte geridos por vários operadores (alguns dos quais são prestadores de serviços à Carris Metropolitana, que é uma “marca” gerida por uma sociedade de capitais públicos(iv)), assenta nas “validações” controladas pelos “picas” como diria a estudante universitária de Lisboa ouvida pela PROTESTE, sendo os meios canalizados para o sistema, ao que foi inicialmente anunciado, repartidos entre os operadores em função dessas validações.
Neste contexto, a vir instituir-se a devolução de parte das receitas dos passes em função das greves, as empresas atingidas pelas greves já teriam sido prejudicadas pela não realização de validações pelo que a devolução deveria incumbir ao sistema no seu conjunto.
Breve nota sobre a PROTESTE
Como deixei implícito nos comentários feitos ao longo do artigo a PROTESTE desiludiu-me com a forma pouco preparada como lançou esta iniciativa. A Coordenação Editorial poderia ter tentado chamar a atenção das autoras do trabalho para a necessidade de estudar melhor a questão. Mas a Coordenação Editorial tem nova titular e esta é uma das autoras do trabalho.
Pondero escrever eu próprio à Provedora de Justiça, apoiando a proposta da DECO na generalidade mas introduzindo algumas qualificações.
Notas
(i) Texto da “jornalista e coordenadora editorial” Filipa Rendo.
(ii) O que por si é uma situação curiosa porque a Fertagus terá conseguido incluir no actual contrato de concessão, que entretanto foi prorrogada, que o Estado suportaria o aumento de encargos no caso de vir a ser aplicado na Fertagus o contrato colectivo vigente na CP.
(iii) Mas não se trata de “greves da Fertagus” como impropriamente oiço às vezes designá-las.
Desde antes da posse para seu terceiro mandato, o presidente Lula deixou evidente sua preocupação com o sistema de governança global e a necessidade de uma reforma urgente. Tomei trechos de apenas quatro momentos em que ele abordou o tema em seus pronunciamentos internacionais:
“Voltamos para propor uma nova governança global. O mundo de hoje não é o mesmo de 1945. É preciso incluir mais países no Conselho de Segurança da ONU e acabar com o privilégio do veto, hoje restrito a alguns poucos, para a efetiva promoção do equilíbrio e da paz” (COP 27 no Egito, novembro de 2022).
“O hiato entre esses desafios e a governança global que temos continua crescendo. A falta de reforma do Conselho de Segurança é o componente incontornável do problema” (G7 no Japão, maio de 2023).
“Se nós não mudarmos essas instituições, a questão climática vira uma brincadeira. E por que vira uma brincadeira? Quem é que vai cumprir as decisões emanadas dos fóruns que nós fazemos? É o Estado Nacional? Vamos ser francos: quem é que cumpriu o Protocolo de Quioto? Quem é que cumpriu as decisões da COP-15, em Copenhague? Quem é que cumpriu o Acordo de Paris? E não se cumpre porque não tem uma governança mundial com força para decidir as coisas e a gente cumprir” (Cúpula por um novo pacto financeiro global na França, junho de 2023).
“O princípio sobre o qual se assenta o multilateralismo – o da igualdade soberana entre as nações – vem sendo corroído. Nas principais instâncias da governança global, negociações em que todos os países têm voz e voto perderam fôlego. Quando as instituições reproduzem as desigualdades, elas fazem parte do problema, e não da solução” (Assembleia Geral da ONU nos EUA, setembro de 2023).
Depois de quase um ano com o presidente Lula batendo na mesma tecla, por uma dessas ironias da história, coube justamente ao Brasil estar na presidência do Conselho de Segurança da ONU durante este outubro sangrento em que a questão Palestina irrompe a cena internacional com a força própria das grandes injustiças humanas. Durante esse período, o Brasil provou de suas próprias teses sobre um sistema falido de governança global que não consegue colocar 15 países de acordo com a defesa da dignidade da vida humana e um cessar do terror genocida israelense. Hoje, 30 de outubro, haverá mais uma reunião com enorme chance de falir novamente.
Estamos diante de uma grande tragédia humana resultante de décadas de falência do sistema que o presidente Lula tão bem denunciou e segue denunciando. E o dilema incontornável está em escolher se posicionar duramente contra Israel ou seguir na diplomacia branda da construção de consensos que nunca vêm. Para tornar o dilema mais dramático, o Brasil tenta sem sucesso desde o dia 7 de outubro retirar cidadãos brasileiros de dentro da Faixa de Gaza.
A impressão que fica, neste momento, é que diante deste cenário, uma grande liderança do sul global como Lula faria mais pela paz e pelo futuro da humanidade hoje ao condenar firmemente as atrocidades que ocorrem em Gaza sob os olhos de todos, romper ou no mínimo congelar os acordos bilaterais com Israel e coordenar internacionalmente um isolamento do Estado colonial e genocida de Israel como um novo parâmetro do intolerável para, no futuro, uma nova governança ser construída.
Considerado um dos maiores jogadores e o maior driblador da história do futebol, Manuel Francisco dos Santos, o Mané Garrincha, é humilde de nascença.
Manoel Francisco dos Santos, mais conhecido como Garrincha, nasceu dia 28 de outubro de 1933, no município de Pau Grande, Magé, Rio de Janeiro. O craque faria 90 anos neste sábado (28).
A edição de 2023 da SEMINCI foi, como dissemos há dias, um festival de transição. Novo director, uma equipa nova e novas propostas. Pode-se afirmar que o desafio foi superado com sucesso. Muito mais público que nos anos mais recentes (é certo que foram anos de pandemia) com as salas quase sempre cheias Um conjunto de filmes na sua maioria razoavelmente interessantes e uma grande presença de cineastas mulheres.
Mas quanto ao palmarés… Bem, quem faz o palmarés são os júris. E os júris são formados por especialistas que têm critérios que escapam ao comum dos mortais, mesmo à crítica especializada.
Durante todo o festival, e a exemplo do que acontece todos os anos, o diário da cidade, ‘El Norte de Castilla’ publicou uma separata dedicada à SEMINCI. (A propósito refira-se que deixou de haver a revista publicada diariamente pelo Festival. Uma nota negativa para a organização). Mas voltemos à separata do jornal de Valladolid. Na última página, uma classificação dos filmes a concurso elaborada com os votos de sete críticos convidados. Ela aqui está.
Como se poderá verificar no que dizemos mais adiante o júri conseguiu premiar os quatro últimos classificados desta tabela com as principais distinções do certame. E também conseguiu passar ao lado de filmes como Green Border de Agnieszka Holland e Las 4 Hijas (Les Filles d’ Olfa) de Kaouter Ben Hania. E o filme de Ken Loach lá escapou com o Prémio do Público (esse não foi atribuído pelo júri…) e o do melhor actor.
‘Espiga de Ouro’ para “La Imatge Permanent” da catalã Laura Ferrés
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La Imatge Permanent,
Laura Ferrés
Poucos dias depois de Jaione Camborda, realizadora basca (residente na Galiza), ter obtido a ‘Concha de Ouro’ de San Sebastián com “O Corno”, foi agora a vez de outra jovem cineasta espanhola, a catalã Laura Ferrés conquistar a ‘Espiga de Ouro’ da SEMINCI com La Imatge Permanent, filme que esteve em competição no Festival de Locarno. Esta é a primeira longa-metragem de Laura Ferrés que tem na sua filmografia três curtas. Uma delas, ‘Los desheredados’, foi premiada na Semana da Crítica de Cannes e conquistou um Goya. La Imatge Permanent é inspirado no passado da família materna da realizadora e conta, às vezes num registo de humor quase absurdo, a história de uma publicista que quando procura rostos para uma campanha depara com uma mulher, vendedora ambulante, que emigrou para a Catalunha há décadas e com quem estabelece uma relação muito especial.
‘Espiga de Prata’ para “La Chimera” da italiana Alice Rohrwacher
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La Chimera
La Chimera, de Alice Rohrwacher
La Chimera, o quarto filme de Alice Rohrwacher, realizadora de ‘O País das Maravilhas’ e ‘Feliz como Lázaro’ (ambos premiados em Cannes, o primeiro com o Grande Prémio do Júri e o segundo com o do melhor argumento) é mais uma incursão da autora na Itália profunda, desta feita com uma história de certo modo ‘felliniana’ centrada nas aventuras de um grupo de ladrões de objectos arquelógicos. Um trabalho relativamente interessante que mistura a realidade com a fantasia e que conta com Isabella Rossellini no elenco.
Outros prémios da secção oficial
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Angela Schanelec
Music
O prémio para a melhor realização foi atribuído à alemã Angela Schanelec, por Music, uma adaptação livre, e muito pouco interessante, do mito de Édipo que só terá impressionado os membros do júri. Music foi o pior dos 17 filmes a concurso na opinião do painel de críticos do jornal ‘El Norte de Castilla’. Ainda mais estranha a atribuição a este filme do prémio para a melhor fotografia, do sérvio Ivan Marković.
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Molly Manning Walker
How To Have Sex
Segundo o Júrí Oficial a Melhor Nova Realização foi de Molly Manning Walker por How To Have Sex, o 16º sexto classificado entre 17 filmes pelo painel de críticos já citado.
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Gesa Jäger
Sala
de Professores
Bem mais merecido o Prémio para a Melhor Montagem para a alemã Gesa Jäger pelo seu trabalho em Sala de Professores, do alemão Ilker Çatak, um dos bons filmes do festival.
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Marco Bellocchio
Susanna Nicchiarelli
Rapito (O Rapto)
Outro dos bons filmes desta SEMINCI, Rapito (O Rapto) do italiano Marco Bellocchio, obteve o prémio para o melhor guião, da autoria do realizador e de Susanna Nicchiarelli, a partir da historia real de um rapaz judeu que é separado da sua família e sequestrado pelo papado de Pio IX em pleno processo da reunificação italiana.
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The Beast de Bertrand Bonello
Dave Turner
Os prémios de interpretação desta edição da SEMINCI distinguiram a francesa Léa Seydoux pelo seu desempenho em The Beast de Bertrand Bonello e o britânico Dave Turner o principal intérprete do excelente The Old Oak de Ken Loach.
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The Old Oak
Prémio do Público
The Old Oak conquistou também o Prémio do Público, um público que ficou rendido perante o discurso desassombrado de Ken Loach e Paul Laverty contra a xenofobia. Queremos acreditar que foi isso que seduziu os espectadores e não a veterania do cineasta inglês como, de forma completamente desastrada, o festival publicou na sua página.
Outros filmes do palmarés
Secção oficial:
Espiga de Ouro de curta-metragem – Wander to Wonder de Nina Gantz (Países Baixos)
Espiga de Prata de curta-metragem – Aitana de Marina Alberti (Espanha)
Secção ‘Punto de Encuentro’:
Melhor longa-metragem – Gasoline Rainbow de Bill Ross iV e Turner Ross (EUA)
Prémio Especial do júri – Arthur & Diana de Sara Summa(Alemanha)
Menção especial – Animal de Sofia Exarchou (Grécia, Áustria, Roménia)
Melhor curta-metragem estrangeira – Nocturnal Burger de Reema Maya (Índia, EUA)
Menção curta-metragem estrangeira – Hearthbrak Hotel de Emma Axelroud Bernard (França)
Prémio ‘La Noche del Corto Español’ – Meteoro de Victor Moreno (Espanha)
Prémio do Público– Muyeres de Marta Lallana (Espanha)
Secção ‘Tiempo de Historia’:
Primeiro Prémio – Between Revolutions de Vlad Petri (Roménia, Croácia, Qatar, Irão)
SegundoPrémio – Retratos Fantasmas de Kleber Mendonça Filho (Brasil)
Prémio curta-metragem – Ours de Morgne Frund (Suíça)
Prémio do Público– The Mother of All Lies de Asmae El Moudir (Marrocos, Arábia Saudita, Qatar, Egipto)
De referir ainda os prémios seguintes:
Prémio FIPRESCI – Sobre Todo de Noche de Victor Iriarte (Espanha, França, Portugal)
Prémio da secção Alquimias – Femme de Sam H. Freeman, Ng Choon Ping (Reino Unido)
Prémio Doc España – Zinzindurrunkarratz de Oskar Alegria
Prémio Castilla y León em Corto – El rey de la semana de David Pérez Sañudo
Espiga Verde – Muyeres de Marta Lallana (Espanha) e menção especial para Trenc D’ Alba de Anna Llargués (Espanha)
Espiga Arco-Iris – All of us strangers de Andrew Haigh (Reino Unido, EUA)
Menção Arco-Iris – On the Go de Marie Giséle Royo e Julia de Castro (Espanha)
Prémio Fundos – A Batalha da Rua Maria Antônia de Vera Egito (Brasil)
Prémios da SEMINCI JOVEM – La Contadora de Películas de Lone Scherfig (Espanha, França, Chile)
Vivemos confortados com a ideia de que Hitler era doido, no sentido de ser alguém fora do comum, mas a verdade é que a generalidade dos seus crimes e atoardas não primaram pela originalidade e, sendo monstruosos, não foram infelizmente invulgares.
A título de exemplo, o gaseamento dos judeus foi proposto como forma de a humanidade se ‘livrar desse incómodo’ pelo Kaiser Guilherme II, em 1919, inspirado nos célebres Pogroms russos, e esses pogroms, que nós conhecemos do Portugal quinhentista, continuaram até hoje, como vimos a 7 de Outubro.
Construímos a ficção de que o mundo civilizado virou essa página com o holocausto, mas basta atentarmos à história da Polónia – que o governo polaco proibiu de ser citada – para vermos que os judeus que quiseram voltar à sua terra em 1946 foram alvo de pogroms, para não falar da continuação da perseguição generalizada a quem encetasse a fuga para Israel.
E tal como Hitler se seduziu pelo antissemitismo do fanatismo islâmico, e também aqui penso que não se tratou de nada de original nem sequer de especificamente alemão, também nas sociedades ocidentais se permitiu que o mesmo sentimento se desenvolvesse depois dessa era, nem tanto pelo lado do culto da força cega, mas mais pela mesma lógica da síndrome de Estocolmo, espalhada no mundo livre, incluindo, e por vezes mais acentuadamente ainda, em Israel.
Auschwitz (Pixabay)
Conseguiu Israel, por vezes de forma quase milagrosa, sobreviver até hoje, como em 1948, em que perante a hostilidade do mundo árabe e ocidental, a União Soviética permitiu a sobrevivência do novo Estado apoiando camufladamente o seu armamento, (as Nações Unidas decretaram um embargo ao armamento, embargo instigado pela diplomacia americana).
Isso não impediu que se construísse a ficção de que o novo Estado era uma imposição ocidental, no meio de infindáveis distorções históricas e étnicas que se tornaram hoje doutrina oficial com o objectivo de deslegitimar Israel.
Um dos mais conhecidos argumentos de Hitler para justificar a guerra e o genocídio dos judeus, escolhido para título de um dos capítulos do livro de Edouard Husson ‘Heydrich e a solução final’, 2008, p. 191, Perrin) e proferido a 22 de Agosto de 1939 foi ‘Mas quem fala ainda, hoje, do aniquilamento dos arménios?’
A frase de Hitler foi proferida duas décadas depois do genocídio arménio, mas a limpeza étnica dos arménios de Nagorno Karabakh levou apenas quinze dias a ser esquecida e a ser substituída por uma narrativa completamente distorcida da realidade para justificar as barbaridades jihadistas do Hamas.
E não, agora, não foram milícias nazis, foram amálgamas onde pontificaram jovens estudantes universitários supostamente bem formados e humanitários, mas na verdade completamente alienados.
Em 2005, Israel resolveu abandonar e entregar ao controlo palestiniano o território de Gaza. A secção local da Irmandade Muçulmana, depois de ter ganho por escassa margem as eleições organizadas em 2007, tomou o poder absoluto e assassinou os seus rivais da OLP.
Com o apoio da Agência das Nações Unidas para os Refugiados – como o denunciou recentemente o palestiniano Bassem Eid na Newsweek – o Hamas dedicou-se desde então à fanatização da sociedade, a começar pelas crianças e pela juventude e à construção de um mundo subterrâneo de ciclópica extensão para alojar a sua infraestrutura de terror; ao rearmamento, agressão e à supressão de todas as liberdades e garantias.
Promoveu ataques sucessivos contra Israel e a população civil de Gaza, sempre seguidos de tréguas sistematicamente quebradas por ataques de maior envergadura.
A sucessão de negócios ocidentais de libertação de terroristas iranianos e de pagamentos bilionários ao Irão contra a libertação de reféns foi a principal mola que conduziu ao massacre de 7 de outubro. Com mais de duas centenas de civis na mão, incluindo bebés, ninguém ousaria punir a orgia de sangue a que se entregaram, assim pensaram os dirigentes do Hamas confortavelmente instalados em Doha, na capital do Qatar.
Os cálculos saíram um pouco errados, mas não totalmente errados, estando ainda por saber onde vai acabar mais este episódio da guerra do fanatismo contra a humanidade.
Por que se trata de uma guerra contra a humanidade! Estes massacres começam sempre com os judeus, mas nunca acabam apenas com os judeus.
Falando sobre a guerra Israel x Hamas, no encontro desta sexta-feira com jornalistas, o presidente Lula pregou o fim do poder de veto dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, lembrando que a proposta de resolução apresentada pelo Brasil na semana passada, propondo medidas de alívio humanitário em Gaza, embora aprovada pela maioria dos países foi vetada pelos Estados Unidos.
Afirmando que o Brasil vai continuar com seus esforços diplomáticos, Lula afirmou:
– Alguém tem que falar em paz. A nota que o Brasil apresentou foi aprovada por 12 de 15 países, e duas abstenções. Então foi aprovada. É por isso que queremos acabar com o direito de veto. Achamos que nem os russos, nem os americanos, nem os chineses, nem os franceses e nem os ingleses devem ter poder de veto.
O Brasil, neste momento, está negociando uma nova resolução a ser apresentada na segunda-feira, valendo-se do tempo que lhe resta como presidente temporário do Conselho de Segurança, que terminará no dia 31. Depois o posto será assumido pela China, que teria ainda mais dificuldades para negociar uma solução, por conta de seu contencioso político com os EUA.
Em sua fala sobre a guerra, Lula acusou o premiê israelense Netanyahy de querer acabar com a faixa de Gaza, onde “crianças e mulheres têm sido a maioria das vítimas” da contra-ofensiva de Israel, após os ataques do Hamas no dia 7 passado.
A propósito do Hamas, Lula respondeu a questionamento sobre o tratamento dado ao grupo, dizendo que o Brasil só adota a qualificação de terroristas para grupos, partidos ou quaisquer forças políticas quando o Conselho de Segurança da ONU aprova tal enquadramento. E que isso não ocorreu ainda em relação ao Hamas, que disputou e venceu eleições em Gaza. Por isso o Brasil chamou os ataques do dia 7 de outubro de ações terroristas, mas não trata o Hamas como tal.
– Eu não queria que a imprensa brasileira tivesse dúvidas sobre o posicionamento do Brasil sobre isso. O que nós estamos dizendo? Que o ato do Hamas foi terrorista.
Ainda sobre a guerra, Lula destacou o repatriamento dos brasileiros que estavam em Israel e prometeu continuar com seu esforço para retirar os que estão em Gaza. “Se houver um país cujo governante é amigo do Hamas, é com ele que eu vou falar”, disse Lula citando os vários chefes de Estado ou de governo com quem já conversou nos últimos dias, desde a eclosão da guerra.
Condicionados que andamos pelas notícias sobre as desgraças nas áreas do ensino e da saúde e com o governo mais preocupado a resolver problemas pontuais do que decidido a enfrentar os estruturais, começa a parecer comprometida a ideia dos progressos registados no campo económico e, em especial, no crescimento da economia.
Já num trabalho apresentado na Universidade de Lisboa em 2021, escrevia Ana Luísa Coutinho:
«Durante as últimas décadas tem-se assistido a um aumento significativo das desigualdades no rendimento nos países desenvolvimentos e Portugal não tem sido excepção. O debate sobre os efeitos da desigualdade do rendimento no crescimento económico encontra-se na ordem do dia e na literatura têm sido identificadas diferentes dimensões e canais que através dos quais a desigualdade toma lugar e afecta tanto o crescimento como o desenvolvimento de uma economia. O presente trabalho procura, através da análise empírica, para o caso português, identificar quais os factores e canais que geram actualmente maiores disparidades nos rendimentos e que possam prejudicar o crescimento em Portugal entre 2006 e 2016.
Os resultados revelam que, entre 2006-2009, os rendimentos médios das famílias mais pobres cresceram, enquanto os rendimentos médios do topo da distribuição apresentaram uma diminuição, reduzindo-se, assim, a desigualdade entre os extremos da distribuição durante este período. Por outro lado, verificou-se também um aumento da desigualdade durante o período de austeridade, em particular nos extremos da distribuição de rendimentos. Este período foi também caracterizado pelo abrandamento do crescimento da economia portuguesa e pelo decréscimo do rendimento das famílias, razão pela a qual a questão da desigualdade não deve ser vista apenas como instrumento de política social, mas sim como um dos motores do crescimento económico.
A análise empírica efectuada permitiu verificar também que o impacto equalizador de um maior acesso à educação tem vindo a diminuir, embora se mantenha positivo e que o nível de desigualdade e o nível de pobreza não apresentam uma clara relação linear entre si, pelo que a diminuição das desigualdades não gera por si só uma redução do risco de pobreza.
Do ponto de vista da política fiscal e redistributiva, verificou-se que são os impostos o instrumento redistributivo mais eficaz na redução da desigualdade, mas que em termos de eficiência são as transferências sociais, excluindo as pensões, que têm maior nível de eficiência na diminuição das desigualdades.»
…que eu remato, lembrando que se no período pré-troika parece ter havido alguma redução na desigualdade, já nesse mesmo ano de 2021, quase metade da riqueza em Portugal pertencia a 5% da população, o que dará uma ideia bem mais clara das consequências da política de austeridade.
Por outro lado, lembrar que há uma década houve países europeus que sofriam de um elevado endividamento (como a Grécia e Portugal) e foram atingidos por uma crise económica que quase os levou a saírem da moeda única, mas que agora apresentam grandes crescimentos e menores problemas de endividamento, onde Portugal até deixará de ser um dos países do mundo com a maior dívida pública em 2025, é descrever apenas um dos lados do problema. Tal como em 2012 se exageraram claramente os efeitos perniciosos do endividamento, estamos agora a sobrevalorizar um crescimento que está muito longe de se reflectir no bem-estar da generalidade das populações, onde uma pequena percentagem de 5% a 10% vive bem, enquanto o resto sofre. Quando os alimentos e a energia (combustíveis e electricidade) continuam caros, o desemprego ou o subemprego grassam entre os jovens, não é descabido lembrar que a miséria trazida pela austeridade continua presente nas condições sociais.
Enquanto isto, com as taxas de crescimento das economias periféricas a subirem acima da média da UE, as famosas agências de notação de risco estão a melhorar a classificação da dívida dos PIIGS (acrónimo pejorativo originalmente usado na imprensa anglo-saxónica, para designar o conjunto das economias de Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha), abrindo assim o caminho para os grandes investidores e nova vaga especulativa que, num ciclo vicioso perfeito, voltará a beneficiar os mais ricos em detrimento dos mais pobres.
Com uma gala de encerramento, em que se fará a proclamação e entrega dos prémios, chega esta noite ao fim a 68ª edição da SEMINCI que, desde o dia 21, tem vindo a decorrer na cidade espanhola de Valladolid.
Nessa sessão será exibido o filme neo-zelandês Juniper realizado em 2021 pelo sul-africano Matthew J. Saville e que tem Charlotte Rampling como protagonista.
A actriz britânica, que em 2015 foi distinguida com o prémio de melhor interpretação da SEMINCI pelo seu desempenho em 45 Anos, de Andrew Haigh, receberá uma das ‘Espigas de Honra’ desta edição. Recorde-se que Haigh tem um filme em competição na secção oficial desta edição do festival: All of us strangers.
Charlotte Rampling, que nasceu há 77 anos em Sturmer, uma pequena aldeia inglesa com poucas centenas de habitantes, tem uma filmografia de mais de 130 filmes em mais de quarenta anos de carreira. Recebeu o prémio para a melhor actriz em Berlim e em Veneza e obteve uma nomeação para o Oscar. No seu percurso regista participações em filmes de Luchino Visconti, John Boorman, Sidney Lumet, François Ozon, Woody Allen, Liliana Cavani, Giuliano Montaldo, Lars von Trier e Bille August, entre muitos outros.
Também Nathalie Baye, agora com 75 anos, foi distinguida nesta SEMINCI com uma ‘Espiga de Honra’. A actriz francesa já foi intérprete de quase uma centena de filmes, para além de desenvolver uma intensa actividade no teatro e na televisão. Foi distinguida com quatro prémios ‘César’ e foi considerada a melhor actriz em Veneza (1999) e em San Sebastián (2006). Robert Wise, Truffaut, Godard, Ferreri, Tavernier, Chabrol, Sautet e Spielberg são apenas alguns dos realizadores com quem trabalhou numa carreira que ainda não acabou. A homenagem a Nathalie Baye foi assinalada com a exibição de O Quarto Verde de François Truffaut (1978).
Para além de Charlotte Rampling e Nathalie Baye nesta SEMINCI / 2023 foram também distinguidas com a ‘Espiga de Honra’ as actrizes espanholas Blanca Portillo e Kiti Mánver. É verdade, quatro ‘Espigas de Honra’ para quatro mulheres.
Blanca Portillo (Madrid, 1963), uma das mais versáteis actrizes espanholas, recebeu a ‘Espiga de Honra’ durante a Gala do Cinema Espanhol. Nela foi exibido o filme Teresa de Paula Ortiz, abordagem da vida de Santa Teresa de Ávila, que tem Blanca Portillo como principal intérprete. Actriz de teatro cinema e televisão, ganhou o prémio de melhor interpretação feminina em Cannes com Volver de Pedro Almodóvar (2006) e a Concha de Prata de San Sebastián em 2007 com Siete mesas de billar francés, de Gracia Querejeta. Em 2021 obteve o ‘Goya’ pelo seu extraordinário desempenho em Maixabel o belíssimo filme de Iciar Bollain que trata de forma magistral a ‘humanização’ de um assassino da ETA.
Kiti Mánver (Málaga, 1953) é uma das ‘chicas Almodóvar’ desde os primeiros trabalhos do realizador espanhol. Com ele trabalhou em Pepi, Luci, Bom y otras chicas del montón (1980), Que fiz eu para merecer isto? (1984), Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos (1988), A Flor do Meu Segredo (1995) e Abraços Desfeitos (2009). Trabalhou também com Iciar Bollain, Manuel Gutiérrez Aragón, Fernando Colomo, Fernando Trueba, Basilio Martín Patino, Álex de la Iglesia e José Luis Garci. Na televisão tem participado em várias de grande sucesso como ‘Cuéntame cómo pasó’, ‘As Telefonistas’ e ‘Casa de Papel’. A ‘Espiga de Honra’ foi entregue a Kiti Mánver na sessão com o filme Mamacruz, da venezuelana Patricia Ortega, de que é protagonista.
Cinema da Índia em destaque
A filmografia convidada desta 68ª SEMINCI foi a da Índia, o segundo maior produtor mundial de filmes e o país com maior número de espectadores de cinema.
Para além de um cinema de índole mais popular, aquele país tem também algumas figuras incontornáveis na história do cinema. Nomes como Satyajit Ray, Mrinal Sen, e Ritwik Ghatak tiveram, há algumas décadas, importante reconhecimento internacional tendo obtido vários prémios em muitos dos mais importantes festivais de cinema.
A mostra agora apresentada em Valladolid incidiu, contudo, nas obras de gerações mais recentes que também têm obtido destaque internacional. Foram dezasseis os títulos que estiveram à disposição dos participantes do festival, quatro deles realizados por mulheres. O filme mais antigos são de 1960 e 1961, mas a maior parte deles é dos últimos cinco anos. Todos participaram nos mais importantes festivais da Europa.
De entre eles destacamos A Night of Knowing Nothing da jovem cineasta Payal Kapadia, Prémio Golden Eye para o melhor documentário no Festival de Cannes de 2021.
‘Memoria y Utopia’, um ciclo de clássicos
Esta é foi uma das novas secções da SEMINCI em que foram exibidos alguns filmes já considerados clássicos, obras-primas esquecidas, censuradas e em alguns casos perdidas e restauradas por várias cinematecas europeias.
Entre os títulos exibidos encontrámos Le Retour à la Raison de Man Ray, La Captive de Chantal Ackerman, Sonhos de Ouro de Nanni Moretti, Boat People de Ann Hui, L´Amour Fou de Jacques Rivette, Millenium Mambo de Hou Hsiao-Hsien ou La Tarde del Domingo de Carlos Saura.
Música na SEMINCI
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Foram várias as propostas do festival que associaram o cinema e a música. De entre elas destacamos a exibição, no Auditório Miguel Celibes, do filme mudo The Kid Brother (aqui chamado El Hermanito) realizado por Ted Wilde em 1927 e protagonizado por Harold Lloyd.
A ‘Orquesta Sinfónica de Castilla y León’ dirigida por Christian Schumann acompanhou as imagens com a música escrita em 1992 pelo compositor britânico Carl Davis.
Em 2022, havia 7,4 milhões de pessoas em teletrabalho no país. Os dados são do módulo inédito Teletrabalho e trabalho por meio de plataformas digitais 2022 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), divulgado nesta quarta (25) pelo IBGE. O estudo é fruto de um acordo de cooperação técnica entre o Instituto, a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e o Ministério Público do Trabalho (MPT).
“Para ser considerado trabalho remoto, é preciso que o trabalho seja realizado em ambiente alternativo ao local padrão de trabalho, ou seja, em local diferente daquele em que tipicamente se esperaria que fosse executado, considerando tanto a ocupação exercida pela pessoa quanto a sua posição na ocupação. Vamos supor que uma pessoa trabalhe por conta própria, em sua casa, na produção de pães e bolos para vender. Como o próprio domicílio é o lugar de funcionamento de seu negócio, para essa pessoa, trabalhar no domicílio não é considerado trabalho remoto. Já o teletrabalho é uma subcategoria do trabalho remoto, ocorrendo quando se utilizam equipamentos TIC (tecnologia da informação e comunicação) para realizar as tarefas do trabalho”, explica Gustavo Fontes, analista da pesquisa.
O pesquisador afirma que a pandemia de Covid-19, com a necessidade do distanciamento social, impulsionou o teletrabalho, Com o fim da pandemia o modelo continua sendo utilizado pelas empresas, pelo menos parcialmente.
Perfil dos trabalhadores
Quando considerado o universo dos ocupados em teletrabalho, a maioria era homem (51,2%), enquanto 48,8% eram mulheres. Quase metade dos teletrabalhadores (49,6%) tinha de 25 a 39 anos de idade e 35,4% tinham de 40 a 59 anos. Somadas, essas faixas etárias respondiam por 85,0% do total. A ampla maioria (63,3%) dos ocupados que trabalhavam remotamente com equipamentos de TIC era branca (63,3%). A proporção de pretos e pardos era bem menor: 7,7% e 27,1%, respectivamente.
A pesquisa apurou que cerca de 8,7% das mulheres ocupadas trabalharam nessa modalidade, contra 6,8% dos homens. As pessoas brancas (11,0%) também tinham percentuais muito superiores aos das pretas (5,2%) e pardas (4,8%). O grupo etário com a menor proporção de trabalhadores nessa situação era a dos adolescentes (14 a 17 anos), com 1,2%. Já o maior percentual ficou com o grupo de 25 a 39 anos, com 9,7%, acima da média nacional.
Apenas 0,6% dos ocupados que não tinham o ensino fundamental completo trabalhavam de forma remota. Entre os que tinham ensino fundamental completo ou médio incompleto, esse percentual subiu para 1,3%. A maior proporção estava entre aqueles com ensino superior completo: 23,5% realizavam seu trabalho dessa forma pelo menos ocasionalmente.
“De todos os teletrabalhadores, quase 70% tinham nível superior. A proporção também era muito maior entre os profissionais das ciências e intelectuais, grupo que inclui, por exemplo, engenheiros, advogados, economistas, professores e diversos profissionais da área de TI, e entre as pessoas em cargos gerenciais e de direção. Esses tipos de ocupação tendem a ser mais favoráveis ao teletrabalho”, explica o analista.
Empregadores tinham maior proporção de profissionais em teletrabalho
Cerca de 16,6% dos empregadores estavam em teletrabalho ao menos parcialmente em 2022. Essa foi a categoria profissional com maior prevalência entre aqueles que trabalharam nessa modalidade no período de referência. Em seguida, aparecem os empregados no setor público (11,6%) e os empregados no setor privado com carteira assinada (8,2%).
Os grupos com menores proporções de ocupados em teletrabalho foram os empregados no setor privado sem carteira assinada (7,5%), trabalhadores por conta própria (5,7%) e os trabalhadores familiares auxiliares (2,1%). Os domésticos tiveram percentual quase nulo, já que o número de pessoas foi baixo tanto pela própria metodologia da pesquisa amostral quanto pela natureza da ocupação, pouco compatível com o teletrabalho.
Uma a cada quatro pessoas (25,8%) ocupadas no setor de Informação, comunicação e atividades financeiras, imobiliárias, profissionais e administrativas realizou teletrabalho no ano passado. A publicação destaca que esse é um conjunto de atividades que favorece esse tipo de trabalho, como os serviços de tecnologia da informação, jurídicos e de contabilidade.
Já os grupamentos de atividades que são menos compatíveis com o teletrabalho tinham, por consequência, poucos profissionais trabalhando dessa forma: Serviços domésticos (0,0%); Agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e aquicultura (0,4%), Construção (2,5%), Alojamento e alimentação (2,8%) e Transporte, armazenagem e correio (2,8%).
Rendimento médio dos teletrabalhadores era duas vezes maior
O rendimento médio da população ocupada no país foi de R$2.714 em 2022, mas entre aqueles que realizaram pelo menos um dia de teletrabalho no período de referência, o rendimento era 2,4 vezes maior do que essa média: R$6.479. Já entre os não trabalharam desse modo, o rendimento era abaixo da média: R$2.398.
O analista da pesquisa ressalta que essa diferença não nasce necessariamente do uso do teletrabalho. “É uma correlação com o tipo de ocupação que favorece essa modalidade de trabalho, que tende a pagar salários mais altos. É o caso, por exemplo, daquelas ocupações com maiores proporções de trabalhadores realizando o teletrabalho, como os gerentes e profissionais das ciências e intelectuais”, explica Gustavo.
A pesquisa também investigou o tema em relação às horas trabalhadas. Nesse indicador, houve pouca diferença entre os que realizaram o teletrabalho e aqueles que não trabalharam dessa forma. A média de horas de trabalho por semana foi levemente maior entre os teletrabalhadores: 39,7 horas contra 39,3 de quem não trabalhou dessa forma. A média de horas trabalhadas do total de ocupados do país também foi de 39,3.
Cerca de 8,7 milhões trabalharam remotamente no próprio domicílio
Além do teletrabalho realizado em qualquer ambiente (a própria casa, outro domicílio ou outros espaços – sempre como um local alternativo ao trabalho), a pesquisa também trouxe dados de quando a função era exercida no próprio domicílio do trabalhador. Cerca de 15,6% do total de ocupados que não estavam afastados trabalharam no próprio domicílio em 2022. Aqueles que realizam trabalho remoto em casa somaram 8,7 milhões, o que representava 9,0% desse total de ocupados. Por ser um recorte dentro desse tipo de trabalho, o teletrabalho apresentou um percentual menor: 7,3% dos ocupados, ou 7 milhões de pessoas. Isso significa que 94,8% dos ocupados que realizaram teletrabalho o fizeram na própria casa.
Como o acesso à internet é essencial para a realização do teletrabalho, esse dado também foi avaliado pelos pesquisadores. Quase metade (49,6%) dos domicílios do total de ocupados tinha computador e Internet. Quando considerados apenas os teletrabalhadores, essa proporção sobe para 91,2%. Menos de 9% deles não tinham computador, mas acessavam a Internet em casa. Quase todos os teletrabalhadores (99,8%) tinham acesso à Internet no próprio domicílio.
Contando a história de uma revolta de escravizados na Roma antiga, o filme de 1960 Spartacus foi escrito por dois escritores comunistas que estavam na lista negra. Sua chegada nas salas foi um dedo do meio para a caça às bruxas macarthista em Hollywood e publicações.
O 1º de Maio de 1946 foi sem paralelo para a esquerda na América. Veteranos recentemente dispensados se uniram com professores, escritores, artistas, advogados e outros trabalhadores para marchar triunfantemente através de Manhattan. “O número de pessoas na parada, enquanto nós os contamos, foi de mais de 150.000, e quando eles lotaram a Union Square, aplaudindo líderes e pessoas que faziam discursos de esquerda e comunistas”, o escritor comunista Howard Fast escreveu em sua autobiografia, Being Red, “alguém diria que o futuro da esquerda na América era extremamente brilhante, e é claro eles estariam errados”.
No 1º de Maio de 1948, os mesmos comunistas que foram celebrados apenas dois anos mais cedo se tornaram alvo de multidões reacionárias violentas cantando “Mate um comunista por Cristo”! Fast estava liderando o “bloco de cultura” do Partido Comunista, feito por milhares de acadêmicos, artistas e escritores, que rapidamente se encontraram em uma luta de rua com estudantes anticomunistas de uma escola paroquial próxima.
A segunda parada foi um mau presságio. Com o advento do Segundo Medo Vermelho e da Guerra Fria, os comunistas logo se tornaram o inimigo nacional, vistos não como progressistas lutadores pela liberdade, enquanto eles tinham sido por muitos na ampla esquerda, mas como autoritários antiamericanos e perigosos subversivos. O próprio Fast foi chamado perante o Comitê de Atividades Antiamericanas da Câmara (HUAC, na sigla em inglês) e foi preso quando se recusou a delatar nomes.
Fast entrou na lista negra da indústria de publicação. Ele foi apenas um de uma geração de artistas que foram purgados da grande mídia americana, a lista negra arruinando suas carreiras, os consignando a obscuridade e frequentemente pobreza. Muitos livros daquela época ainda continuam não publicados e roteiros não feitos; figuras culturais, uma vez famosas, foram amplamente apagadas da história da América.
Mas, dentro do terror inabalável do período macarthista estão histórias de resistência. A experiência de Fast na prisão, por exemplo, o levou a escrever o romance Spartacus, que mais tarde foi adaptado em um roteiro pelo escritor comunista Dalton Trumbo. Quando o filme foi exibido em 1960, depois de uma década de permanecer underground, dois nomes comunistas iluminaram o começo do filme, um dedo do meio gigante para os reacionários da era. Essa é a história de Spartacus, ou como os comunistas primeiro romperam as listas negras.
“As prisões de hoje vão ser a vitória de amanhã”
Howard Fast é uma daquelas figuras esquecidas na memória irregular do cânone literário da América. Ele publicou seu primeiro romance com dezoito anos, e passou várias décadas construindo sua carreira em publicação, emergindo como um romancista popular. Ele também foi um membro ativo do Partido Comunista. Antes de ser colocado na lista negra, ele se envolveu apaixonadamente em apoiar os lutadores republicanos espanhóis; em 1945 ele se juntou ao conselho executivo do Comitê Conjunto de Refugiados Antifascistas. O grupo dificilmente foi subversivo, trazendo doações de pessoas como Eleanor Roosevelt e Edith Lehman, a esposa do governador de Nova York, Herbert Lehman. Mas, as correntes políticas mudaram, e ,em 1946, Fast recebeu uma intimação para aparecer perante o HUAC para entregar a lista de doadores.
Fast se recusou a delatar nomes, assegurado por advogados que desobedecer ao Congresso não resultaria em qualquer tempo na cadeia. Mas, mais tarde no mesmo ano, ele foi intimado novamente, dessa vez por um livro que ele havia escrito sobre o revolucionário iugoslavo, The Incredible Tito, e seu futuro se tornou incerto. Em 1947, ele e outros dez do Comitê de Refugiados foram sentenciados a prisão.
Fast e seus camaradas tinham fé em seu apelo, mas havia pouco a ser feito por sua reputação e carreira. “Meu novo livro, The American” – um retrato de John Atgeld, o governador progressista de Illinois – “foi sendo destruído sem piedade”, Fast lembrou. Meu telefone foi grampeado. Agentes imbecis do FBI escorregavam dentro do meu apartamento (durante angariações de fundos) … e outros agentes estavam me seguindo pelas ruas”, ele lembrou.
Em 1949, as escolas de Nova York foram instruídas para remover quaisquer cópias de seu livro de ficção histórica, Citizen Tom Paine, de suas prateiras. J. Edgar Hoover mandou agentes ordenando os bibliotecários da Biblioteca Pública de Nova York para destruir os livros de Fast. O FBI bloqueou os editores de editar novos trabalhos de Fast, mesmo aqueles que ele havia escrito supostamente anonimamente sob um pseudônimo.
Em 1950, o anticomunismo tinha se espalhado, e as esperanças de Fast para reverter sua sentença de prisão estavam perdidas. Fast estava fichado em uma prisão de distrito, uma experiência que ele lembrou como distintamente desumanizante.
Havia cem homens sentados em longos bancos, homens negros e homens brancos, todos eles nus. Eles sentavam desanimadamente, curvados, cabeças inclinadas, evocando figuras dos campos de extermínio da Segunda Guerra Mundial. A dignidade a qual nós nos agarrávamos tão desesperadamente era agora tirada de nós.
Ele foi posto em uma cela de cinco por sete pés com um rapaz assustado de dezoito anos de idade, que tinha estado dentro e fora da prisão desde ele tinha doze anos, e, de acordo com Fast, tinha sido estuprado por outros prisioneiros mais de cem vezes. Felizmente para Fast, ele foi transferido para Mill Point, uma prisão de segurança mínima em West Virginia.
Para aqueles fora dos Estados Unidos, Fast e seus camaradas aprisionados eram mártires. Comícios e arrecadações de fundos foram realizados em apoio aos aprisionados, enquanto a solidariedade internacional jorrava. O poeta chileno Pablo Neruda escreveu o poema “Para Howard Fast”, elogiando a escrita de Fast sobre “heróis negros, de capitães e rodovias, dos pobres e das cidades”, e lamentou a tirania do Segundo Medo Vermelho, que Neruda chamou de a “Gestapo renascida”.
O aprisionamento de Fast foi uma calamidade para a liberdade de expressão, mas também havia pontos positivos. Ele passou muito do fim do seu tempo com o romancista comunista Albert Maltz, e encontrou consolo em seu trabalho diário construindo estruturas para a prisão – sua obra-prima foi uma réplica da famosa estátua Manneken Pis. O diretor da prisão era estranhamente gentil, e ofereceu uma máquina de escrever para Fast escrever depois de seus deveres diários da prisão.
Fast, ele mesmo esperando usar o tempo para escrever, foi incapaz de se comprometer em quaisquer palavras para o papel. Ao invés, ele começou a pesquisar. Ele esteve particularmente interessado em um movimento alemão de 1914, fundado por Clara Zetkin, Karl Liebknecht e Rosa de Luxemburgo, que mais tarde se fundiria com o Partido Comunista da Alemanha. O nome do grupo era o Grupo Spartacus. Foi sua experiência em Mill Point, com todas as ansiedades e medos que estar em uma prisão frequentemente invocam, que o inspirou a escrever seu romance, Spartacus.
“Eu nunca me arrependo do passado”, ele escreveu, “e se minha provação ajudou a escrever Spartacus, eu acho que valeu a pena. Foi na prisão, afinal, que ele “começou a compreender mais profundamente que nunca a total agonia e falta de esperança das classes baixas. Como Neruda escreveu em seu poema dedicado a Fast, “As prisões de hoje vão ser as vitórias de amanhã”.
Depois de seus meses na prisão, ele foi solto em um mundo em que o Segundo Medo Vermelho estava em pleno andamento. “O país estava tão perto quanto de uma polícia de estado do que ele nunca tinha estado”, ele escreveu em sua introdução de 1996 para Spartacus. “J. Edgar Hoover, o chefe do FBI, pegou o seu papel de um pequeno ditador. O medo de Hoover e seu arquivo sobre milhares de liberais permeava o país”. Nesse ambiente, Fast começou a jornada de escrever um manuscrito narrando Spartacus, o escravizado que foi treinado como um gladiador e liderou uma revolta de escravizados fictícia na Roma antiga.
Mas, com a escrita de um livro também vem achar uma editora. E os editores, no caso de escritores da lista negra, estavam tão acessíveis para eles quanto os iates estão para os pobres – quer dizer, de jeito nenhum. O editor de Fast de longa data, Angus Cameron, na Little, Brown and Company, amou Spartacus e concordou em publica-lo rapidamente e com orgulho. Mas, então, Hoover mandou um agente federal para Boston, onde ele encontrou com o presidente da casa editorial e deixou instruções diretas de Hoover para não publicar qualquer livro de Fast. A editora abandonou o livro, causando a demissão de Cameron em protesto.
Depois de várias tentativas falhadas de assegurar outra grande editora, Fast recorreu a auto publicação. Seu nome e notoriedade eram suficientes para despertar interesse mesmo sem uma editora. O livro vendeu bem o suficiente. Sua família enviou quarenta mil cópias de capa dura do livro de sua casa.
Isso seria anos antes que o livro seria escolhido por grandes editoras. Eventualmente, ele venderia milhões de cópias e iria passar por centenas de edições, em mais de cinquenta e seis línguas. Ele também se transformaria no famoso filme do mesmo nome. Mas, primeiro, Fast e seus colaboradores precisariam quebrar a aderência do anticomunismo em Hollywood.
Hora de engolir sapo
Em 1947, Hollywood estava cada vez mais dividida em duas facções polarizadas: membros do Partido Comunista e seus simpatizantes e anticomunistas, que eram devotados a tira-los da indústria. Foi a reacionária Aliança Cinematográfica que empurrou a indústria nesses campos opostos, com quase nenhum espaço restante para a normalidade.
Os comunistas de Hollywood eram abertos em sua oposição ao antissemitismo, racismo, fascismo e exploração trabalhista, contribuindo sob seus nomes reais para “perigosas” publicações como People’s World, New Masses e o Daily Worker. “Eles viam o perigo – o real perigo – para as pessoas na indústria colocado pelas práticas trabalhistas do período”, o advogado liberal da Califórnia, Carey McWilliams, mais tarde editor do Nation, disse em uma entrevista com o biógrafo de Trumbo, Bruce Cook. “E eles sabiam que os nazistas não estavam brincando de fazer acreditar”.
Depois que o HUAC intimou os “dezenove hostis” de Hollywood, mais de sete mil pessoas se juntaram em um comício no Shrine Auditorium, em Los Angeles, antes da partida do grupo para a capital. Eles fizeram o máximo de sua viagem para Washington realizando comícios em Chicago e Nova York antes de chegar nas audiências. Dos dezenove originais, os onze indivíduos que se recusaram a cooperar com o comitê vieram a ser conhecidos como os Dez de Hollywood. (O décimo primeiro foi o dramaturgo alemão comunista Bertold Brecht, que estava vivendo nos Estados Unidos depois de fugir da Alemanha nazista e, então, depois de sua audiência, fugiu dos Estados Unidos para a Alemanha Oriental).
Entre eles estava o roteirista mais bem pago do grupo e também a testemunha mais hostil do comitê: Dalton Trumbo. “Seu trabalho”, Trumbo disse ao investigador chefe Robert E. Stripling, depois que ele o instruiu a responder “sim” ou “não”, “é fazer as perguntas e o meu é respondê-las… eu devo responder nas minhas próprias palavras. Muitas perguntas podem ser respondidas “sim” ou “não” apenas por um idiota ou escravo”. Em sua saída, ele gritou, “Esse é o começo de um campo de concentração americano”! Naquele final de outubro de 1947, os Dez de Hollywood foram citados por desacato do Congresso. Todos foram sentenciados a prisão, Trumbo por um ano.
O HUAC e o Acordo de Waldorf de 1947, o pacto estúdio-executivo que impôs as listas negras, devastaram muitos na indústria do entretenimento. “As pessoas ficariam atordoadas com os suicídios do período, e as coisas inacreditáveis que aconteceram então”, McWilliams lembrou. “O uso da liberdade”, Trumbo escreveu em The Time of the Toad (1949), “a invocação real da Lei dos Direitos, é um procedimento extremamente perigoso”. Trumbo dirigiu o seu ultraje moral não apenas aos conservadores, mas também os colaboradores liberais com a caça às bruxas anticomunista, e aqueles que se sentavam passivamente.
Mas, longe de purgar a indústria completamente dos comunistas, as listas negras os forçaram para as sombras. As listas negras criaram um novo mercado em Hollywood: o mercado negro. Roteiros feitos por quem estava na lista negra eram vendidos por nomes falsos, ou sob nomes de outros escritores. Enquanto esperava seu apelo passar, Trumbo fez uma vida modesta escrevendo roteiros de literatura barata para os irmãos King, uma casa de produção de filmes B. Entre a audiência em 1947 e sua entrada no sistema penal dos EUA em 1950, Trumbo, sob nomes falsos, lançou dezoito roteiros. “Nenhum”, ele insistiu, “era muito bom”.
O Instituto Correcional Federal Ashland no Kentucky foi, para Trumbo, similar a experiência de Fast no Mill Point – isso é, felizmente sem intercorrências. Trumbo não estava totalmente sozinho na prisão. De fato, ele estava apenas a uma pequena distância, vinte e quatro polegadas para ser exato, de outro membro dos Dez de Hollywood, John Howard Lawson. Mais tarde, Adrian Scott se juntou a eles.
Exausto dos constantes comícios e roteiros, Trumbo também acolheu certos aspectos da vida na prisão. Na prisão ele encontrou contrabandistas de bebidas alcoólicas, contrabandistas e falsificadores, muitos dos quais analfabetos. Ele leu e escreveu cartas para um contrabandista de bebidas alcoólicas chamado Cecil, cuja esposa estava cuidando de cinco crianças doentes sozinha, lutando para mantê-las aquecidas e alimentadas. Aqueles onze meses em Ashland mudaram Trumbo de muitas maneiras. Uma vez um escritor noturno, ele agora escrevia de dia. Uma vez não afetado pelo som de um assobio, ele agora parava instantaneamente para cair em linha. Mas, ele nunca abandonou seus princípios.
Depois de cumprir seu tempo, John Wexley, Albert Maltz, Ring Lardner, Ian Hunter, Dalton Trumbo e muitos outros da lista negra viveram no exílio na cidade do México, procurando trabalho e refúgio do persistente assédio do FBI. Um dia, o roteirista nascido no Canadá que estava na lista negra Hugo Butler arrastou Dalton e Cleo Trumbo para assistirem uma tourada. Uma tourada terminou com um indulto, ou perdão do touro, que é dado depois que a multidão acena lenços em apoio a mostra de coragem de um touro. O evento inspirou o filme de Trumbo, Arenas Sangrentas (1956), um drama seguindo um garoto e seu touro. O filme conseguiu ganhar um Oscar sob o pseudônimo de Trumbo, Robert Rich. Essa foi a primeira fratura na parede que estava os das listas negras.
A imprensa pegou rumores que Trumbo era Robert Rich. Ao invés de nega-los, ele expôs o quanto extensivo era o mercado negro de Hollywood, apontando para a imprensa para outros escritores que estavam na lista negra que podiam tê-lo escrito. Em 1956, Trumbo estava de volta em Hollywood e tinha dominado a arte do mercado negro. Ele tinha vários pseudônimos e escritores voluntariando seus nomes para ajudá-lo a entrar na indústria. John Abbott, Sam Jackson, C. F. Demaine e Peter Finch eram apenas alguns de seus alter egos. O que ele provou em sua evasão foi que qualquer roteiro podia ser escrito por um comunista usando um nome falso ou um escritor de frente. A lista negra era apenas tão efetiva quanto os empregadores estavam dispostos a aplica-la – e a maré estava virando.
“Eu sou Spartacus”
O primeiro rascunho do roteiro para Spartacus foi escrito por Fast, mas ele não era rápido o suficiente para terminar o trabalho em tempo. The Gladiators, de Arthur Koestler, um filme com um tema similar, estava a caminho da produção, e a produtora de Kirk Douglas, Bryna Productions, que estava produzindo Spartacus, precisava vence-lo na tela. Então Douglas recorreu a caneta mais rápida do Ocidente, Dalton Trumbo – assinando sob o pseudônimo de Sam Jackson.
Kirk Douglas como Spartacus
Eles rapidamente começaram as filmagens, mas o diretor original, Anthony Mann, bateu de cabeça com Douglas. Aparentemente esquecendo que Douglas não era apenas a estrela do filme, mas o chefe, Mann conseguiu ser despedido. Douglas o substituiu por Stanley Kubrick, a quem ele se referia como um “garoto convencido do Bronx”. Muitos problemas se seguiram através das filmagens. Dos censores limitando quaisquer conteúdos vagamente sexuais ou homossexuais, ao suborno do governo da Espanha de Franco para usar soldados em uma cena, o filme era um empreendimento vasto e complexo.
Não estava claro no tempo das filmagens se Trumbo e Fast podiam ser creditados na tela. Os anos de 1950 estavam chegando no final, e não estava claro o quanto efetivas as listas negras estavam nesse ponto. O debate aqueceu quando Mann espalhou a notícia de que era Trumbo, não Sam Jackson que escreveu o filme. As colunas de fofoca pegaram a notícia e pela primeira vez em uma década o disfarce de Trumbo foi descoberto.
E então a edição de 19 de janeiro de 1960 do The New York Times foi publicada, proclamando na capa que Trumbo seria creditado como o roteirista da produção de Otto Preminger que estava por vir, Exodus. Hollywood estava mergulhando seus dedos nas marés das listas negras. Haveria uma repressão em resposta? Se não, isso significaria que o macarthismo estava no fim? As audiências boicotariam o filme, ou o celebrariam? No lançamento de Spartacus, os cinemas através do país mostraram um dedo do meio gigante para a repressão anticomunista da era. As audiências se reuniram para ver um filme cuja tela de título os nomes de dois comunistas subversivos condenados, Howard Fast e Dalton Trumbo.
Piquetes se seguiram, mas eles eram relativamente reservados. Um grupo chamado os Veteranos de Guerra Católicos eram os mais vocais. (Eles tinham estado, contudo, em total apoio ao filme inglês que saiu mais cedo chamado Uma Saudade em Cada Alma, sobre freiras católicas protegendo crianças judias dos nazistas. O roteiro foi creditado a Robert Presnell Jr., mas era na verdade escrito por Danton Trumbo).
As listas negras estavam, por todas as intenções e propósitos, quebradas. Em 1960, Kennedy foi eleito presidente, e pouco após, ele fez uma viagem a um cinema com seu irmão. Com vários filmes que eles podiam ver, os irmãos católicos escolheram simplesmente Spartacus, cruzando o piquete dos Veteranos de Guerra Católicos para lançar um golpe mortal final nas listas negras. Quando Kennedy saiu do cinema e perguntaram a ele o que tinha achado do filme, ele simplesmente respondeu que era um bom filme.
“A terrível pena da crucificação foi reservada na única condição que você identifique o corpo ou a pessoa viva do escravo chamado Spartacus”, um soldado romano grita na famosa cena final de Spartacus. Kirk Douglas se eleva, mas é seguido em uníssono por seus dois vizinhos que gritam, “Eu sou Spartacus”, como mil outros escravos se elevam atrás deles. Spartacus se tornou um pseudônimo para resistência e liberdade.
A história de Spartacus também é a história da história de Spartacus. Howard Fast e Dalton Trumbo foram dois dos milhares de comunistas nos Estados Unidos que lutaram para sobreviver através do Medo Vermelho. Foi uma época quando, como Trumbo colocou, “demônios nos persuadiram que a liberdade é melhor defendida por entregando-a todos juntos”.
por Taylor Dorrell, Escritor e fotógrafo baseado em Columbus, Ohio | Texto em português do Brasil, com tradução de Luciana Cristina Ruy
Fonte: Jacobin
Vimos alertando os governantes sobre a imperiosa necessidade de termos segurança nas escolas, pois a política do ódio, da violência e do individualismo adentrou os muros das escolas brasileiras e paulistas há tempos.
Os ataques cresceram nos últimos anos, principalmente no desgoverno anterior ao do presidente Lula. O ex-presidente Bolsonaro sempre foi defensor do armamento como política de segurança pública e vociferou ódio e menosprezo às professoras, aos professores e a todos os profissionais da educação, porque na sua ignorância sempre pregou contra a ciência, a cultura e à vida.
O desgovernador de São Paulo, Tarcísio de Freitas comunga das mesmas insanidades, tanto que um dia após uma estudante ser assassinada a tiros dentro de uma escola da rede oficial do estado, o desgovernador compareceu a um ato público com um broche de uma arma em sua gravata, em total desrespeito à adolescente assassinada, sob a responsabilidade do estado, ou seja, da sua responsabilidade governador.
Tarcísio e o ainda secretário da Educação, Renato Feder fogem da responsabilidade de não terem feito nada para assegurar as vidas das pessoas nas escolas. A única proposta que apresentam é comprovadamente inócua, piora a situação com possibilidade de mais violência com policiais armados dentro das escolas.
A nossa luta é para preservar vidas e para isso é necessário dificultar o acesso às armas. Somente policiais devem andar armados. É fundamental desarmar a população, porque arma só serve para matar. Além disso, é importante responsabilizar, junto com o adolescente criminoso os pais que têm arma em casa com fácil acesso a adolescentes e crianças.
Nas escolas, é fundamental voltar com a figura do professor mediador de conflitos para impedir o crescimento da violência, seja através do bullying ou de outras formas. A existência do professor mediador, conhecedor da escola e da comunidade escolar deu ótimos resultados, mas foi abandonada já na gestão anterior.
Outro item essencial é a regulação das chamadas big techs (grandes empresas de redes sociais). Qualquer postagem que ameace vidas, que defenda ódio, preconceito, discriminação, violência e morte devem ser retiradas do ar imediatamente e os responsáveis punidos. A empresa que não proceder dessa forma deve ser responsabilizada igualmente.
Fora essas questões gerais, é preciso acelerar concursos para a contratação de profissionais da educação em número suficiente para garantir todos os protocolos de bom funcionamento de uma escola.
O desgovernador faz ao contrário. Corta verbas da educação pública, realizou um concurso para o preenchimento de somente 15 mil vagas para professoras e professores e não contrata servidoras e servidores em número suficiente.
Tarcísio vetou a contratação de psicólogos e assistentes sociais aprovada pela Assembleia Legislativa do estado, como uma das formas de colaborar ao combate à violência. Além disso não toma nenhuma providência para garantir segurança aos profissionais e aos estudantes. É um total desrespeito à vida. As escolas paulistas estão abandonadas, principalmente na periferia.
Para que nenhuma criança ou adolescente seja morta a tiros dentro de escolas, conclamamos toda a sociedade paulista a lutar incansavelmente pelo desarmamento e por mais investimentos em educação pública. Nenhum pai, nenhuma mãe quer mandar seu filho para a escola e recebê-lo morto.
Para resolver essa questão de forma a salvar vidas, é fundamental uma gestão democrática, que leve a comunidade escolar para dentro das escolas e na base do diálogo procuremos soluções inteligentes para acabar com esse tipo de ataque às escolas, que só interessa a quem vive pelo ódio.
Precisamos criar redes de apoio às escolas, aos profissionais da educação e aos estudantes, garantindo de forma democrática o acesso à educação em segurança e em paz. Para salvar a vida de nossos filhos precisamos lutar contra a cultura do ódio.
Basta de desgoverno em São Paulo. Fora Feder. Fora Tarcísio.
Esta entrevista exclusiva com a magistrada gaúcha Valdete Souto Severo dá continuidade ao debate acerca do tratamento dispensado às vítimas de violência de gênero, especialmente violência sexual, nos tribunais de justiça, em virtude do fato de que muitas denunciantes vêm sendo humilhadas por advogados e juízes em audiências.
Para Valdete Souto Severo, para mudar toda a naturalização da violência de gênero é preciso entender que isso “passa pela criação dos filhos, passa inclusive pelo modelo de relações afetivas, de como compreendemos as relações afetivas. Porque as mulheres podem se abraçar, se beijar e os homens não têm essa possibilidade, na maioria, embora hoje já esteja muito diferente, mas os meninos geralmente são criados para terem um distanciamento afetivo dos seus amigos. Eles só podem manifestar contato físico se estão jogando futebol, por exemplo”.
Passa por combater tenazmente a cultura do estupro como ideologia do patriarcado, que arruma subterfúgios para justificar o ódio e a violência de gênero, de raça e de classe. Como argumentar que a roupa usada pela vítima provocou o crime.
“O que está por trás desse argumento de que a roupa da vítima justifica a violência ou atenua a gravidade do ato violento é justamente a ideia de que o corpo feminino é um corpo violável; porque se não fosse um corpo objeto do desejo e passível de penetração no sentido mais amplo da palavra, de invasão, a nudez e a forma de vestimenta jamais seriam relevantes para análise de uma conduta violenta”.
Valdete é pós doutora em Ciências Políticas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), é Doutora em Direito do Trabalho pela Universidade de São Paulo (USP) e Mestre em Direitos Fundamentais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). É professora de direito e processo do trabalho na UFRGS, É juíza do trabalho da Quarta Região de Porto Alegre, pesquisadora do Grupo de Pesquisa Trabalho e Capital – USP e UFRGS e membra da Rede Nacional de Pesquisa e Estudos em Direito do Trabalho e Previdência Social.
Leia a entrevista na íntegra com Valdete Souto Severo:
Desde o argumento de “estupro culposo”, utilizado para absolver o acusado de estupro, denunciado pela blogueira Mariana Ferrer em 2018, o que mudou na maneira como o Judiciário trata as vítimas em processos sobre violência de gênero? Inclusive o episódio serviu para a formulação da chamada Lei Mariana Ferrer 14.245/2021.
Como sou da área trabalhista, não posso falar muito dessa lei, que é de outra área, mas pelo que tenho acompanhado das decisões, inclusive no núcleo de gênero da UFRGS e pela realidade da Justiça do Trabalho, parece que a mudança tem sido pequena, porque assim como há um movimento para que o Judiciário reconheça a perspectiva de gênero, inclusive com protocolo do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e com espaço para ocorrer essa discussão nos ambientes judiciários e nas escolas judiciais, na verdade, há uma resistência, uma espécie de contraofensiva no discurso que aparece muitas vezes, como recentemente aconteceu num caso envolvendo um presidente de Tribunal do Trabalho, que fez um comentário considerado machista em relação a uma advogada. Então, não sei se teve uma mudança muito grande.
Como explicar que, mesmo com os trabalhos importantes do Judiciário em relação à violência de gênero, muitos integrantes do judiciário agem com machismo e humilham vítimas em audiências?
O que se tem estudado muito, porque na realidade quando se fala em violência de gênero, também estamos falando na necessidade de mudança de postura na relação homem-mulher dentro de uma sociedade cuja cultura é extremamente patriarcal, machista.
Isso ocorre desde a forma como criamos meninas e meninos. Os brinquedos que são dados, o comportamento que se espera daquilo que se diz para as meninas: “sempre de perna fechada”, “não grita, tu és uma moça”, “te comporte como uma mulher”. E para os meninos: “Não leve desaforo para casa”, “briga, tu és homem” etc.
Vivemos em uma sociedade que nos constrói para sermos todos, homens e mulheres, extremamente machistas. Por isso, algumas feministas chamam de cultura do estupro a imposição de um comportamento de submissão à mulher.
A violência começa com o desrespeito ao não dito por uma mulher?
Tem o movimento Não É Não das mulheres justamente para mostrar que o não atendimento do desejo feminino, dentro de uma perspectiva que não é necessariamente de uma intenção violenta, mas é uma perspectiva na qual os homens são criados para sempre insistir. Com isso, não estou desculpando a conduta masculina, mas acho bem importante tirarmos do sujeito pensar que a violência acontece apenas porque temos homens violentos ou perversos, mas compreender que essa violência de gênero, assim como outras violências, a violência de prática racista, entre outras, acontece porque há uma cultura, que inclusive exige dos homens uma postura violenta.
Rita Segato (antropóloga e feminista argentina) fala em mandato de violação. Ela diz que nós criamos os nossos meninos quase como se eles fossem obrigados a agir de forma violenta em relação às mulheres e a considerar que um não é um talvez, ou é um charme, que a mulher está fazendo para que ele insista um pouco mais. Inclusive para que diante de seus pares, ou até mesmo da própria mulher, ele se sinta menos homem ou não atendendo ao que se espera dele numa sociedade patriarcal.
Afirmar que a violência começa com a desobediência não tem sido muito importante para os movimentos feministas exatamente em razão da necessidade de reconhecer que essa cultura existe e que ela precisa ser modificada.
Foto reproduzida da página Não é Não
É muito difundida a ideia de que a roupa usada pela vítima justifica a violência, mesmo não sendo. O que pensa disso?
É impressionante que alguém ainda se refira à roupa que uma pessoa está usando como forma de atenuar ou justificar uma violência em qualquer nível. Porque a violência não se justifica. Uma mulher poderia andar nua na rua; numa sociedade minimamente saudável ela teria acolhimento. Alguém que perguntasse se ela estaria com frio ou se ela quereria ou não vestir uma roupa. Ela teria sua escolha respeitada.
O que está por trás desse argumento de que a roupa da vítima justifica a violência ou atenua a gravidade do ato violento é justamente a ideia de que o corpo feminino é um corpo violável, porque se não fosse um corpo objeto do desejo e passível de penetração no sentido mais amplo da palavra, de invasão, a nudez e a forma de vestimenta jamais seriam relevantes para análise de uma conduta violenta.
Só se torna relevante porque temos uma cultura pela qual o corpo da mulher é desde sempre objetivado como algo a ser invadido e, portanto, a roupa, uma saia mais curta ou um decote maior, é lido nesse discurso hegemônico, digamos assim, como um convite à invasão e é isso que precisa mudar.
Compete a um juiz, em uma audiência, perguntar sobre a roupa que a vítima usava?
A roupa não poderia de forma alguma ser argumento de análise num caso de violência, de que de algum modo justificasse a violência a um corpo feminino ou feminilizado, que são os corpos alvos de violência geralmente.
Não compete ao juiz evidentemente perguntar sobre a roupa da vítima porque, quando uma vítima de violência que participa de um ato judicial, ou qualquer testemunha de um fato, partícipe de um fato, participa de um ato em que precisa prestar informações, pois na verdade essa pessoa atualiza os fatos.
Quando narramos uma história atualizamos os fatos. O que quero dizer com isso é que uma vítima de violência, quando precisa narrar o que aconteceu, ela sofre novamente os efeitos psicológicos da violência. Vários estudos demonstram isso.
É preciso que o Judiciário tenha não apenas a consciência do que está em jogo, questão da estrutura patriarcal que está em jogo quando se fala em violência de gênero, mas também que estude para compreender essas implicações psíquicas do ato de fala de uma vítima de violência numa audiência, às vezes diante do agressor. Então não é só que não compete ao juiz perguntar com que roupa a vítima estava, mas compete ao Judiciário compreender, estudar, ter realmente condição técnica de conduzir a audiência sem que ela se torne um sofrimento ou uma nova violência.
O que vemos acontecer é isso. O depoimento da vítima acaba se tornando uma nova violência e dessa vez infringida pelo Poder Judiciário quando faz perguntas inoportunas ou perguntas quando tem o não dito.
Esse tipo de pergunta contribui para a tentativa de responsabilizar a vítima pelo crime?
Quando alguém pergunta “qual era a roupa que estava usando?” ou “fostes ao quarto dele livremente?” ou “permitiu que ele te beijasse?”, o que na verdade está por trás é o não dito, que todos os envolvidos nesse momento, que é a audiência, vão compreender que existe uma desconfiança, já que a vítima de algum modo contribuiu para a agressão, ou seja, ela foi responsável pela violência que ela mesma sofreu.
Podemos fazer uma analogia com aquele pai ou mãe que bate no filho e diz que está batendo porque a criança o obrigou a agir assim, que está sofrendo mais do que a própria criança que sofre a agressão. Na verdade, é esse pai ou mãe que escolheu a violência para “educar” o filho.
A violência é do agressor não da vítima. Da mesma forma, a vítima de uma violência sexual não participa do ato da violência e não importa a roupa que ela usa, não importa se ela foi até o quarto, não importa se ela disse sim no início e depois ela disse não. É preciso que se respeite a sua vontade porque precisamos deslocar esse discurso para um outro lugar, que é o lugar em que os corpos não podem ser violáveis, não importa de que corpo estou falando, mais frágil fisicamente ou objeto desse imaginário social de sedução como é o corpo feminino. Precisamos construir uma cultura de que esse corpo não seja violável.
Portanto, se a moça está com uma roupa sensual, sexy, se ela foi até o quarto, se ela inicialmente disse sim e em algum momento disse não, essa interdição precisa ser suficiente para que não haja a partir daí nenhuma incursão sexual, senão vai ser violência passível de aferição e de consequências de aferição e de consequências jurídicas.
O que fazer para mudar isso?
O primeiro passo é compreendermos que se trata de uma estrutura social. E até o Direito está fundado numa ideia de que de algum modo há uma relação de diferença de posição social e de hierarquia entre homens e mulheres, quando até a década de 1940-1950 era estabelecida a necessidade de autorização do marido para a mulher trabalhar fora de casa ou quando até hoje se permite que a mulher adote o sobrenome do marido como se ela estivesse sendo adquirida como propriedade desse homem.
Então, se não estudamos e não compreendemos que há uma estrutura social que nos atravessa, que compõe práticas cotidianas muito sutis, às vezes de reforço dessa naturalização da violência contra os corpos femininos, a própria ideia de que entre duas pessoas casadas a relação sexual é uma obrigação entre elas. Se não entendemos o que isso significa na formação dessas racionalidades, nas pessoas que ocupam o Poder Judiciário, dificilmente vamos mudar a postura do Judiciário, mesmo tendo protocolo para julgamento com perspectiva de gênero, que são avanços importantes, mas é preciso, para além disso, compreender que se trata de uma cultura no âmbito sobre a forma como as crianças são criadas, na forma como se discutem essas questões na escola, na forma como os padrões de comportamento são exigidos nos diferentes âmbitos da vida social.
Se não trabalharmos nessa questão também, dificilmente o Judiciário vai alterar, especialmente quando percebemos que o Judiciário, sobretudo nos órgãos de cúpula, ainda são compostos em sua maioria por homens, e homens brancos.
Essa violência ocorre também com as trabalhadoras do Judiciário?
Há muitos casos de violência de gênero no âmbito do Poder Judiciário. É bem impressionante para mim que não existe uma situação em que se fale sobre assédio sexual em qualquer ambiente, seja entre juízas, entre servidoras, entre alunas, entre terceirizadas, entre sindicalistas, na qual exista uma única mulher que não tenha uma experiência de violência de gênero. Todas têm. Todas têm mais de uma experiência e muitas têm experiências bastante escabrosas, bastante violentas e a maioria delas silencia, especialmente quando estão em cargos de uma hierarquia social mais reconhecida.
É muito comum advogadas, estagiárias em escritórios e juízas que passaram por situações de violência de gênero mais ou menos graves, escolherem silenciar porque ficariam expostas, porque teriam que provar por que poderiam ter a sua situação profissional atrapalhada.
Esse é um problema muito grave e muito silenciado, por isso é muito importante falar sobre isso.
Ter curso sobre as questões de gênero nas universidades ajudaria a resolver?
Seria mais interessante do que ter curso sobre os procedimentos, mudar a forma do ensino desde a educação infantil, e nas universidades ter essa pauta como uma pauta que atravessa todas as matérias e não só no Direito, mas em todos os cursos. Falar de gênero na Medicina, na Sociologia, na Filosofia, enfim em todos os cursos.
Silvia Federici, filósofa e ativista feminista italiana (Wikipedia)
É fundamental como isso aparece. Porque isso é tão forte em sociedades capitalistas, que de algum modo, pelo menos, segundo alguns autores, como é o caso da Silvia Federici (filósofa e ativista feminista italiana), da própria Rita Segato e de algumas outras autoras, é um modelo de sociedade para o qual o machismo é funcional, o sexismo é funcional, servem para manter a estrutura intacta.
Por isso, estudar esse tema como algo obrigatório e que atravessa, não como uma disciplina própria, mas que atravessa todas as matérias, é um passo fundamental para podermos começar a desconstruir essa teia de relações violentas, porque, na verdade, nós reconhecemos e tratamos a violência de gênero ainda que ela se torne um feminicídio, uma agressão, uma evocação da Lei Maria da Penha, um assédio sexual no ambiente do trabalho. Mas não tratamos da violência de gênero em regra naquelas práticas pequeninas, como eu disse anteriormente da criação dos filhos, da conduta esperada das meninas e dos meninos, da repressão da sexualidade, da imposição de sexualidade em manifestações dos adolescentes.
Meninos que se comportam de um determinado jeito, como aqueles garotos que se masturbaram após um jogo num ginásio de esportes em uma competição universitária foram expulsos, mas foram reintegrados. Deveríamos pensar, como seria se fossem as meninas que tivessem agido dessa forma?
Há uma consideração diferente das condutas e se não alterarmos isso, dificilmente alteraremos o pensamento de juízes e juízas, que são de alguma forma produto desse modelo de organização social.
O que fazer então?
Isso passa por tantas coisas. Passa pela criação dos filhos, passa inclusive pelo modelo de relações afetivas, de como compreendemos as relações afetivas. Porque as mulheres podem se abraçar, se beijar e os homens não têm essa possibilidade, na maioria, embora hoje já esteja muito diferente, mas os meninos geralmente são criados para terem um distanciamento afetivo dos seus amigos. Eles só podem manifestar contato físico se estão jogando futebol, por exemplo.
Dessa forma, se cria uma lógica de um corpo a ser invadido e de um corpo a ser preservado, reforçado pela questão da força física e que acaba se revelando uma prática de violência. E é essa postura que precisamos mudar.
A violência de gênero cresceu muito com a extrema-direita no poder. Vivemos o resquício desses anos de discurso insuflado de ódio ao feminino?
Eu acho importante quando se fala em violência de gênero, que, no caso do Brasil, embora não tenhamos muitos estudos sobre isso e talvez possa se afirmar que melhoramos nesse aspecto, na possibilidade que temos de discutir esse assunto, de enfrentar esse assunto, mas temos que pensar também que tivemos um governo, do ex-presidente Jair Bolsonaro, em que a violência contra os corpos femininos ou feminilizados era cotidiana nas falas e na prática dele e de seus companheiros, digamos assim.
Poderíamos fazer um artigo com essas falas extremamente violentas ao dizer que prefere ter um “filho morto” a ter um “filho gay” ou de que não estupraria uma outra parlamentar por achá-la “muito feia”, entre tantas outras insanidades. Então a violência de gênero que ocorre no Brasil é um pouco o efeito que agora se nota dessa reação conservadora em algumas situações enfrentadas pelo Poder Judiciário.
Temos um efeito traumático em nível social de exacerbação de um discurso que autoriza a violência de gênero muito forte desde 2016 e mais ainda a partir de 2019.
Eu lembro quando o Temer assumiu depois do golpe que depôs a Dilma, saiu uma capa da revista Veja com uma entrevista com a Marcela Temer, na qual dizia “Bela, recatada e do lar”. Ou seja, ali havia uma inscrição muito forte em termos sociais do modelo de conduta feminina que é esse modelo que se submete. A recatada, veja uma sexualidade reprimida.
Para esse modelo burguês, a mulher tem que ser bela, recatada e do lar, porque tem que se manter na esfera privada. É uma chamada muito simbólica do que desse momento de 2016 até o ano passado representou para o crescimento da violência de gênero no país.
Isso tem que ser colocado na dificuldade que temos ainda hoje para falar, enfrentar e estudar seriamente esse tema.
A secção ‘Tiempo de Historia’ é a área de programação especialmente dedicada pela SEMINCI à exibição de documentários. Não obstante, esse tipo de filmes estão, presentes noutras secções do certame, desde logo na secção oficial onde podemos encontrar este ano Les Filles d’Olfa (As Quatro Filhas) de Kaouther Ben Hania, prémio ‘Golden Eye’ para o melhor documentário no Festival de Cannes.
Depois de ter competido na secção oficial de Cannes, Retratos Fantasmas, do cineasta brasileiro Kleber Mendonça Filho, aparece agora em Valladolid em ‘Tiempo de Historia’.
Este realizador já esteve na SEMINCI em 2016 com Aquarius (aqui designado por ‘Doña Clara’).
Recorde-se que Aquarius foi um filme premiadíssimo em vários festivais o mesmo tendo acontecido com Bacurau (2019) que, entre outras distinções, obteve o Prémio do Júri no Festival de Cannes.
Depois de ter passado em Cannes, de ter encerrado o Curtas de Vila do Conde e de ter estreado em Portugal no passado mês de Julho, Retratos Fantasmas foi escolhido como representante do Brasil na corrida ao Oscar do melhor filme internacional.
Nele, Kleber Mendonça Filho mostra ao espectador a sua cidade natal, Recife, através de uma ‘viagem’ no tempo pelos cinemas da capital pernambucana. Sete anos de trabalho e pesquisa que redundam no retrato de uma cidade através dos cinemas que nela existiram. Retratos Fantasmas é um comovedor exercício de cinefilia e de resgate da memória.
As outras longas de ‘Tiempo de Historia’ são:
Arsenie. An Amazing Afterlife de Alexandru Solomon (Roménia/ Luxemburgo). O filme, que estreou no Festival de Karlovy Vary, conta não só a história de vida de um monge ortodoxo romeno, místico e pintor, que morreu no ano da queda do regime de Ceauşescu, mas também ‘o culto que nasceu depois da sua morte’;
Între Revoluții (Entre Revoluções) de Vlad Petri (Roménia / Croácia / Qatar / Irão), Prémio FIPRESCI no ‘Berlinale Forum’. Este documentário fala-nos de duas amigas que com a sua luta contribuíram para algumas mudanças nos regimes do Irão e da Roménia;
La Estafa del Amor, um filme rodado em dois fins de semana por Virgínia García del Pino na Cineteca de Madrid, sobre um grupo de pessoas que discute sobre ‘a detenção de um sedutor profissional’;
Malqueridas de Tana Gilbert (Chile / Alemanha). Vencedora da Semana Internacional da Crítica de Veneza, a primeira obra da realizadora foi construída a partir de vídeos gravados ilegalmente por mulheres detidas nas prisões do Chile;
My Worst Enemy (O meu pior inimigo) e “Where God is Not” (Onde Deus não está), ambos de Mehran Tamadon (França / Suíça). Dois filmes que se complementam e que giram em volta do mesmo tema, a repressão no Irão, embora construídos de forma diversa e com abordagens distintas. Presentes no Festival de Berlim, o segundo ganhou o Prémio Ecuménico;
Notre Corps (O Nosso Corpo) de Claire Simon (França). Presente no Festival de Berlim o filme passa-se numa clínica ginecológica de Paris e convida o espectador a acompanhar as mulheres que ali procuram ajuda;
The Mother of all lies (A Mãe de todas as mentiras) de Asmae El Moudir (Marrocos, Arábia Saudita, Quatar, Egipto). Esteve no Festival de Cannes conquistou o prémio para o melhor realizador na secção ‘Un Certain Regard’ e foi co-vencedor do “Golden Eye”, com “As Quatro Filhas”, documentário que está na secção oficial desta SEMINCI. Candidato de Marrocos aos Oscares, The Mother of all lies é uma interessante e dramática abordagem da memória individual e colectiva que parte de uma simples pergunta: ‘Porque é que eu só tenho uma fotografia da minha infância?’;
Un Volcán Habitado de David Pantaleón e José Víctor Fuentes (Espanha). Estreada no Festival Visions du Réel (Nyon) esta é uma história intimista, fraternal e emotiva centrada nos acontecimentos que se sucederam durante a erupção vulcânica de 2021 na ilha espanhola de Palma, nas Canárias;
Youth de Wang Bing (China). Presente na secção oficial de Cannes o filme acompanha os jovens procedentes dos meios rurais que constituem o grosso da mão-de-obra das fábricas das áreas industriais chinesas;
Zinzindurrunkarratz de Oskar Alegria (Espanha). Um caminho, uma velha máquina de filmar e um burro. Oskar Alegria, com a sua super-8, regressa aos caminhos que os seus avós percorreram nas montanhas de Navarra, para registar os ecos de um mundo que já não existe.
O júri de “Tiempo de Historia”
O júri de ‘Tiempo de Historia’ é formado pela produtora Montse Triola, pela artista e cineasta Gala Hernández López (premiada nesta secção no ano passado com a curta La Mecanique des Fluides) e por Dario Oliveira, fundador do Festival de Curtas Metragens de Vila do Conde e do Porto/Post/Doc, certame que dirige desde a fundação.
‘Punto de Encuentro’, a procura de novos talentos
O espaço de programação dedicado à divulgação de trabalhos de realizadores em início de carreira recebe na Semana de Valladolid a designação de ‘Punto de Encuentro’. Aqui o espectador tem oportunidade para contactar com abordagens menos comuns, tanto nos temas tratados como nas opções estéticas e formais. Nele são divulgadas primeiras e segundas obras de autores quase todos jovens e, cada vez mais, mulheres.
Nesta edição a presença de cineastas mulheres é esmagadora.
Recorde-se que em 2019 o vencedor de ‘Punto de Encuentro’ foi o luso-suíço Basil da Cunha com O Fim do Mundo.
Nesta 68ª SEMINCI são quinze as longas-metragens que integram este ciclo. A secção integra ainda cinco curtas-metragens.
De entre os títulos selecionados para esta edição sobressai The Quiet Migration, produção dinamarquesa realizada por Malene Choi, uma cineasta nascida na Coreia do Sul mas que cresceu na Dinamarca. Agora com 50 anos, a mais velha dos concorrentes desta competição, Malene Choi foi a vencedora de ‘Punto de Encuentro’ em 2018 com The Return e em 2019 pertenceu ao júri desta secção.
The Quiet Migration, a sua segunda longa-metragem, foi distinguida com o Prémio FIPRESCI da secção Panorama do Festival de Berlim deste ano e tem algo de auto-biográfico. De facto, o personagem central é um jovem rapaz coreano que vive numa zona rural da Dinamarca e que foi adoptado, quando menino, por uma família de agricultores dinamarqueses. Este é um filme sobre gente que tendo nascido num país e crescido noutro sente que não pertence a lado nenhum.
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The Quiet Migration, de Malene Choi
Sweet Dreams, de Ena Sendijarevic
Destaque também para Sweet Dreams de Ena Sendijarević, realizadora bósnia radicada em Amesterdão. A trama do filme decorre na Indonésia, numa altura em que o domínio holandês se aproxima do fim e aborda os acontecimentos que decorrem da morte inesperada do dono de uma plantação de açúcar. Um drama de época que evoca o passado colonial holandês. Swett Dreams, distinguido em Locarno com o prémio de melhor interpretação (Renée Soutendijk) vai ser o candidato dos Países Baixos ao Oscar de melhor filme internacional.
As restantes longas-metragens de ‘Punto de Encuentro’ são:
Animal de Sofia Exarchou (Grécia, Austria Roménia);
Arthur & Diana de Sara Summa (Alemanha), estr treado na secção Discovery do Festival de Toronto;
Gasoline Rainbow dos irmãos Bill Ross IV e Turner Ross (EUA), um ‘Easy Rider na América pós-Trump esstreado na secção Orizzonti do Festival de Veneza;
Hello Darkness do duo australiano Soda Jerk (as irmãs Dan e Dominique Angeloro), um filme ‘inclassificável’, uma história que se diria surrealista composta a partir de 300 excertos de vídeos;
Hoard, primeira obra de Lina Carmoon (Reino Unido), duplamente premiada na Semana Internacional da Crítica de Veneza;
Muyeres de Marta Lallana (Espanha), a história de um homem que abandona tudo e percorre as montanhas das Astúrias para preservar a a cultura das velhas mulheres que ali moram. Grande Prémio do Júri e Prémio da melhor fotografia no Festival de Xangai;
Negu Hurbilak do colectivo Negu (Espanha), menção especial no Festival Locarno, inspirada numa canção Mikel Laboa, o patriarca da música basca, conta a história de uma jovem ligada aos grupos independentistas bascos que se esconde numa aldeia junto da fronteira com a França quando a ETA anuncia o fim da actividade terrorista;
On the Go, um ‘road-movie’ de María Giséle Royo e Julia de Castro (Espanha), menção especial do Júri da Juventude do Festival de Locarno;
One Last Evening de Lukas Nathrath (Alemanha), estreado no Festival de Roterdão;
Sirocco et le royaume des courants d’air de Benoît Chieux (França / Bélgica), um filme de animação, Prémio do Público no Festival de Annecy;
Stepne de Maryna Vroda (Ucrânia / Alemanha / Polónia/ Eslováquia). Esta é a primeira longa-metragem de uma realizadora ucraniana que, em 2011, ganhou a Palma de Ouro de Curta-Metragem do Festival de Cannes. “Stepne” estreou no Festival de Locarno ponde obteve o Prémio para amelhor realização e o Prémio da Crítica;
The Cage is looking for a bird de Malika Musaeva (Mónaco / Rússia), exibido no Festival de Berlim, um filme passado na Tchetchénia, país natal da realizadora;
The Feeling that the time for doing something has passed de Joanna Arnow (EUA), exibido na ‘Quinzena dos Realizadores’ de Cannes.
O júri de “Punto de Encuentro”
O Júri de ‘Punto de Encuentro’ formado pela britânica Helen de Witt, comissária de eventos relacionados com o cinema de autor e independente, por Pucho, vocalista e líder da banda madrilena ‘Vetusta Morla’ e pela portuguesa Ana Isabel Strindberg, programadora do Indielisboa e directora de Portugal Film.
As tentativas de tomada pela força do Capitólio; do palacio do planalto; de Kiev; da faixa de Gaza; e de multas outras localidades; a partir de centros do poder aonde está instalada e dispõe de força e meios militares, estende os seus tentáculos através de interesses diversos de forma a tentar controlar os corredores da dependência Humana para sobreviver, mas também das crenças e de todos os medos da Humanidade.
À extrema direita não importa se o número de mortos atinge milhões por via indireta: fome; sede; desemprego; salubridade; ou por via direta em resultado de guerras que promove e financia.
À extrema direita interessa em exclusivo o controlo do poder e, por essa via, o controlo dos povos reordenando a correlação de forças geopoliticas; geomilitares; e geoestrategicas de controlo mundial das matérias primas, coneguindo assim a reversão de todos os modelos de organização politica conducentes à liberdade dos povos e, por conseguinte, à sua emancipação.
À estrema direita não importa o meio para atingir os fins que sempre teve em vista: a submissão a uma oligarquia dominante. Sejam eles as religiões; os partidos políticos; os medíocres que influenciam a comunicação social e outros.
À extrema direita importa conquistar o poder puro e duro do “quero, posso, e mando!” seja de que forma for.
Aquilo a que temos vindo a assistir desde sempre é o desejo puro da servidão escrava a interesses instalados onde a mudança para um modelo democrático é impensável.
Tudo o mais são discursos da treta rotulados de narrativas sobre tudo e sobre nada onde os conteúdos dos considerandos são pura demagogia para entreter parolos e alimentar comentadores.
Os primeiros são alienados por aparências e os segundos são mentalmente alimentados para criar ilusões que não existem.
A extrema direita não dorme; não é crente; não se ilude. Vive do populismo que divulga através de discursos onde dizem, ou escrevem, aquilo que as populações querem ouvir para a seguir serem vitimas – as populações- das consequências nefastas dos efeitos de muitas das pretensões que só o são porque para isso foram educados.
Ou seja uma sociedade mal educada produz resultados negativos. Por isso a extrema direita controla a educação para, dessa forma, manipular a vontade social e dominar.
E… perguntarão alguns: a extrema esquerda não é a mesma coisa?
– Não!
– Não é!
Os conceitos definidores dos extremos e das pontes tidas por centro, são conceitos sociais definidores de organização politica e económica das sociedades.
1 – A extrema direita/direita defende a organização politica oligárquica economicamente assente em monopólios familiares ou de grupos de apropriação e transformação das matérias primas e dos serviços deixando a distribuição local no foro familiar.
A concentração da riqueza produzida nos meandros do poder e, a total dependência dos diversos estratos sociais tenham eles a relevância que tiverem.
2 – A extrema esquerda/esquerda defende um modelo de organização politica e social assente na rotatividade do poder eleito por voto secreto em eleição regular para o efeito e o controlo pelo Estado dos seus segmentos básicos de suporte económico como o são a água; a energia elétrica; o ordenamento do território; a exploração das matérias primas; os serviços essenciais ao seu funcionamento em sociedades civilizadas devidamente organizadas; a educação; a justiça; entre outros.
3 – O centro, tido por muitos como de suporte social democrata, uma mescla de entendimento social ao centro. Nem à esquerda. Nem à direita.
A democracia anda ao sabor do lado de onde o vento sopra mais forte e cada um faz pela vida consoante pode. O capital financeiro roda em circulo maior ou menor e, nessa senda, investe, ou arrisca, capital terceiro em que se correr bem o investidor fica rico, se correr mal só perde quem tem. A legislação não pode prever tudo, o que permite aos mais espertos contornarem as suas obrigações e, continuarem caminho.
A social democracia é uma espécie de malabarismos variáveis para se sobreviver enquanto que as outras duas valências são formas de organização social com regras para essa mesma sobrevivência.
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