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Sábado, Dezembro 7, 2024

A estipóide amarelada dos laranjais

Vitor Burity da Silva
Vitor Burity da Silva
Professor Doutor Catedrático, Ph.D em Filosofia das Ciências Políticas Pós-Doutorado em Filosofia, Sociologia e Literatura (UR) Pós-Doutorado em Ciências da Educação e Psicologia (PT) Investigador - Universidade de Évora Membro associação portuguesa de Filosofia Membro da associação portuguesa de Escritores

Sonhei-me por existir. A blusa incolor que me reveste por dentro é como canaviais que se atropelam por tostões neste torrão de ventos para edifícios e castelos e glórias, não, sonhei-me por existir.

Apetece-me o cheiro das tardes.

O silêncio dos sonhos nesta poltrona vazia.

Apetece-me perder todos os sangues do corpo e vomitar as ânsias que fazem isolar-me de mim mesmo, pois, acabo sempre por me encontrar noutros lugares, é isso, pensando bem, acho, não adianta experimentar a cor do suicídio nestes dias de cores tão esbeltas.

“a estipóide amarelada dos laranjais”

A falésia repleta de cores tão sibilantes, os efeitos dos contrários nas suas falanges quando pinto telas para entreter, o sumo amarelo das laranjas nos taipais da decima nona avenida de qualquer cidade, seja ela de onde for pois, pouco me importa isso, nasci numa cidade que já existia e isso para mim basta.

Pois, isolar-me é um desconforto a que me permito sem vontade, sentir-me num lugar de franjas aguçadas na ilharga longínqua dos cabelos compridos, sentir a saia do padre ou a relíquia da Elvira naquela ainda esquecida avenida.

Apetece-me vomitar todos os tédios.

Esquecer todos os anjos deste laranjal do senhor Quintas na Serra de Sintra.

Voar tão superiormente como uma ave que se esquece da minha existência, assim como eu a dela, acredito, é raro pensar que elas existem também e coabitam os mesmos cantos que eu, mas, ainda assim, esqueço-me, esqueço-me tão simplesmente como quando alguém que se recorda de mim me conta enfadonhas histórias do holocausto, dos tremores e terramotos, dos ciclones e da florestas e até mesmo de mim coitadinho de mim, plantado neste laranjal do senhor Quintas.

“a estipóide amarelada dos laranjais”

Em cima o sumo dos dias, este desenho de realidades para nos convencerem a vencer o tédio são relógios que nos secam e sacam das planícies e dos verdes frescos ainda com o cheiro de bosta dos rebanhos que desfilam a sua fome num alimento regado pela chuva da saudade. Sim. Senta-te então aqui a meu lado, talvez contar-te parte do meu sonho.


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