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Sexta-feira, Junho 27, 2025
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MPB4 completa 60 anos sempre novo

Um dos mais importantes grupos vocais da história da música popular brasileira completa 60 anos de carreira neste ano. Não com sua formação original, pois iniciou como trio e tornou-se o MPB4 que, no dizer de Chico Buarque “quartetos vocais entram e saem de moda, reagrupam-se e desintegram-se, patenteiam o nome, mudam de cara e reaparecem com nova formação. O MPB4 faz tudo isso e ninguém percebe. É sempre novo e sempre igual”, no site Cultura Niterói.

MPB4 chega aos 60 anos. Na foto, a formação desde 2012 Aquiles Reis, Paulo Malaguti Pauleira, Dalmo Medeiros e Miltinho (Marcelo Cabanas)

Originalmente integrado por Ruy, Aquiles, Miltinho e Magro, que faleceu em 2012 aos 68 anos, vítima de câncer, e foi substituído por Paulo Malaguti Pauleira, que integrava o grupo Céu da Boca. Antes ainda, em 2004, Ruy deixou o quarteto e foi substituído por Dalmo Medeiros, que também integrava o grupo Céu da Boca. Ruy morreu em 2018, aos 80 anos.

 

Roda Viva, de Chico Buarque, acompanhado pelo MPB4 no Festival da Record em 1967

O grupo firmou uma história singular na MPB, fixando-se entre as mais importantes vozes em defesa da cultura popular ao iniciar a carreira, ainda como trio no Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes, o CPC da UNE, antes de a ditadura, implantada em 1964, fechar a UNE e cercear todas as manifestações culturais populares e censurar tudo que tivesse conteúdo.

Para quem não sabe, o CPC da UNE tinha a intenção de levar arte e cultura a todos os rincões do país, discutindo a situação de subdesenvolvimento dependente do Brasil e a penúria em que vivia grande parte da população brasileira. Muitos artistas e intelectuais se aproximaram dos estudantes para combater a desinformação e a falta de conhecimento de parcela significativa da sociedade.

 

Três Apitos (1933) e Pra que Mentir (1934), ambas de Noel Rosa

Com a implantação da ditadura, muitos artistas se puseram na resistência e o MPB4 fez parte desse time. O grupo gravou músicas de Chico Buarque, Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Milton Nascimento, João Bosco, Paulinho da Viola, Gonzaguinha, entre muitos outros com enorme sucesso. Tanto que lançará um álbum comemorativo com a presença de Chico, Milton, Edu Lobo, Francis Hime, Bosco, Paulinho e muitos outros.

Também está em fase de produção um documentário, ainda sem título, sobre a trajetória do grupo, com direção de Paulo Thiago. Afinal, não é sempre que um grupo musical, ainda mais vocal, chega aos 60 anos em plena forma.

 

Amigo É Pra Essas Coisas (1970), de Aldir Blanc e Silvio Silva Jr.

Despontou para o grande público no antológico Festival da Record de 1967 ao acompanhar Chico Buarque na interpretação de Roda Viva, de sua autoria, terceira colocada no festival e um marco na carreira do compositor, que neste ano completa 80 anos de idade e também 60 anos de carreira profissional.

Outro clássico na interpretação ímpar do quarteto é a canção Amigo É Pra Essas Coisas, de Aldir Blanc (1946-2020) e Silvio da Silva Jr. A versatilidade do grupo pode ser conferida em O Pato, de Vinicius de Moraes e Toquinho. E em outras diversas canções marcantes da MPB de diversos autores, tão diferentes entre si que se encontram no consenso da voz do MPB4.

 

Assim Seja, Amém (1975), de Gonzaguinha

Por tudo o que esse grupo já fez pela música popular brasileira,  com seu estilo inconfundível, merece muitas comemorações pelos 60 anos de carreira. E que venham muitos mais ainda pela frente.

Porque como cantou outro ícone dos vocais brasileiros, o Quarteto Em Cy, que também completaria  60 anos se estivesse em atividade, a música de Carlo Lyra (1933-2023) e Vinicius de Moraes (19013-1980), Marcha de Quarta-Feira de Cinzas, onde dizem que “é preciso cantar, mais que nunca é preciso cantar, é preciso cantar e alegrar a cidade”, na canção Marcha de Quarta-Feira de Cinzas, e superar todo o ódio implantado.

 

O Pato (1980), de Vinicius de Moraes e Toquinho

Comemorar os 60 anos do MPB4 significa comemorar parte importante da história da música popular brasileira e da trajetória de todos os artistas que escolheram resistir a toda a forma de opressão e, através da arte, denunciaram as atrocidades do fascismo. Sempre bom relembrar para as novas gerações entenderem a luta por liberdade e direitos humanos.


Texto em português do Brasil

Perda de poder de compra das polícias

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A perda de poder de compra dos membros das Forças Armadas, da PSP, da GNR, da PJ, dos Guardas Prisionais e dos do SEF no período de 2011 a 2023 que se mantém em 2024

Neste estudo, utilizando os últimos dados oficiais divulgados em 2023 pela Direção Geral da Administração e Emprego Público (DGAEP), referentes às remunerações base médias mensais ilíquidas e ganhos médios mensais ilíquidos dos trabalhadores das Administrações Públicas, analiso a perda de poder de compra das remunerações médias liquidas e dos ganhos médios líquidos dos membros das Forças Armadas e das Forças de Segurança Pública (PSP, GNR, PJ, SEF, Guardas profissionais, etc.) por categorias concluindo que se verificou, entre 2011 e 2013, uma perda importante de poder de compra em todas as categorias. E após os aumentos para 2024 previstos no Decreto-Lei 108/2023, essa perda de poder de compra mantém-se exceto para a categoria de praças das Forças Armadas.

 

Estudo

A perda de poder de compra dos membros das Forças Armadas, da PSP, da GNR, da PJ, dos Guardas Prisionais e dos do SEF no período de 2011 a 2023 que se mantém em 2024

Numa altura em que a PSP, a GNR e os Guardas Profissionais lutam, de uma forma mais visível, por remunerações mais dignas e contra a desigualdade de tratamento, é importante que os portugueses conheçam de uma forma objetiva, traduzida na linguagem fria dos dados oficiais, qual foi a perda de poder de compra que sofreram os membros das Forças Armadas, da PSP, da GNR, da PJ, da Guarda Prisional e do ex-SEF, agora com outra designação, entre 2011 e 2023. Para isso vamos utilizar os dados de remunerações da Administração Pública divulgados no 3º Trimestre de 2023 pela Direção Geral da Administração e Emprego Público, ou seja, do governo. Foi esmagando também as remunerações, reduzindo o seu poder de compra, destes profissionais que Passos Coelho/Paulo Portas/Vítor Gaspar e Costa/Medina conseguiram reduzir o défice e a divida da forma rápida de que se gabam.

 

A PERDA DE PODER DE COMPRA DAS REMUNERAÇÕES BASE DAS FORÇAS ARMADAS E FORÇAS SEGURANÇA ENTRE 2011/2023

O quadro 1, construído com base nos dados divulgados do governo (DGAEP), mostra a perda de poder de compra que sofreram, entre 2011 e 2023, os membros das Forças Armadas e das Forças de Segurança Pública, que é idêntica a que sofreram todos os trabalhadores das Administrações Públicas, em nome do novo “Deus de contas certas”.

Quadro 1 – Evolução do poder de compra das remunerações base médias mensais líquidas dos membros das Forças Armadas e das Forças de Segurança Pública entre 2011 e 2023

Os dados que estão nas colunas de 2011 e 2023 com a designação “Remuneração base ilíquida” (mensal) são dados divulgados pela Direção Geral da Administração e Emprego Público (DGAEP) portanto são dados oficiais do governo.

Foi com base neles, e utilizando as tabelas de descontos da CGA, da ADSE/ADM/SAD-PSD/SAD-GNR, IRS, e o aumento de preços (inflação) do INE entre o inicio de 2011 e jul.2023, que se calculou a perda de poder de compra da remuneração base média mensal liquida (após a dedução de todos os descontos que é aquela que se “leva para casa” para viver) dos membros das Forças Armadas e das Forças de Segurança Pública que constam da ultima coluna á direita do quadro colorido a laranja e a verde claro. E as conclusões importante que se tiram são as seguintes.

Entre jan.2011 e jul.2023, o poder de compra da remuneração base média mensal líquida (após todos os descontos) dos membros das Forças Armadas diminuiu em -8,5%, mas ela foi bastante desigual por categorias: a nível de oficiais a perda de poder de compra atingiu -20,5%; a nível de sargentos -16,9% e a nível de praças -0,6% mas o valor é muito baixo (600€ a preços de 2011, o que explica a falta de atratividade e a crise no recrutamento). A redução do poder de compra da remuneração base mensal líquida dos profissionais da Polícia Judiciária, foi de -8,8%. Na Polícia de Segurança Pública a perda de poder de compra da remuneração base líquida, entre 2011 e 2023, foi de -12,1%, mas distribui-se de uma forma desigual: oficiais: -15,7%; chefes: -16%; agentes: – 11,4%. Na Guarda Nacional Republicana a perda de poder de compra da remuneração base média mensal líquida, entre 2011 e 2023, foi de -10,9%, mas distribuição foi desigual: oficiais: -14,6%; sargentos: -16,1%; guardas: -9,6%. No ex-Serviços Estrangeiros Fronteira a perda de poder de compra da remuneração base média mensal líquida, entre 2011 e 2023, foi -21,2%; na Guarda prisional a perda de poder de compra da remuneração base mensal média líquida foi de -14,5%, e na Polícia Municipal a perda de poder de compra da remuneração base líquida, entre 2011 e 2023, foi de -12,9% . Fica assim claro, utilizando a linguagem fria e objetiva dos números oficiais que a perda de poder de compra da remuneração base líquida, entre 2011 e 2023, quer nas Forças Armadas quer nas Forças de Segurança foram muito elevadas e não foram revertidas.

 

A PERDA DO PODER DE COMPRA DO GANHO MEDIO MENSAL LÍQUIDO DOS MEMBROS DAS FORÇAS ARMADAS E DAS FORÇAS DE SEGURANÇA EM PORTUGAL ENTRE 2011 E 2023

Para além da remuneração base os membros das Forças Armadas e das Forças de Segurança Pública recebem subsídios e complementos (de risco, condição de militar, subsídio de refeição, etc.) que estão incluídos mais a remuneração base média mensal no Ganho médio mensal. Por isso, interessa também calcular a perda de poder de compra do Ganho médio mensal líquido. É isso que consta do quadro 2.

Quadro 2 – Evolução do poder de compra do Ganho médio mensal líquido dos membros das Forças Armadas e das Forças de Segurança Pública entre 2011 e 2023


Tal como se verificou em relação à remuneração base média mensal líquida, também em relação ao Ganho médio mensal líquido, que inclui tudo aquilo que os profissionais “levam para casa” após deduzir todos os descontos (CGA/SS; ADSE/SAD-PSP e GNR, IRS), também se registou uma perda de poder de compra importante e generalizada como revelam os dados da última coluna à direita do quadro 2 colorida a laranja com algumas linhas a verde-claro.

Entre jan.2011 e jul.2023, o poder de compra do ganho médio mensal líquido (após todos os descontos) dos membros das Forças Armadas diminuiu em -0,7%, mas, por categorias, foi bastante desigual: a nível de oficiais a perda de poder de compra atingiu -12,4%; a nível de sargentos -12,2% e a nível de praças tiverem um aumento de poder de compra de +3,7%, mas o valor real é muito baixo (866€). A redução do poder de compra do ganho médio mensal líquido dos profissionais da Polícia Judiciária, no mesmo período, foi de -16,6%. Na Polícia de Segurança Pública a perda de poder de compra do ganho medio mensal líquido, entre 2011 e 2023, foi de -9,4%, mas distribui-se de uma forma desigual: oficiais: -22,8%; chefes: -11,9%; agentes: -8,9%. Na Guarda Nacional Republicana a perda de poder de compra do ganho médio mensal líquido, entre 2011 e 2023, foi de -9,9%, mas também se distribuiu de uma forma desigual: oficiais: -12,7%; sargentos: -13,5%; guardas: -9,6%. No ex-Serviços Estrangeiros Fronteira a perda de poder de compra do ganho médio mensal líquido, entre 2011 e 2023, foi -21,8%; na Guarda prisional a perda de poder de compra do ganho médio mensal líquido foi de -11,7%, e, finalmente, na Polícia Municipal a perda de poder de compra do ganho médio mensal líquido, entre 2011 e 2023, foi de –5,7%%. Fica claro, utilizando a linguagem fria e objetiva dos números oficiais, que se verificou a nível do ganho médio mensal líquido (após todos os descontos) uma perda de poder de compra geral com exceção apenas da categoria de praças das Forças Armadas, mas o valor é irrisório (866€)

 

COM OS AUMENTOS IRRISÓRIOS APROVADOS PARA 2024, A PERDA DE PODER COMPRA NÃO É REVERTIDA

Segundo o art.º 4º, nº 2 e 3 do Decreto-Lei n.º 108/2023, “A remuneração base mensal dos trabalhadores que auferem uma remuneração entre 769,20€ e 1754,49€ é atualizada em 52,63€. E a remuneração base mensal dos trabalhadores que auferem uma remuneração igual ou superior a 1754,50€, é atualizada em 3 %”. Aplicando estes aumentos às remunerações base medias ilíquidas de 2023 obtêm-se os valores que estão na coluna do quadro 3 com a designação “REMUNERAÇÃO BASE ILIQUIDA”(a vermelho) de 2024.

Quadro 3 – Evolução do poder de compra da remuneração base média mensal líquida dos membros das Forças Armadas e das Forças de Segurança Pública entre 2011 e 2024

Como revelam os valores da última coluna à direita do quadro, a cor de laranja e algumas linhas a verde-claro, excetuando a categoria de “praças” das Forças Armadas, em que se verifica um aumento do poder de compra de +5,2% entre 2011 e 2024, mas o valor real é muito baixo (635€ a preços de 2011), em relação às outras categorias continua-se a verificar-se uma perda do poder da remuneração base líquida sendo no caso dos oficiais e sargentos das Forças Armadas, respetivamente, de -16,7% e -13%, no caso da PSP a diminuição do poder de compra varia entre -7,3% (agentes) e -12% (oficiais), na GNR entre -5,4% (guardas) e -12,1% (sargentos): ex-SEF: -17,7%; Guarda Prisional: -9,8%; Polícia municipal :-7,8%.


O lugar de Samuel

Não estando em Brasília, não poderei me despedir do amigo Samuel, nem abraçar sua querida companheira, minha amiga Maria Maia. Mas posso e devo escrever algumas linhas mal traçadas sobre Samuel Pinheiro Guimarães, que outros louvarão com maior densidade intelectual. Na hora de sua passagem, o que desejo é que ele ainda seja plenamente reconhecido como um dos maiores diplomatas de seu tempo, como um intelectual público de primeira grandeza e como um mestre para gerações de jovens diplomatas.

Para sua legião de amigos, fica a lembrança do homem que tão bem combinava doçura e energia, sempre atento às circunstâncias que cada um vivia, que tinha sempre uma palavra, um conselho, uma luz a oferecer. Quando queria nos recomendar um caminho, ele baixava a voz e, quase sussurrando, dizia: “Acho que você devia…..”

Samuel não colecionou passagens por postos diplomáticos importantes, e isso é o de menos em sua trajetória. Os punhos de renda nunca o seduziram.  O que lhe importava, na diplomacia, era a eficácia da ação no plano internacional, de modo a garantir a prevalência do interesse e da soberania nacionais, com vistas ao bem estar de nosso povo.

Foi como secretário-geral do Ministério das Relações Exteriores (2003-2009), nos dois primeiros governos Lula, que ele alcançou o ponto alto de diplomacia da ação,  formando dupla com o chanceler Celso Amorim. A política externa altiva e ativa deste período tem muito de Lula, de Celso e também de Samuel. Logo no começo deste período a Alca (Aliança de Livre Comércio das Américas) foi removida das relações bilaterais com os Estados Unidos como proposta nefasta aos interesses do Brasil e do subcontinente Sul. Samuel a combatia desde o governo FHC, o que lhe valeu perseguição e ostracismo, até que veio o governo Lula.

A outras frentes multilaterais ele imprimiu sua marca e deu contribuição, tais como o fortalecimento do Mercosul, a criação da Unasul e outras ações a favor da integração latino-americana, que lhe era tão cara.

Como intelectual, Samuel teve uma intensa produção de textos, livros e conferências, em que se destaca o livro “500 anos de periferia”, obra fundamental para a compreensão de conceitos binários como Colônia e Metrópole, Terceiro Mundo e Primeiro Mundo, Desenvolvimento e Subdesenvolvimento, relações Norte e Sul. Algumas destas expressões já perderam a força mas continuam representando basicamente a mesma coisa: como é que os países ricos condicionam a vida dos países mais pobres,  impondo dependências, obediências e expolições.

Outra obra importante foi “Desafios Brasileiros na Era dos Gigantes”, que lhe valeu o Troféu Juca Pato de Intelectual do ano em 2006. Nela tratava de soberania e integração, mas também de temas ainda não tão candentes, como Amazônia e Meio Ambiente, Direitos Humanos e inclusão.

Na Secretaria de Assuntos Estratégicos, que ele ocupou em 2011, não conseguiu levar adiante suas principais propostas. E da mesma forma, renunciou ao cargo de Alto Representante para o Mercosul: a pressa que ele tinha em avançar com a integração não encontrou correspondência nos governos dos quatro países do bloco.

Uma terceira dimensão de Samuel é a de mestre. Como professor do Instituto Rio Branco, ajudou a formar gerações de jovens diplomatas, inspirando-lhes o sentido republicano da profissão, ajudando-os a compreender a complexidade do mundo em que iriam atuar. Mesmo fora do instituto, como Secretário-Geral estava sempre empenhado em promover seminários e debates para os quadros da casa, tratando de fazer circular no Itamaraty o hábito de pensar, discutir e questionar.

Em 2017, quando da formatura da turma Berta Lutz do Rio Branco, da qual fez parte meu filho Rodrigo, os alunos criaram uma figura nova no ritual, a de professor homenageado, com a qual distinguiram Samuel, o que lhe deu grande alegria.

Tendo sido tudo isso, ele era afável e desprovido de arrogâncias. Nos últimos tempos, já com a saúde debilitada, estava sempre com Maria (que é cineasta, poeta e escritora) nos círculos culturais de Brasília. A arte e a cultura lhe interessavam tanto quanto a política e a diplomacia mas evitava pontificar, só falando quando era chamado.

Nestes saraus e encontros de Brasília estará sempre faltando ele. Mas fica um legado imenso, que ainda será melhor valorizado e conhecido. Será criado agora o Instituto Samuel Pinheiro Guimarães, proposta que seus muitos amigos lhe apresentaram em vida e ele aprovou.


Texto original em português do Brasil

Bilionários são notícias velhas; o mundo logo vai ter seu primeiro trilionário

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Se você está pensando em termos de “a classe bilionária versus o resto de nós”, é hora de atualizar sua terminologia.

O mundo pode ter seu primeiro trilionário dentro de uma década, enquanto o espaço entre os ricos e pobres se tornou “sobrecarregado”, a organização contra a pobreza Oxfam International disse no início de janeiro, em sua avaliação anual de desigualdades globais, chamada Inequality Inc.

 

Espaço entre ricos e pobres se tornou “sobrecarregado”

No relatório, cronometrado para coincidir com as elites políticas e de negócios do mundo se reunindo no resort de esqui suíço de Davos para o encontro anual do Fórum Econômico Mundial, a Oxfam disse que o espaço entre ricos e pobres se tornou “sobrecarregado” desde a pandemia de COVID-19.

As fortunas dos cinco homens mais ricos – o chefe executivo da Tesla, Elon Musk, Bernard Arnault e sua família de empresa de bens de luxo LVMH, o fundador da Amazon, Jeff Bezos, o fundador da Oracle, Larry Ellison, e o guru de investimentos Warren Buffett – aumentaram em 114% em termos reais desde 2020, quando o mundo estava cambaleando da crise do coronavírus.

Mas, mesmo quando a pandemia recuou, o ritmo em que os mais ricos entre nós têm acumulado acelerou ainda mais. As fortunas dos bilionários estão aumentando, mesmo quando pelo menos 1,7 bilhões de trabalhadores vivem em países em que a inflação está ultrapassando o crescimento dos salários.

 

O mundo está entrando em uma “década de divisão”

O diretor executivo interino da Oxfam no Reino Unido, Amitabh Behar, disse que o relatório mostrou que o mundo está entrando em uma “década de divisão”.

Ele disse: “Nós temos os cinco principais bilionários. Eles dobraram sua riqueza. Do outro lado, quase cinco bilhões de pessoas se tornaram mais pobres.

“Muito cedo, a Oxfam prevê que nós vamos ter um trilionário dentro de uma década, enquanto para lutar contra a pobreza, nós precisamos de mais de duzentos anos”, ele adicionou. O termo trilionário, para aqueles fazendo as contas, se referiria a uma pessoa cuja riqueza some a mil bilhões de dólares – são doze zeros.

Elon Musk, um dos homens mais ricos do planeta, tem uma fortuna pessoal apenas sob $ 250 bilhões, de acordo com a Oxfam, que usou números da Forbes.

Por contraste, quase 5 bilhões de pessoas se tornaram mais pobres desde a pandemia, com muitas das nações em desenvolvimento do mundo incapazes de dar apoio financeiro durante os lockdowns, que as nações mais ricas podiam dar.

“O acentuado aumento da riqueza bilionária e crescimento do poder corporativo e de monopólio”, o relatório declarou, “estão profundamente conectados”. Sua análise mostra que os lucros das megacorporações são usados para beneficiar acionistas às custas dos trabalhadores e da gente comum.

 

Desigualdades de gênero, raça e econômica

O artigo gasta significativa atenção examinando o quanto o poder corporativo e de monopólio explorou a desigualdade – e o como o poder corporativo explora e amplia as desigualdades de gênero e raça, assim como a desigualdade econômica.

Oxfam diz que o mundo está em “uma nova era de monopólio”, na qual as corporações controlam os mercados, definem os termos das trocas e “lucram sem medo de perder negócios”.

Se houver alguma esperança para o mundo, a Oxfam diz que uma agenda de “combate à desigualdade” deve ser perseguida, o que inclui a permanente taxação dos mais ricos em cada país, taxação mais efetiva das grandes corporações e esforços renovados para acabar com a evasão fiscal.

A organização disse que os governos devem considerar estabelecer seus próprios “monopólios públicos” ou “opções públicas”: em setores que são propensos a serem capturados pelo poder corporativo, incluindo energia, transporte e finanças.

Ela também apontou para esforços antitruste contra corporações como a Amazon e a Apple nos EUA como exemplos do que deve ser copiado. “Aumentos radicais nos impostos” nas corporações e indivíduos super ricos também estão na lista do que fazer.


Texto em português do Brasil, com tradução de Luciana Cristina Ruy

Fonte: Peoples World

Exclusivo Editorial Rádio Peão Brasil / Tornado

Universidade de Díli planeia doutoramento em enfermagem com Coimbra

A Universidade de Díli celebrou um protocolo de cooperação com a Escola Superior de Enfermagem de Coimbra com o objectivo fundamental de estabelecer uma cooperação académica, científica e cultural entre as duas instituições.

A Faculdade de Ciências da Saúde (FCS) da Universidade de Díli (UNDIL), sob coordenação do Chefe de Departamento de Enfermagem Geral, Francisco Salgueiro, esteve reunida, em 01 de Fevereiro de 2024, com o Pró-Reitor da Área de Investigação, Pós-Graduação e Cooperação com a CPLP, M. Azancot de Menezes.

A principal finalidade do encontro foi discutir o plano de reformulação curricular dos cursos de graduação, com o objectivo de serem ministrados a curto e médio prazo programas de mestrado e de doutoramento com a cooperação da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra.

Nos termos do Protocolo de Cooperação Internacional, a Escola Superior de Enfermagem de Coimbra (ESEnfC) e a Universidade de Díli (UNDIL),

são estabelecimentos de ensino superior vocacionados para o ensino, a investigação e a prestação de serviços à comunidade e, ainda, para a cooperação com entidades nacionais e internacionais, em atividades de interesse comum, particularmente no âmbito da educação, investigação, inovação e desenvolvimento no domínio da Enfermagem e da Saúde, portanto, a cooperação entre a ESEnfC e a UNDIL resultará em vantagens para as duas instituições, assim como para um desempenho enriquecido da sua missão social”.

A Escola Superior de Enfermagem de Coimbra é uma Escola de Ensino Superior Politécnico, não integrada, de elevado nível e de referência internacional.

Conforme explicou o Pró-Reitor da UNDIL:

A ESEnfC tem uma Unidade de Investigação em Ciências da Saúde, avaliada e acreditada pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, tendo como missão a investigação, a inovação e a formação em investigação/training, desde a iniciação e integração à investigação até à investigação avançada (iniciação à Investigação-II/Investigação Científica-IC/Doutoramento-PhD/Pós-Doutoramento-Pós-Doc).

Académicos de ciências da saúde da UNDIL em reunião com o Pró-Reitor

A Faculdade de Ciências da Saúde da UNDIL tem três departamentos: Departamento de Saúde Pública, Enfermagem Geral e Enfermagem Dentária. O Curso de Enfermagem Geral é o mais procurado pelos estudantes, tendo presentemente quase 1500 alunos.

 

Formas de cooperação entre a ESEnfC e a UNDIL

O protocolo de cooperação internacional, assinado por José Agostinho da Costa Belo Pereira (Reitor da UNDIL) e António Fernando Salgueiro Amaral (Presidente da ESEnfC), incluirá, entre outras, as seguintes acções e actividades:

  • Intercâmbio de estudantes no âmbito dos cursos de licenciatura, mestrado e formação avançada de investigação (Doutoramento sanduíche e Pós-doutoramento);
  • Participação conjunta em cursos internacionais;
  • Colaboração de docentes de ambas as instituições na leccionação de disciplinas ou módulos de cursos de graduação ou de pós-graduação, bem como na orientação de dissertações de mestrado e teses de doutoramento, da outra parte, mediante aprovação prévia pelos respetivos Conselhos Científicos e de acordo com a regulamentação interna em vigor nas entidades outorgantes;
  • Colaboração de docentes de ambas as instituições em projetos conjuntos de investigação ou noutras ações de caráter científico ou pedagógico;
  • Mobilidade interinstitucional para a realização de estágios científicos e técnicos, de docentes e/ou discentes da formação graduada e/ou pós-graduada.

A Universidade de Díli e a Escola Superior de Enfermagem de Coimbra são duas Instituições de Ensino Superior membros da prestigiada Rede Académica de Ciências da Saúde da Lusofonia (RACS).

O lado obscuro dos políticos

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A política é uma atividade humana que envolve a tomada de decisões coletivas para o bem comum. No entanto, muitas vezes observamos que os políticos agem de forma contrária aos interesses e valores da sociedade, favorecendo os seus próprios interesses ou os de grupos poderosos. Como explicar esse comportamento aparentemente irracional e imoral dos políticos? Será que eles são simplesmente maus, ou há algo mais por trás disso?

Neste artigo, propomos uma hipótese ousada e controversa: os políticos são influenciados por uma força oculta que os torna corruptos, egoístas e manipuladores. Essa força oculta é chamada de “O Lado Obscuro”, e é uma entidade misteriosa que se alimenta da ambição, do medo e do ódio dos políticos. “O Lado Obscuro” é capaz de controlar a mente, o corpo e a alma dos políticos, fazendo-os agir de acordo com a sua vontade. “O Lado Obscuro” é o verdadeiro poder por trás da política, e tem um plano sinistro para dominar o mundo.

 

Desenvolvimento

Para sustentar a nossa hipótese, apresentamos evidências de que “O Lado Obscuro” existe e atua na política. Essas evidências são de diferentes tipos e fontes, como:

  • Fenómenos paranormais: Há relatos de que os políticos experimentam fenómenos estranhos e inexplicáveis, como vozes, visões, sonhos, alucinações, possessões, telepatia, telecinesia, etc. Esses fenómenos são atribuídos à influência de “O Lado Obscuro”, que usa esses meios para comunicar-se, seduzir, ameaçar ou castigar os políticos. Por exemplo, alguns políticos afirmam ter recebido mensagens ou ordens de “O Lado Obscuro”, enquanto outros relatam ter sido atacados ou torturados por ele.
  • Conspirações: Há indícios de que os políticos estão envolvidos em conspirações secretas, que visam ocultar ou promover os interesses de “O Lado Obscuro”. Essas conspirações incluem a formação de sociedades secretas, a manipulação de informações, a realização de rituais, a criação de armas, a instigação de guerras, a promoção de ideologias, etc. Essas conspirações são orquestradas por “O Lado Obscuro”, que usa os políticos como seus agentes ou peões.
  • Assassinatos: Há evidências de que os políticos são alvos de assassinatos, que têm como objetivo eliminar ou silenciar aqueles que se opõem ou resistem a “O Lado Obscuro”. Esses assassinatos são executados por “O Lado Obscuro”, que usa seus servos ou aliados para realizar os crimes. Esses servos ou aliados podem ser outros políticos, militares, espiões, mercenários, assassinos, etc.
  • Escândalos: Há evidências de que os políticos são expostos a escândalos, que têm como objetivo desacreditar ou desestabilizar aqueles que são influenciados ou controlados por “O Lado Obscuro”. Esses escândalos são provocados por “O Lado Obscuro”, que usa seus inimigos ou rivais para revelar os segredos ou falhas dos políticos. Esses inimigos ou rivais podem ser jornalistas, ativistas, juízes, opositores, etc.

Após apresentar as evidências, discutimos as possíveis origens, motivações e objetivos de “O Lado Obscuro”. Há várias teorias sobre a natureza e a história de “O Lado Obscuro”, como:

  • “O Lado Obscuro” é uma entidade extraterrestre, que veio de outro planeta ou dimensão, e que quer conquistar ou destruir a Terra.
  • “O Lado Obscuro” é uma entidade sobrenatural, que foi criada por uma divindade ou uma força cósmica, e que quer testar ou punir a humanidade.
  • “O Lado Obscuro” é uma entidade artificial, que foi criada por uma civilização antiga ou futura, e que quer evoluir ou sobreviver.
  • “O Lado Obscuro” é uma entidade psíquica, que foi gerada pelo inconsciente coletivo ou individual, e que quer expressar ou satisfazer seus desejos.

Independentemente de sua origem, “O Lado Obscuro” tem como motivação principal o poder, e como objetivo final o domínio. “O Lado Obscuro” quer controlar todos os aspectos da vida humana, desde o pensamento até a ação, desde o indivíduo até a sociedade, desde o presente até o futuro. “O Lado Obscuro” quer criar um mundo à sua imagem e semelhança, um mundo de trevas, caos e sofrimento.

 

Conclusão

Neste artigo, exploramos a hipótese de que os políticos são influenciados por uma força oculta que os torna corruptos, egoístas e manipuladores. Essa força oculta é chamada de “O Lado Obscuro”, e é uma entidade misteriosa que se alimenta da ambição, do medo e do ódio dos políticos. Apresentamos evidências de que “O Lado Obscuro” existe e atua na política, e discutimos as suas possíveis origens, motivações e objetivos. Concluímos que “O Lado Obscuro” é uma ameaça real e iminente para a humanidade, e que deve ser combatido.

Para combater “O Lado Obscuro”, é preciso primeiro reconhecê-lo e denunciá-lo. É preciso também resistir à sua influência e tentação, e cultivar valores opostos aos seus, como a ética, a solidariedade e o amor. É preciso ainda buscar formas de neutralizar ou destruir “O Lado Obscuro”, seja por meios científicos, religiosos ou artísticos. É preciso, enfim, ter esperança e fé na capacidade humana de superar as adversidades e de construir um mundo melhor.

 

Citações:

  • “O Lado Obscuro”” é o maior inimigo da humanidade, e o maior desafio da política.” (Albert Einstein, físico)
  • “O Lado Obscuro” é uma força poderosa e sedutora, que pode corromper até os mais nobres e virtuosos.” (Mahatma Gandhi, líder pacifista)
  • “O Lado Obscuro” é uma realidade oculta e assustadora, que revela os segredos e mistérios da política.” (Dan Brown, escritor)
  • “O Lado Obscuro” é uma ilusão e uma mentira, que tenta enganar e manipular a humanidade.” (Dalai Lama, líder espiritual)
  • “O Lado Obscuro” é uma oportunidade e uma inspiração, que estimula a criatividade e a inovação da humanidade.” (Steve Jobs, empresário)

 

Bibliografia:

  • Asimov, I. (1951). Foundation. New York: Gnome Press.
  • Lucas, G. (1977). Star Wars. Los Angeles: 20th Century Fox.
  • Orwell, G. (1949). Nineteen Eighty-Four. London: Secker & Warburg.
  • Rowling, J. K. (1997). Harry Potter and the Philosopher
  • Stone. London: Bloomsbury.
  • Sagan, C. (1985). Contact. New York: Simon & Schuster.
  • Wells, H. G. (1898). The War of the Worlds. London: William Heinemann.

O que as Bibliotecas dizem sobre os seus donos

Este artigo, previno, é um tanto invulgar no seu assunto e na sua forma…

 

Biblioteca de Estaline

A Biblioteca de Estaline: Um ditador e os seus livros, do irlandês Geoffrey Roberts, foi publicado em Portugal no princípio de 2023, com edição Zigurate e tradução de Frederico Pereira, tendo o original Stalin’s Library: A Dictator and His Books sido publicado apenas no ano anterior na Yale University Press. Um bom sentido de iniciativa.

Sabendo embora que depois da conquista do poder pelos bolcheviques se tinha assistido a um grande apoio à edição de obras de autores estrangeiros, não tinha ideia de que tinham nacionalizado as grandes bibliotecas privadas e criado uma grande rede de bibliotecas públicas, nem que os novos dirigentes haviam construído bibliotecas pessoais com expressão significativa. Dzhugashvili, filho de um operário sapateiro que chegara a ter uma oficina com aprendizes mas viria a “cair no proletariado”, tivera oportunidade de estudar para padre num seminário ortodoxo mas não concluiu os estudos, apesar de ter tido um aproveitamento positivo. O promissor estudante começou a arranjar problemas por adquirir livros numa denominada “livraria barata” que entretanto abrira na cidade. Envolver-se-ia mais tarde na política, inicialmente com o pseudónimo de Koba, mais tarde com o de Estaline.

Terá sido Estaline a estabelecer – em 1925 – o sistema de classificação de livros da biblioteca, para os quais foi criado aliás um selo ex-libris. Geoffrey Roberts calcula que esta terá contido cerca de 25 000 volumes, que terão sido dispersos, uma vez que a liderança soviética decidiu após 1956 não avançar com a criação de um Museu Estaline. O principal núcleo estaria numa dacha perto de Moscovo conhecida por Blizhnyaya, que dispunha de um anexo, mas depois da sua morte alguns títulos terão sido recuperados do seu apartamento do Kremlin e de uma antiga dacha em Zubalovo. A filha Svetlana não conseguiu que lhe deixassem herdar a biblioteca do pai, nem sequer umas centenas de obras sobre história e sobre arte que afirmou terem sido adquiridos pela mãe. Aliás tendo Estaline o hábito de requisitar livros a outras bibliotecas – por exemplo à Biblioteca Lenine, descrita como “depósito central”, e a bibliotecas departamentais – e não os devolver(i) não é certo mesmo depois de, em anos recentes, terem sido localizados as “sobras” da sua biblioteca pessoal, quais os livros efectivamente lidos. As pometki – anotações – nos livros podem permitir tirar conclusões, mas Roberts alerta para que alguns livros, por exemplo sobre estratégia militar, já vinham anotados anteriormente, e que algumas anotações eram de autoria de Svetlana ou foram erradamente atribuídas a Estaline.

Por Desconhecido – Molotov, Staline et Vorochilov sur l’aéroport central Frounze à Moscou le 25 Juin 1937, lors d’une réunion des membres de l’expédition vers le pôle Nord. Image scannée d’après le livre : Staline. Son soixantième anniversaire. Moscou, Pravda, 1940., Domínio público, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=20072676

Conhecem-se de modo geral as preferências de leitura de Estaline, quer no domínio da não-ficção, quer no domínio da ficção, inclusive estrangeira, mas conhecendo apenas o georgiano e o russo, este leitor ávido de história, estratégia, política, teve de se contentar com obras traduzidas, muito embora tenham existido também na sua biblioteca edições estrangeiras. Que era um intelectual e gostava de livros, parece estar adquirido.

Modernamente registam-se algumas tendências para reabilitar o personagem. Em tempos que já lá vão, um colega que, tendo sido simpatizante comunista durante muito tempo, se decidira a filiar-se, disse-me que Estaline nunca tinha feito mal ao povo. Respondi-lhe imediatamente que a prisão e execução de Tukhachevski e dos seus colegas do Alto Comando Soviético em 1937 tinham sido responsáveis pela debilidade mostrada quatro anos depois quando da invasão da URSS pelo exército alemão e que causou milhões de mortos entre o povo. Desconhecia na altura, mas a obra de Roberts quantifica-o, que até final de 1938 “entre os militares executados contavam-se três marechais, 16 generais, 15 almirantes, 264 coronéis, 107 majores e 71 tenentes” tendo na totalidade sido dispensados do serviço militar 34 mil oficiais. Outro episódio também referido por Roberts tem a ver com a denúncia feita por Kruschev ao XX Congresso, realizado em 1956, de que Estaline tinha desdenhado avisos bastante precisos recebidos dos agentes dos serviços soviéticos colocados em outros países(ii) e entrado em pânico com a invasão, só tendo começado a reagir quando recebeu a visita de alguns membros do Bureau Político. Julgo que há actualmente alguma literatura reabilitadora, mas o autor atribui a inação de Estaline ao receio de dar pretextos a Hitler para a invasão, à convicção (sem fundamento) de que as defesas aguentariam, afirma que a agenda no Kremlin se manteve e que o secretário-geral teve de se refugiar algum tempo na dacha para ler um livro recentemente recebido – Polkovodets Kutozov de Mikhail Bragin – mas “voltou a aparecer para proferir um magistral discurso transmitido pela rádio”. Explicação singular…

 

Biblioteca de Salazar

A biblioteca de António de Oliveira Salazar – outro antigo seminarista – é objecto de análise num estudo também recentemente publicado “O ‘encanto’ multifacetado do Estado Novo: Doadores de livros estrangeiros na biblioteca de Salazar”, assinado por Duncan Simpson e Rita Almeida Carvalho e inserido na colectânea coordenada por António Costa Pinto O Estado Novo de Salazar: uma terceira via autoritária na era do fascismo, Edições 70, 2022 sendo já “Edições 70” uma chancela de Edições Almedina, SA, Coimbra.

Dizem os autores que a maior parte da biblioteca se manteve em Coimbra até 1935 e que os livros foram sendo transferidos “para Lisboa, onde passou a viver”, e para Santa Comba Dão “a aldeia onde se situava a casa de família”(iii), tendo Salazar supervisionado tanto a mudança dos livros, como, em Lisboa, a organização da biblioteca, cujo sistema de classificação foi discutido por ele com o arquitecto Raul Lino. Completadas em 1938 as obras na residência oficial os livros ficaram divididos entre o escritório de Salazar no rés-do-chão e a biblioteca no primeiro andar. Com base nos catálogos disponíveis no Arquivo Nacional da Torre do Tombo e nos diários pessoais de Salazar, os autores estimam que em 1944 a biblioteca tivesse aproximadamente 12 000 volumes, sendo que quantificam em 1731 livros as obras de autores estrangeiros, dos quais 419 oferecidos pelos próprios autores.

Simpson e Carvalho dividem estes doadores em cinco grupos distintos: eugenistas, católicos, tanto “figuras eclesiásticas” como “militantes leigos”, corporativistas, proponentes de alianças transnacionais e mulheres escritoras, deixando para um próximo estudo “várias outras categorias importantes – embora quantitativamente menos relevantes” como os “fascistas” e ocultistas. Trata-se em larga medida de uma “classificação chinesa” embora os autores estejam bem documentados sobre os curricula de muitos dos doadores que interagiram efectivamente com Salazar ou que de qualquer modo tivessem formado uma determinada ideia do pensamento e da acção de Salazar e que tenham tentado exprimir-lhe o seu apreço / atrair a sua atenção oferecendo-lhe uma sua obra.

Permito-me apenas formular observações a dois dos casos tratados por Simpson e Carvalho:

O do “famoso estatístico fascista” Gini, que esteve em Portugal em 1940 aquando da comemoração dos centenários, e foi recebido por Salazar, mas que nunca tentou oferecer-lhe obras sobre eugenia sendo que, embora lhe tenha enviado muitos dos seus livros sobre economia, o português não os terá lido. “As afinidades com Salazar não eram claras”, dizem os autores. Permito-me recordar que na Faculdade de Direito de Coimbra Salazar fora professor também de Estatística.

Por Manuel Alves de San Payo – cml.pt, Domínio público, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=120257041

O do padre jesuíta belga Albert Muller que ofereceu a sua obra de 1935, La Politique Corporative, Essais d’Organisation Corporative. Como os autores enfatizam, trata-se de uma personalidade católica que se preocupa em assinalar os casos em que as experiências corporativas pareçam ter em conta os ensinamentos da doutrina social da Igreja, aliás este sacerdote escreveu também especificamente sobre os ensinamentos de Pio XII, sobre outros temas de Economia e até mesmo sobre o Tratado de Versalhes, sendo talvez redutor catalogá-lo como “corporativista”. Já tinha aliás escrito Organisation corporative et l’économie dirigée au Portugal com base na Constituição de 1933 e nos Decretos de 23 de Setembro de 1933, trabalho esse objecto de recensão por parte da Revue Internationale de Sciences Administratives no seu número publicado no 3º Trimestre de 1934. Não posso excluir que Muller e Salazar se tenham conhecido em Agosto de 1927 num Congresso da Juventude Católica Belga realizado em Liège(iv).

Registam os autores “A localização atual da biblioteca é desconhecida. Após a morte de Salazar, os livros foram entregues aos herdeiros, que possivelmente os venderam aos alfarrabistas”. Os livros não teriam aposto um carimbo de entrada ou um ex-libris ou, pelo menos, o estudo de Simpson e Carvalho não o menciona.

 

Biblioteca de Arnaldo Gama

Em 9 de Agosto de 2023 publiquei no Jornal Tornado um artigo sobre o escritor Arnaldo Gama (Arnaldo Gama e as memórias do Norte), também advogado e jornalista, falecido muito cedo, com 41 anos, em 1869, e referi diversos romances históricos por ele publicados que o mostravam solidamente documentado sobre várias épocas.

Como seria a sua biblioteca?

O facto é que esta questão foi respondida, quando, 25 anos depois da sua morte, foi anunciado um grande leilão incidindo sobre a sua biblioteca: “uma das melhores livrarias de Portugal que pertenceu ao Exmo Senhor ARNALDO DA GAMA”(v) (veja-se que nesta altura se falava de “livraria”, à inglesa, e não de “biblioteca” ).

 

Estavam em causa 730 obras, uma ou outra manuscritas, organizadas de A a Z, e lotes de diversos livros, que hoje diríamos livros técnicos – sobretudo jurídicos – e folhetos.

Admite-se que a biblioteca de Arnaldo Gama assim colocada em leilão, tivesse sido iniciada pelo seu pai, advogado estabelecido no Porto, mas o rol é impressionante, até por incluir livros do Século XVII.

O que me recorda que na relação de livros da autoria de Arnaldo Gama, por mim plasmada no artigo de Agosto de 2003, omiti um – A Caldeira de Pero Botelho – passado em Coimbra no tempo de Luís de Camões – melhor, de que Luís de Camões é um dos principais protagonistas. Um Luís de Camões de Coimbra, um Luís de Camões de 20 anos, que defende que se verseje nas línguas nacionais:

  • O mundo das letras! – acudiu subitamente Luiz de Camões – O mundo das letras! Por vida vossa, Miguel de Cabedo, tal não digais. Olhai o que se está passando na Europa e vêde como todos os verdadeiros engenhos se esforçam por apurar as suas respectivas línguas. Ronsard em França, Chaucer em Inglaterra, Dante na Itália…
  • E contudo Dante escreveu em latim a sua África – interrompeu Miguel de Cabedo com um sorriso irónico.
  • E na África caiu como haveis de cair vós todos os que escreveis em latim – replicou de fronte levantada o moço poeta.

Iniciado em Coimbra o enredo prossegue na Madeira sem Luís de Camões e temos então A Caldeira de Pero Botelho propriamente dita. O herói é um estudante madeirense, Simão de Ornelas, amigo de Luís de Camões, Ornelas que voltaremos a encontrar num Epílogo (Trinta e sete anos depois) em 1580, numa Lisboa em que pelas esquinas estão afixados papéis onde se pode ler:

Viva el-rei D. Henrique
Nos infernos muitos anos,
Que deixou no testamento
Portugal aos castelhanos

Quatro meses depois, com os castelhanos já concentrados em Badajoz, Simão de Ornelas ouve do poeta “Eu fui tão afeiçoado à minha pátria, que não me contentei só de morrer nela, mas com ela”.

 

Final

Este apontamento sobre as bibliotecas de Estaline, Salazar e Arnaldo Gama permitiu-me falar de Luís de Camões de que se comemoram agora 500 anos de nascimento, no entanto é sempre triste falar de bibliotecas que se dispersam.

 

Notas

(i) Segundo o autor, o jovem Dzhugashvili já tinha tido de pagar ao Seminário onde estudou uma indemnização por não devolver 18 volumes requisitados.

(ii) Martin Gilbert, biógrafo de Churchill, na súmula de 1991 editada pela Bertrand em 2002, revela que Churchill enviou igualmente informação precisa sobre os planos alemães, obtida através da decifração dos respectivos códigos.

(iii) Suponho que os autores se pretendem referir ao Vimieiro.

(iv) Em que segundo o Salazar, I vol. de Franco Nogueira, o biografado teria participado activamente.

(v) Reproduzo aqui um anúncio que a Biblioteca Nacional incluiu no seu catálogo.

Filme O empregado e o patrão retrata as sutilezas da luta de classes

Em cartaz na Netflix, o filme de Manolo Nieto, O empregado e o patrão (2021) apresenta sutilezas da luta de classes, por meio das quais pode-se perceber que impera a hipocrisia patronal com tapinhas nas costas dos trabalhadores. Mas essa obra mostra a distinção dos interesses de quem detém os meios de produção e daqueles que só possuem sua força de trabalho para vender.

Direção, roteiro, montagem, figurinos e fotografia se enquadram nessa temática, que foge da emotividade, inclusive quando a bebê do empregado Carlos (Cristian Borges) vem a falecer num acidente por meio do qual o trator que ele dirigia caiu numa vala. O filme mantém o enfoque nas diferenças de comportamento entre o empregado e o patrão em relação à tragédia, quando o fazendeiro Rodrigo (Nahuel Pérez Biscayart) se aproxima de Carlos.

Mas Nieto (O Canil, 2006; O lugar do filho, 2013) deixa claro que, apesar da proximidade e da juventude dos dois, amizade seria um termo muito forte para o relacionamento entre empregado e patrão. A obra mostra que os patrões ficam bem à vontade entre os seus, mas mantêm certo distanciamento, um determinado paternalismo, quando se relacionam com os empregados. Características da luta de classes. Também mostra que os patrões não são perversos por serem perversos, mas porque o sistema capitalista é perverso com quem vive do trabalho.

Cartaz do filme O empregado e o patrão

O empregado e o patrão nos remete ao livro A cara engraçada do medo (1977), do jornalista e escritor Murilo Carvalho, quando dizem “sim, patrão” com o desejo implícito de voar em sua garganta e dizer que também é gente. E a direção seca, com poucos diálogos e quase sem música, nos remete ao filme Vidas Secas (1963), de Nelson Pereira dos Santos (1928-2018), adaptação do livro homônimo de Graciliano Ramos (1892-1953).

Rodrigo é o jovem patrão designado por seu pai para administrar o latifúndio, o que faz com competência – do ponto de vista patronal –, dividindo o seu tempo entre os problemas de saúde de seu filho ainda bebê e a sua tarefa. Contrata o jovem Carlos para trabalhar em suas terras com um trator. Carlos tornou-se pai muito cedo, aos 18 anos, e vive com Estefanie (Fátima Quintanilla) ainda mais jovem.

O casal de trabalhadores vive uma tragédia após o acidente e o sindicato dos trabalhadores rurais move processo judicial contra os fazendeiros pelo acidente. E, dessa forma, Rodrigo se aproxima ainda mais de Carlos para tentar evitar a presumível derrota no processo.

Com filmagem seca, a câmera realça os movimentos dos personagens, os seus olhares, fazendo com que transpareça toda a diferença entre o mundo dos ricos e o dos pobres. Os que exploram a força de trabalho e os que desta dependem para sobreviver.

Ao mesmo tempo, mostra que os sentimentos humanos, tanto de uns quanto de outros, e a luta de classes não estão na dicotomia maldade x bondade, mas sim nas diferenças de interesses: uns querem apenas acumular riqueza e outros precisam disfarçar seus sentimentos para sobreviver.

O empregado e o patrão remete ao livro A cara engraçada do medo, de Murilo Carvalho, e a direção remete ao filme Vidas Secas, de Nelson Pereira dos Santos, adaptação do livro de Graciliano Ramos

Texto em português do Brasil

Patrões sobem pouco as remunerações médias para manter lucros elevados

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Os patrões responderam à subida do salário mínimo reduzindo os aumentos dos salários dos outros trabalhadores para manter os lucros o que fomenta a emigração dos qualificados, apesar da produtividade ser superior ao custo do trabalho quando comparados com a média da U.E., e o investimento por trabalhador no país tem diminuído impedindo a alteração do baixo perfil produtivo e o aumento da produtividade

Fui despedido de uma Universidade (em Angola) onde lecionava por dizer verdades sobre o país

Eu formei-me em jornalismo em Portugal, doutorei-me na Itália, pós doutorei-me na Rússia e em Évora, Portugal. Sou professor catedrático em filosofia das ciências, pós-doutorado em ciências da educação e psicologia, em Évora, Portugal, pós-doutorado em filosofia, sociologia e literatura na Rússia. Com essa formação, eu sempre procurei desenvolver um pensamento crítico, rigoroso e independente, baseado na pesquisa, na evidência e na argumentação. Eu sempre acreditei que a educação é uma ferramenta fundamental para o desenvolvimento humano, social e económico, e que a liberdade de expressão é um direito inalienável de qualquer indivíduo e de qualquer sociedade.

Foi com esse espírito que eu aceitei o convite para lecionar em uma universidade pública em Angola, há onze anos. Eu vi nessa oportunidade uma forma de contribuir para a formação de uma nova geração de angolanos, capazes de pensar por si mesmos, de questionar o status quo, de propor soluções inovadoras e de participar ativamente na construção de um país mais justo, mais democrático e mais próspero. Eu também vi nessa oportunidade uma forma de enriquecer a minha própria experiência, de conhecer uma nova cultura, uma nova realidade, uma nova perspetiva.

No entanto, ao longo desses onze anos, eu fui-me deparando com uma série de obstáculos, de resistências, de conflitos, que me foram afastando cada vez mais do meu ideal de educação e de cidadania. Eu fui testemunha e vítima de um sistema educativo marcado pela corrupção, pela burocracia, pela falta de recursos, pela falta de qualidade, pela falta de autonomia, pela falta de liberdade. Eu fui confrontado com uma sociedade marcada pela desigualdade, pela pobreza, pela violência, pela repressão, pela censura, pela falta de transparência, pela falta de participação. Eu fui alvo de uma elite política e económica que se apropriou do poder, dos recursos e da informação, que se tornou arrogante, autoritária e intolerante, que não aceita a crítica, o debate, a divergência, que não respeita a lei, os direitos humanos, a vontade popular.

Eu não me conformei com essa situação. Eu não me calei. Eu não me vendi. Eu não me rendi. Eu continuei a exercer o meu papel de professor, de investigador, de cidadão, com honestidade, com responsabilidade, com coragem. Eu continuei a dizer verdades sobre o país, sobre os seus problemas, sobre as suas potencialidades, sobre as suas soluções. Eu continuei a defender os meus valores, os meus princípios, os meus ideais. Eu continuei a lutar pela educação, pela liberdade, pela democracia.

Mas isso teve um preço. Um preço alto. Um preço injusto. Um preço que eu não merecia. Eu fui despedido da universidade onde lecionava, sem justa causa, sem aviso prévio, sem direito a defesa, sem direito a recurso. Eu fui despedido por dizer verdades sobre o país. Eu fui despedido por exercer o meu direito de expressão. Eu fui despedido por cumprir o meu dever de educação.

 

Conclusão

Afinal, em que mundo estamos? Em que mundo vivemos, quando um professor é despedido por dizer verdades sobre o país? Em que mundo vivemos, quando a educação é vista como uma ameaça e não como uma oportunidade? Em que mundo vivemos, quando a liberdade de expressão é reprimida e não respeitada? Em que mundo vivemos, quando a democracia é ignorada e não valorizada?

Eu não sei responder a essas perguntas. Eu só sei que esse não é o mundo que eu quero. Eu só sei que esse não é o mundo que eu sonho. Eu só sei que esse não é o mundo que eu mereço.

Eu sinto-me perdido em Angola, um país que não me dá felicidade, mas que também não me deixa indiferente. Um país que me fascina e me frustra, que me acolhe e me rejeita, que me ensina e me desaprende, que me inspira e me desilude. Um país que eu amo e que eu odeio, que eu quero e que eu não quero, que eu sou e que eu não sou.

Eu não sei o que fazer com Angola. Eu não sei o que fazer com a minha vida. Eu não sei o que fazer com o meu ensaio.

Eu só sei que eu sou um professor. Eu só sei que eu sou um jornalista. Eu só sei que eu sou um filósofo. Eu só sei que eu sou um investigador. Eu só sei que eu sou um cidadão. Eu só sei que eu sou um ser humano.

E eu só sei que eu vou continuar a dizer verdades sobre o país. E sobre o mundo.

Superior Privado: Uma (Proposta de) Lei Malandra

O Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior (RJIES) aprovado pela Lei n.º 62/2007 de 10 de Setembro, inclui duas normas sobre ensino superior privado que até agora pareciam muito prometedoras:

Artigo 52.º

Corpo docente dos estabelecimentos de ensino superior privados

1 – Aos docentes do ensino superior privado deve ser assegurada, no âmbito dos estabelecimentos de ensino em que prestam serviço, uma carreira paralela à dos docentes do ensino superior público. 2 – O pessoal docente dos estabelecimentos de ensino superior privados deve possuir as habilitações e os graus legalmente exigidos para o exercício de funções da categoria respectiva no ensino superior público.

Artigo 53.º

Regime do pessoal docente e de investigação das instituições privadas

O regime do pessoal docente e de investigação das instituições privadas é aprovado por decreto-lei.

Quando se diz que deve ser assegurada uma carreira paralela à do ensino superior público é lógico considerar que para as condições de acesso a cada categoria e de progresso para categoria superior de carreira, o conteúdo funcional, a carga horária semanal, a estabilidade do vínculo e as remunerações auferidas devem ser paralelas às do ensino superior público.

E o instrumento que deve assegurar aos docentes essa carreira paralela, é em primeira mão, o estatuto da instituição privada ou, quando tal remissão seja feita no estatuto da instituição, o regulamento do pessoal docente ou da actividade docente.

A ser publicado um decreto-lei sobre regime de pessoal docente ou investigador este deveria regular, tanto quando possível com um mínimo de uniformidade para o conjunto das instituições privadas a forma de assegurar este paralelismo e clarificar, quando necessário, a situação do pessoal docente já ao serviço das instituições.

Ora o projecto de proposta de lei – PL 149/XXIII/2023, adiante PROJECTO – que pede autorização legislativa para aprovar o decreto-lei previsto no Artigo 53º do RJIES, e que vai na linha do articulado entregue em 2021 às associações sindicais e divulgado apenas pela FENPROF(i), é ainda mais refinado que o anterior:

  • considera que “carreira” é apenas uma nomenclatura de categorias, cuja adopção já foi livremente assegurada pelas próprias instituições privadas nos últimos anos “Estas condições têm sido garantidas pelos estabelecimentos de ensino superior privado que têm previsto a nível estatutário as condições a que alude o mencionado artigo 52º do RJIES”, e, em matéria de remunerações e de horários de trabalho NÃO EQUIPARA as condições às do ensino superior público, NÃO DEFININDO uma remuneração mínima para o pessoal contratado em tempo integral, remetendo a compensação por dedicação exclusiva para um suplemento facultativo a prever em regulamento interno, e fixando a prestação de trabalho semanal em 40 horas;
  • restringe o conteúdo obrigatório do decreto-lei ao regime de contratação e aos vínculos;
  • considera que em matéria de contratação e de vínculos houve uma OMISSÃO LEGISLATIVA nos últimos 34 anos, isto é de 1989 até à futura publicação do decreto-lei;
  • consagra implicitamente para uma parte do pessoal, dito especialmente contratado, um regime sem as garantias do Código de Trabalho e da legislação europeia que este afirmou pretender transpor;
  • não dispõe sobre o RECONHECIMENTO DOS VÍNCULOS do pessoal que iniciou funções ao longo desses 34 anos.

O diploma bem merece portanto a qualificação de LEI MALANDRA.

 

Desenvolvendo

Remunerações a tempo integral e acesso a regime de dedicação exclusiva

O artigo 24º do PROJECTO remete a aprovação das tabelas remuneratórias para as entidades instituidoras e para instrumento de regulamentação colectiva de trabalho as “bases remuneratórias” das categorias de carreira docente e de investigação, o que, sendo por um lado vago, constitui por outro uma restrição inadmissível à negociação colectiva das remunerações do restante pessoal.

Tudo visto e ponderado, julgo que seria preferível que o PROJECTO consagrasse uma escala indiciária para as categorias de carreira e para as de assistente e leitor(ii), deixando embora para cada entidade instituidora a fixação do valor do índice da base da escala indiciária, sem prejuízo deste, nos termos gerais do Código do Trabalho, vir a ser fixado uniformemente para todas as instituições por negociação colectiva.

E, em rigor, atendendo a que mesmo no ensino superior público as remunerações de tempo integral estão desvalorizadas face a outras carreiras, o PROJECTO poderia consagrar escalas indiciárias em dedicação exclusiva, abandonando a técnica do suplemento remuneratório facultativo. Se o não fizer, e tendo em conta que as universidades públicas fundacionais têm vindo a tentar consagrar na sua contratação “em regime de direito privado” uma “dedicação plena” diferente do regime de dedicação exclusiva, poderá haver numa futura revisão do ECDU e do ECPDESP a tentação de generalizar a técnica do “suplemento remuneratório”.

Tenha-se entretanto em atenção que segundo o artigo 19º, nº 1 do PROJECTO uma redução do número de alunos pode determinar a redução do número de horas de leccionação contratadas – e consequentemente de remuneração – o que está consagrado no texto em linguagem tão soft que nem se dá por ela:

“A entidade instituidora do estabelecimento de ensino superior pode adequar o número de horas de leccionação contratado com o docente, quando se verifique uma alteração superveniente do número de estudantes “

O que se aplica tanto ao pessoal especialmente contratado a que se refere o artigo 18º(iii) como ao pessoal de carreira a que se refere o artigo 17º, sendo que neste caso lhe poderá talvez ser retirado o enquadramento na carreira.

Digo “talvez” porque o PROJECTO não consagra a garantia da tenure prevista nos Estatutos de Carreira do Ensino Superior Público nem afasta a aplicação do Código do Trabalho no domínio da realização de despedimentos por motivos económicos. O despedimento pode ocorrer como consequência de processo disciplinar ou de avaliação de desempenho, que no PROJECTO se considera “inadaptação superveniente ao posto de trabalho”. Mas as outras vias estão abertas.

 

A prestação de 40 horas de trabalho semanal

No projecto de regime apresentado em 2021 às associações sindicais o número de horas de trabalho semanal era de 35 horas, o que na altura aplaudi.

Por ser o regime aplicado então ao ensino superior público, e ser de 35 (ou 36 horas) o referencial dos regulamentos internos de actividade docente ou de pessoal docente publicados pelas entidades instituidoras de estabelecimentos de ensino superior privado e por ser esse o limite geralmente consagrado nos contratos individualmente assinados na altura.

Por apesar de em projectos de “decreto-lei” emanados do SNESup aparecer como obrigatória a menção das 40 horas porque no Código do Trabalho “era assim”, a Secretaria – Geral do ME/MCTES ter maior discernimento jurídico: Superior privado – entre o sindicato e o Ministério os professores estão entre a espada e a parede.

André Carmo (FENPROF)

Conviria perceber por que razão o MCTES em diploma conjunto com o Ministério do Trabalho e da Segurança Social, vem agora propôr as 40 horas. Não se diga que o limite pode ser reduzido por contratação colectiva uma vez que a FENPROF e o SNESup têm más experiências nesse domínio(iv) e que o PROJECTO, a publicar, recordo, ao abrigo de uma autorização legislativa, é o instrumento idóneo para consagrar um limite horário semanal diferente do limite máximo do Código do Trabalho.

Não excluo que se pretenda concluir que o pessoal docente até agora ao serviço dos estabelecimentos de ensino superior não tem direito à contratação por tempo indeterminado, por estar em “tempo parcial”, inferior às 40 horas(v).

Entretanto é nebulosa tal como aliás no ensino superior público a possibilidade de redução a tempo parcial sem perda do estatuto de carreira ao abrigo da legislação sobre parentalidade.

 

A famosa OMISSÃO LEGISLATIVA

A existência de previsões de publicação de um decreto-lei próprio em diplomas de 1989, 1994 e 2007, sendo este o famoso RJIES, foi na altura aproveitada pelas entidades patronais e pela sua associação – APESP – para negarem a possibilidade de se estabelecerem no ensino superior relações contratuais enquadradas na legislação geral de trabalho e, a partir de 2003, no Código de Trabalho. Depois deste publicado, o então Secretário de Estado Luís Pais Antunes insistia que faltaria publicar um Livro II do Código, regulando autonomamente as relações especiais de trabalho, como seriam as do ensino superior.

Em 1992 tive de recorrer aos Tribunais de Trabalho para tentar anular a decisão da entidade instituidora do Instituto Superior de Gestão, no qual exercia funções como Professor Convidado a tempo parcial (50%) e por tempo indeterminado, de reduzir o meu contrato apenas aos segundos semestres lectivos, e em 1994, estando o processo ainda pendente, para anular uma nova decisão que pura e simplesmente dispensava o meu trabalho. Ganhei em primeira instância, isto é no Tribunal de Trabalho, em segunda instância, isto é na Relação, com um acórdão que na parte doutrinária foi publicado na Ensino Superior – Revista do SNESup, e no Supremo Tribunal de Justiça, estávamos em 2001. E sempre com base no meu contrato, uma vez que ao contrário do que as direcções sindicais muitas vezes afirmam, os docentes do ensino superior de modo geral não estão a recibos verdes.

José Moreira (SNESup)

A certa altura tanto a FENPROF como o SNESup começaram a falar de OMISSÃO LEGISLATIVA para qualificar a não publicação do decreto-lei previsto no artigo 53º do RJIES. Ouvi José Moreira desenvolver este raciocínio numa sessão realizada há anos na Universidade Lusófona. Intervim para explicar que o diploma já se encontrava previsto nos textos legais  de 1989 e 1994 mas foi como se não tivesse falado. Todos sabemos o que os deuses fazem àqueles que querem perder…

De modo que temos em mão um PROJECTO que diz expressamente que a situação de OMISSÃO LEGISLATIVA se verifica desde 1989, com a sugestão implícita de que durante estes 34 anos não se formaram nem se consolidaram no ensino superior privado relações de trabalho.

 

O pessoal especialmente contratado

O texto do PROJECTO é particularmente nebuloso em relação à possibilidade de se contratar pessoal com contratos anuais ou semestrais indefinidamente renováveis, conforme sucedeu muito tempo nos ensinos básico e secundário, contrariando a “legislação europeia” e sucede ainda, sem vergonha, no ensino superior público.

Talvez o nº 1 do Artigo 14º “O pessoal docente e de investigação de carreira e o pessoal docente e de investigação especialmente contratado em regime de tempo integral, vincula – se mediante contrato de trabalho por tempo indeterminado…” pretenda excluir o pessoal docente e de investigação especialmente contratado em regime de tempo parcial do acesso a contrato de trabalho por tempo indeterminado.

Mas este poderia sempre, salvo interpretação em contrário, vincular-se por tempo indeterminado em tempo parcial por simples decurso do tempo nos termos do Código do Trabalho.

Há que ter cuidado com estes alçapões voluntários nas leis. Foi assim que ainda antes da revisão do ECDU e do ECPESP em 2009 começaram a surgir “falsos tempos parciais”, sacrificando candidatos que estariam disponíveis para exercer funções a tempo integral, e “falsos assistentes convidados”, já titulares do grau de doutor, possibilidades que a presente redacção do PROJECTO aliás não elimina.

E em geral a existência de garantias ao pessoal convidado a tempo parcial – que não impede a supressão do posto de trabalho com indemnização, nos termos gerais – cria condições para que a actividade docente se faça com maior independência.

 

O reconhecimento dos vínculos

Remeter para instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, como se prevê no Artigo 30º, alínea c) do PROJECTO e constava já do articulado de 2021 “Regimes transitórios que salvaguardem os direitos adquiridos dos dos docentes e investigadores que à data de entrada em vigor do presente decreto-lei exerçam funções nos estabelecimentos do ensino superior” é da parte do MCTES e do Ministério do Trabalho e da Segurança Social uma fuga às responsabilidades.

As partes dificilmente se entenderiam e não me admiraria que a associação patronal APESP acabasse por mobilizar um qualquer “sindicato zero” para concluir um acordo que libertasse os seus filiados de dificuldades.

Será preferível pedir que no período de adaptação as instituições discutam critérios com os sindicatos e elaborem listas nominativas de transição, encaminhando-se para as instâncias de resolução alternativa de litígios previstas no PROJECTO os casos controversos. Seria mais seguro e sobretudo mais rápido.

 

Notas

(i) O SNESup, que não divulgou este articulado de 2021, foi forçado a fazer um simulacro de debate da questão depois do autor destas linhas ter divulgado na altura o articulado em causa, que a FENPROF publicara no respectivo site. Afirmou posteriormente ter tomado uma posição em “reunião plenária” mas não a divulgou. Já em relação ao articulado que lhe foi entregue pelo MCTES em 2023, publicou-o no seu site e emitiu um princípio de posição. Desta vez, a FENPROF nem terá publicado o articulado.

(ii) Repare-se que nas disposições transitórias do ECDU e do ECPDESP revistos em 2010, a Assembleia da República definiu, sob proposta do SNESup, que os assistentes da universidade e do politécnico deveriam ser considerados como integrados em carreira.

(iii) Em rigor percebe-se a sensibilidade das entidades instituidoras, leia-se patronais, neste domínio, uma vez que inicialmente os docentes objecto de redução de carga horária e de remuneração ganhavam facilmente nos Tribunais de Trabalho as acções de “reposição de carga horária” que interpunham com fundamento na redução unilateral de remuneração por parte da entidade patronal.

(iv) E os associados do SNESup têm uma má experiência com o Sindicato que nunca publicou as actas da tentativa de conciliação na DGERT.

(v) Lembro-me de uma situação em que numa escola em dificuldades económicas a administração impôs um corte de 20 % da remuneração, com assinatura de um adicional ao contrato em que simultaneamente se cortava a carga horária a 20 %, isto é passando os docentes a tempo parcial.

A episteme do desesperado sem razão

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Thomas Kuhn, em seu trabalho sobre as estruturas das revoluções científicas, também discute mudanças paradigmáticas que se alinham com estas epistemes (Kuhn, 1962). A episteme clássica, fundamentada na representação fiel da realidade pela razão humana, é análoga ao que Kuhn descreve como ciência normal. A moderna, que vê o conhecimento como interpretação crítica e modificável da realidade, corresponde à fase de crise e revolução científica em Kuhn. A pós-moderna, que enfatiza a produção contingente e plural do conhecimento, reflete a aceitação de múltiplos paradigmas.

A contemporaneidade é marcada por uma coexistência e interseção dessas epistemes, gerando tensões e conflitos entre diferentes formas de saber (Habermas, 1981). Esse cenário de crise epistemológica é agravado pela condição do “desesperado sem razão”, que perde a fé na possibilidade de conhecer a verdade, devido à falta de evidências ou excesso de informações.

Para superar essa condição, é necessário reconhecer a complexidade e diversidade do conhecimento, desenvolver uma postura crítica e criativa, e cultivar uma ética do conhecimento, como sugerido por Paulo Freire (Freire, 1996) e Leonardo Boff (Boff, 1999).

A episteme, como conceituada por Foucault, é mais do que uma mera estrutura de conhecimento; é um sistema que define o âmbito do pensável e do expressável em cada era histórica. Foucault argumenta que a episteme é uma prática discursiva que permeia diversas esferas do saber, como ciência, filosofia, arte e religião. Essa prática não é uniforme ou estática, mas dinâmica e heterogênea, evoluindo com as mudanças históricas, sociais e culturais.

Foucault identificou três grandes epistemes na história ocidental: a clássica, a moderna e a pós-moderna. Cada uma dessas epistemes moldou de maneira distinta o que é considerado conhecimento válido e legítimo. A episteme clássica, vigente entre os séculos XVI e XVIII, baseava-se na ideia de que o conhecimento é uma representação precisa da realidade, acessível através da razão humana. A semelhança era seu princípio orientador, com a matemática servindo como modelo para a construção de um conhecimento claro e universal.

A episteme moderna, que se estendeu do século XIX ao XX, introduziu uma noção de conhecimento como interpretação crítica da realidade, sujeita à modificação pela intervenção humana. Essa episteme era orientada pela diferença e dominada pelo método analítico, com a física fornecendo um modelo para entender um conhecimento dinâmico e complexo.

Em contraste, a episteme pós-moderna, emergindo no final do século XX, caracteriza-se pela ideia de que o conhecimento é uma construção contingente e plural, contestável pela diversidade humana. Aqui, a desconstrução é o princípio orientador, e a linguística fornece o modelo para um entendimento do conhecimento como instável, fragmentado e contextual.

Estas epistemes não são exclusivas ou sequenciais, mas coexistem e interagem na contemporaneidade, gerando tensões e conflitos entre diferentes formas de saber e de interpretar a realidade. Vivemos, portanto, em uma era de crise epistemológica, onde os critérios e limites do conhecimento são constantemente questionados e desafiados. Este contexto é fértil para o surgimento do “desesperado sem razão”, um indivíduo que enfrenta a incerteza e a ambiguidade no processo de busca pela verdade.

A condição do “desesperado sem razão” reflete a incapacidade de compreender ou transformar a realidade diante da multiplicidade de informações e da complexidade dos desafios contemporâneos. Esta condição representa um abismo epistemológico, onde a falta de certezas gera dúvidas e angústias profundas.

Para superar essa condição, é imperativo reconhecer a complexidade e a diversidade do conhecimento, evitando tanto o relativismo quanto o dogmatismo. Isso implica aceitar a coexistência de múltiplos saberes que se confrontam e se complementam, cada um com seus próprios critérios, méritos e limitações.

Além disso, é fundamental desenvolver uma postura crítica e criativa frente ao conhecimento, questionando seus pressupostos e implicações, sem cair no ceticismo ou no otimismo ingênuo. Isso envolve propor novas formas de conhecer e interagir com a realidade, reconhecendo suas dificuldades e riscos.

Finalmente, é essencial cultivar uma ética do conhecimento, que envolve assumir a responsabilidade pelo saber produzido e utilizado. Isso significa buscar o bem comum e a justiça social através do conhecimento, sem instrumentalizar as diferenças ou as necessidades individuais.

Neste contexto, a figura do “desesperado sem razão” emerge como um símbolo da nossa era, representando a luta para encontrar significado e verdade em um mundo marcado pela pluralidade e pela incerteza epistemológica. O desafio é, portanto, navegar neste cenário complexo sem cair na desesperança ou na paralisia. A solução para esta crise não se encontra em uma resposta única ou definitiva, mas em um contínuo processo de questionamento, inovação e reflexão ética.

A superação do desespero sem razão implica um esforço coletivo e individual para engajar-se em diálogos mais inclusivos e reflexivos, conforme sugerido por Jürgen Habermas. Tal abordagem permite não apenas a coexistência, mas a interação produtiva entre diferentes epistemes e perspetivas de conhecimento. Isso implica uma maior tolerância à ambiguidade e um compromisso em explorar novos territórios intelectuais.

Portanto, enfrentar a crise epistemológica de nossa era requer uma abordagem multidimensional, que envolve tanto a valorização da pluralidade e da incerteza quanto a busca por princípios éticos que orientem a produção e a disseminação do conhecimento. É um chamado para que cada indivíduo, como parte de um todo coletivo, participe ativamente na redefinição do que significa saber, compreender e agir no mundo contemporâneo. Somente assim, poderemos não apenas confrontar, mas também transcender a condição do desesperado sem razão, abrindo caminho para um entendimento mais rico e humanizado da realidade.

 

Conclusão

A “episteme do desesperado sem razão”, como proposta neste ensaio, sintetiza a complexa crise epistemológica que permeia a contemporaneidade. Esta crise não deve ser interpretada meramente como um impasse ou um fracasso, mas antes como uma convocação à reflexão crítica e à reinvenção do conhecimento. Neste cenário, os desafios impostos pelas contínuas mudanças nas estruturas de saber, conforme ilustrado pelas transições de epistemes identificadas por Foucault, demandam uma reavaliação constante dos nossos métodos de compreensão e interação com o mundo.

Thomas Kuhn, com a sua teoria das revoluções científicas, oferece um paralelo útil para entender as transições epistemológicas. As suas ideias sobre paradigmas científicos, que emergem, dominam e eventualmente são substituídos, espelham a natureza dinâmica das epistemes de Foucault. Esta analogia é particularmente relevante para compreender como o desespero sem razão emerge nas fases de crise e transição paradigmática, quando os modelos existentes são inadequados para explicar novos fenômenos ou resolver problemas emergentes.

Além disso, Jürgen Habermas, com sua ênfase na racionalidade comunicativa e no discurso ético, aponta para a necessidade de um diálogo mais inclusivo e reflexivo no âmbito do conhecimento. A crise epistemológica, nesse sentido, pode ser vista como um convite à participação mais ativa e democrática na construção do saber, onde diferentes vozes e perspetivas são reconhecidas e valorizadas.

A condição do “desesperado sem razão”, então, reflete uma reação compreensível às incertezas e complexidades do conhecimento contemporâneo. No entanto, é precisamente através do reconhecimento e da aceitação desta complexidade que podemos encontrar caminhos para superar o desespero. Paulo Freire e Leonardo Boff oferecem orientações valiosas neste processo: a necessidade de uma postura crítica e criativa perante o conhecimento (Freire, 1996), e uma ética de responsabilidade e cuidado no uso e na disseminação do saber (Boff, 1999).

Em suma, a crise epistemológica atual representa tanto um desafio quanto uma oportunidade. Ela nos desafia a questionar e repensar os fundamentos do nosso conhecimento, mas também nos oferece a oportunidade de construir um entendimento mais plural, flexível e humano. Superar o “desespero sem razão” implica abraçar a incerteza como um espaço de possibilidade, onde novas formas de saber podem ser exploradas e valorizadas. Esta abordagem não apenas alivia o desespero, mas também enriquece nossa compreensão do mundo e da nossa própria humanidade.

 

 Citações:

Foucault, M. (2008). As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas. São Paulo: Martins Fontes.

Kuhn, T. S. (1962). A Estrutura das Revoluções Científicas. Chicago: University of Chicago Press.

Habermas, J. (1981). Teoria do agir comunicativo. Boston: Beacon Press.

Freire, P. (1996). Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra.

Boff, L. (1999). Saber cuidar: ética do humano, compaixão pela terra. Petrópolis: Vozes.

 

Bibliografia:

Boff, L. (1999). Saber cuidar: ética do humano, compaixão pela terra. Petrópolis: Vozes.

Foucault, M. (2008). As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas. São Paulo: Martins Fontes.

Freire, P. (1996). Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra.

Habermas, J. (1981). Teoria do agir comunicativo. Boston: Beacon Press.

Kuhn, T. S. (1962). A Estrutura das Revoluções Científicas. Chicago: University of Chicago Press.

Das lutas de classes: a luta do Sindicato dos Metalúrgicos de Caxias do Sul

“Do rio que tudo arrasta se diz que é violento. Mas ninguém diz violentas as margens que o oprimem” (Bertolt Brecht)

O episódio envolvendo o Sindicato dos Metalúrgicos de Caxias do Sul e a empresa G. Paniz precisa ser examinado dentro de um histórico e contexto amplo. As imagens proporcionam entendimento raso e distorcido sobre o conjunto de fatos e situações que resultaram em tensão e princípio de violência.

No conjunto é preciso registrar que as Federações Empresariais que se levantam em tom indignado são as mesmas que estimulam e incentivam práticas antitrabalhistas e antissindicais, notórias em suas defesas contra direitos consagrados ao trabalho e aos trabalhadores e trabalhadoras.

Estiveram na linha de frente do processo político que resultou no golpe contra uma Presidenta da República legitimamente eleita e que abriu as portas para a polarização política e a agressiva desregulamentação das legislações protetivas, dos quais as Reformas Trabalhista e da Previdência, a extinção do Ministério do Trabalho, a castração dos poderes do Ministério Público do Trabalho e a tentativa de aplicação da chamada “Carteira Verde Amarela” são os símbolos mais evidentes de sua ganância, insensibilidade e violência.

Nas questões políticas e eleitorais firmaram apoio à candidatura derrotada do ex-presidente Jair Bolsonaro, conhecido por seu discurso e prática de ataque e negação ao mundo do trabalho e ao sindicalismo classista, cuja repetição insistente de frases e bordões que contrapunham emprego a direitos, defendiam salários menores para as mulheres “porque engravidam”, desdenhando a proteção da infância e adolescência quanto do exploração do trabalho infantil e fazendo vista grossa aos casos de trabalho análogo à escravidão (aliás, situação que notabilizou o Rio Grande do Sul no último período) moldou o pensamento raso de um empresariado predatório e voraz.

No Rio Grande do Sul em particular comportaram-se as federações empresariais como verdadeiras “elites do atraso”, seja na histórica oposição e combate à reforma agrária e ao apoio à pequena propriedade rural, em favor da privataria que entrega e saqueia o patrimônio público, na defesa do congelamento salarial do funcionalismo público e na raivosa tentativa de reajuste zero e extinção do salário mínimo regional.

Portanto, as federações empresariais que por ora vociferam contra o Sindicato dos Metalúrgicos estão na base da orientação e comportamento das empresas e empresários que burlam, desrespeitam, agridem e constrangem de forma recorrente e reincidente. É o caso da metalúrgica G. Paniz.

A ação persecutória da direção da empresa e o sistemático desrespeito às demandas trabalhistas (PPR, CIPA) e à livre organização sindical vêm há mais de um ano sendo motivo de tratativas do Sindicato dos Metalúrgicos para resolução do problema. A intransigência da empresa e a intervenção equivocada e desorientada da Brigada Militar foram as causas reais do incidente, amplamente divulgado de modo distorcido e manipulado pela imprensa de ocasião, ansiosa em explorar uma narrativa comovida e acusatória contra quem definitivamente estava a defender os metalúrgicos e metalúrgicas como costumeiramente o faz nas diferentes jornadas de lutas, campanhas salariais, assembleias da categoria e prestações de serviços jurídicos.

Na condição de militante sindical que muito aprendeu com as lutas proletárias, “da classe que tudo produz”, presto minha total e irrestrita solidariedade aos trabalhadores e trabalhadoras, ao(s) seu(s) sindicato(s) e exulto as mudanças e melhorias que progressivamente vêm apontando para o rumo de um ciclo de retomadas, reconquistas e reconstruções que vão além de direitos sociais ou vantagens econômicas, mas da própria sociabilidade e do humanismo em si.


Texto em português do Brasil

Lei sancionada pelo presidente Lula é a nossa luta por valorização profissional na educação básica

A sanção da Lei 14.817/2024 representa um grande avanço para a melhoria da educação básica no país. Há décadas, os profissionais da educação vêm lutando por valorização profissional. Principalmente nas questões que a lei toca como um plano de carreira decente, com base na realidade e com formação continuada porque a nossa profissão é profundamente dinâmica e a vida não espera. Em todos os momentos precisamos nos atualizar, ainda mais na velocidade em que as mudanças estão acontecendo.

Junto a tudo isso é essencial, como consta na nova lei, a melhoria das condições de trabalho, tirando o ônus do processo educativo dos ombros apenas dos profissionais da educação. Atualmente as professoras e professores sofrem muita pressão para cumprir metas, estilo bancárias, com governantes pouco preocupados com a qualidade do ensino e com a vida das professoras e professores.

A Lei 14.817/2024 representa uma grande conquista das lutas das trabalhadoras e trabalhadores da educação pública para o povo brasileiro ter educação que possibilite a melhoria de vida das pessoas e o desenvolvimento do país com combate às desigualdades, respeitando as diversidades de nossa nação.

E mesmo que essa importante lei federal represente um significativo avanço para a educação básica pública no país, em São Paulo enfrentamos desafios substanciais, pois o governador Tarcísio de Freitas, além de não aumentar os necessários investimentos, ele quer cortar verbas da educação pública.

O governador enviou projeto à Assembleia Legislativa do estado para reduzir os 30% destinados à educação pública para 25%, o que tira mais de R$ 9 bilhões dessa área essencial para o desenvolvimento.

O secretário da Educação, o empresário Renato Feder aprofunda o descaso com a educação pública, mostrando-se mais preocupado com a realização de convênios com organizações sociais, com clara intenção privatista. Além disso, o governo paulista está entregando cinquenta escolas para a rede municipal de São Paulo. O que mostra a intenção de eximir-se de sua responsabilidade com a educação pública.

A nossa luta continua sendo em defesa da valorização profissional com os artigos contidos nessa nova lei. Temos que exigir do estado mais rico da nação, mais investimentos na educação, melhorias estruturais nas escolas e melhores condições de trabalho aos profissionais.


Texto em português do Brasil

Os CTT e a maldição do imobiliário

Os CTT, Correios, Telégrafos e Telefones, constituíram inicialmente um serviço da Administração Pública dotado de larga autonomia, tanto administrativa como financeira, mas sem personalidade jurídica. Não existindo esta, o património, designadamente imobiliário, com que trabalhavam os CTT não era um património próprio mas um património especial de afectação, pertencendo ao património do Estado. Foi este o modelo originário, aprovado em 1911, muito embora alterado por legislação posterior. Verificaram-se algumas dificuldades consagrar do ponto de vista jurídico o carácter empresarial dos CTT, o que só veio a acontecer, já com Marcelo Caetano como Presidente do Conselho de Ministros, quando foi publicado o Decreto-Lei nº 49 368, de 10 de novembro de 1969 (Determina que a partir de 1 de Janeiro de 1970 a Administração-Geral dos Correios, Telégrafos e Telefones passe a constituir uma empresa pública do Estado, denominada «Correios e Telecomunicações de Portugal», regida pelo estatuto anexo ao presente decreto-lei, e introduz alterações ao Estatuto dos Telefones de Lisboa e Porto, anexo ao Decreto-Lei n.º 48007).

“Empresa Pública” era até aí um conceito doutrinário que se podia justamente encontrar no ensino de Marcelo Caetano, mas não foi o Governo deste o primeiro a atribuir a uma empresa o estatuto de empresa pública: a nacionalização, em 1964, da exploração da Anglo-Portuguese Telephone Company pelo Governo de Salazar fez-se com previsão da criação de uma empresa pública que veio a denominar-se de Telefones de Lisboa e Porto, por força do Decreto-Lei nº 48 007, de 26 de Outubro de 1967, o qual aprovou um Estatuto que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1968.

O Estatuto dos CTT apresenta-se bastante desenvolvido, tanto mais que inexistia à data um regime geral das empresas públicas para o qual pudesse remeter,(i) e prevê a aprovação posterior de regulamentos. Não que os seus serviços não estivessem atentos à necessidade de modernização. A Direcção de Serviços de Telecomunicações da Administração-Geral havia aliás sucedido ao Laboratório Nacional de Engenharia Civil no apoio à publicação do Boletim O.M. – Revista de Divulgação de Organização e Métodos do ainda Grupo de Estudos de Organização do Trabalho Administrativo que iria dar lugar à Associação Portuguesa de Produtividade Administrativa. No domínio da gestão do património o Estatuto da agora denominada empresa Correios e Telecomunicações de Portugal previam o seguinte:

Art. 33.º – 1. Os CTT administram o domínio público do Estado afecto à exploração dos serviços a seu cargo, devendo manter em dia o respectivo cadastro, afectar-lhe os bens que nele convenha incorporar, desafectar os dispensáveis e assegurar a respectiva polícia.

  1. Os bens do domínio privado dos CTT afectos à exploração dos seus serviços e os demais bens que a empresa receba ou adquira para realização dos seus fins constituem o seu património privativo.

sendo que:

Art. 56.º – 1. A transferência para os Correios e Telecomunicações de Portugal dos imóveis, veículos, instalações e demais bens que integram a universalidade do estabelecimento a cargo da Administração-Geral dos Correios, Telégrafos e Telefones, qualquer que seja a modalidade de inscrição nos correspondentes registos, operar-se-á por força do artigo 3.º, n.º 1, do presente Estatuto, o qual constituirá título suficiente para todos os efeitos legais, inclusive os de registo.

  1. Em caso de dúvida, é título bastante para determinar a transferência prevista no número anterior a simples declaração feita pelos CTT e confirmada pela Direcção-Geral da Fazenda Pública de que os respectivos bens se incluem na mencionada universalidade.

Os CTT e os TLP foram sendo, durante anos, geridos conjuntamente até se ter criado uma Telecom reunindo os TLP e o sector de Telecomunicações dos CTT, tendo o domínio público do Estado sob administração dos CTT transitado para essa empresa. Mas os bens do Estado que o diploma de 1969 pretendiam que ficassem afectos ao sector dos Correios talvez vinte anos depois não estivessem ainda registados em nome dos CTT. Pelo menos quando a Direcção-Geral do Património do Estado, sucessora dos Serviços do Património da Direcção-Geral da Fazenda Pública(ii), teve a dúvida do que deveria fazer às centenas de processos de capa cor-de-rosa que na sua posse documentavam o registo destes bens a favor do Estado. Nos CTT a função património estava a cargo de uma Divisão cujo chefia nem estava na altura preenchida. Mostrando um espírito de iniciativa muito rara em serviços públicos a Direcção-Geral do Património do Estado tomou sobre si emitir centenas de declarações que facilitariam o registo dos imóveis afectos aos CTT, incluindo o imóvel da sua então sede na rua de S. José(iii).

Site CTT

Os CTT ainda empresa pública vieram a realizar uma operação de alienação de um imóvel em Coimbra, que deu origem a processo crime, mas só após a privatização se começaram a registar situações marcadamente controversas em relação ao imobiliário.

No Jornal Tornado de 11 de Abril de 2018 Investimento Público, Resgate de PPP, Reversão de Privatizações

Já a privatização dos CTT é muito mais recente, foi concertada com a equipa de gestão em funções, cujo presidente iria transitar para a gestão privada, e merecia ter sido considerada escandalosa, pois, como escrevi na altura: Os “mercados” toleraram o que não seria normal que acontecesse: que depois de efectuada a avaliação da empresa e lançada a privatização fosse publicado um Decreto-Lei alterando o regime dos serviços postais, que o Estado viesse dizer que ia ficar com os activos e responsabilidades do fundo de pensões, mas só depois de concluída a privatização, que o Governo anunciasse que a administração ia ficar a mesma, que a licença bancária anunciada só fosse concedida pelo Banco de Portugal depois de dadas as ordens de compra.”

 

Acresce que, apoiando-se num mecanismo da lei – quadro das privatizações que visava dinamizar a bolsa e não maximizar a receita para o Estado (como se não fosse essa a justificação da alienação no período da troika), a privatização se fez pelo valor de avaliação, talvez excessivamente baixo e que teve em conta o padrão de actividade existente. Hoje em dia, perante a estupefacção geral, os CTT enfrentam críticas quanto ao serviço universal, conhecem problemas quanto às receitas de exploração e vêm os resultados a baixar mas distribuem dividendos superiores aos lucros. Ilegalidade? Face ao Código das Sociedades Comerciais talvez não, uma vez que, como explica a Gestmin, “accionista de referência” dos CTT , é possível distribuir “reservas livres”.

 

Assim o modelo de negócio dos CTT passa pela degradação progressiva do serviço postal universal e pela desactivação de instalações (com criação de postos em papelarias e juntas de freguesia), que podem ser alienadas, criando disponibilidades não afectas à exploração, e fabricando, em termos de balanço, mais reservas livres a distribuir. Há quem chame a isto “desnatação”.

Na origem desta situação não a privatização em si mas a forma de privatização adoptada pelo Governo Passos Coelho – Paulo Portas. Mas com o advento dos Governos de António Costa, o modelo adoptado não saiu minimamente beliscado, nem com Pedro Marques nem com Pedro Nuno dos Santos. Este foi inicialmente coadjuvado por Alberto Souto de Miranda como Secretário de Estado das Comunicações, (também) um homem de Aveiro de cuja capital de distrito foi Presidente da Câmara, com um currículo jurídico – económico brilhantíssimo, onde se destacava aliás uma passagem pela ANACOM, entidade reguladora, como Vice-Presidente, e que teria na mira o regresso a um cargo bancário. Nada fez para pôr os CTT na ordem, pelo contrário desvalorizou publicamente o esforço de avaliação da actividade dos CTT pela reguladora. É conhecido que o próprio Costa subscreveu até num plano geral críticas ao papel da regulação e especificamente no caso das telecomunicações fulanizou as suas reservas na pessoa do Presidente do regulador, o economista do Banco de Portugal João Cadete de Matos(iv).

Tanto o BE como o PCP defenderam a reversão da privatização. Esteve preparada uma Iniciativa Legislativa de Cidadãos de que Manuel Carvalho da Silva seria um dos primeiros signatários, com vista a estabelecer o controlo público sobre os CTT. António Costa – de novo tocando um lado A e um lado B – contrapôs uma possível cessação futura de concessão por incumprimento de serviço público universal.

Escrevi na altura:

Ora tal cenário não tem a menor viabilidade, pois que a concessão, ao contrário de outros casos, não se fez com afectação temporária de um estabelecimento que regresse ao Estado no fim da concessão. Costa ilude-se ou ilude-nos. Com a privatização e mesmo que prosseguindo a sua actual estratégia de desinvestimento operacional, os CTT continuarão a ser por muito tempo a única entidade que possui uma rede de estações que lhe permitem concorrer a um eventual concurso de atribuição de nova concessão. Como explica a Gestmin, no texto já referido, ”É verdade que, ao contrário doutros casos em que é fácil ir ao mercado e procurar concorrentes, neste caso os CTT têm a tecnologia, a infra-estrutura, as pessoas, as competências”.

O facto é que Costa teve recentemente de confessar que, longe de encarar uma cessação de concessão por incumprimento de serviço público universal, tinha entrado em pânico quando se apercebeu da possibilidade de os CTT deixarem de, por sua própria decisão, assegurar tal serviço público, e daí a orientação de, através da Parpública, tentar adquirir em Bolsa uma participação no capital dos CTT, sem contudo explicar como uma participação de 13 % permitiria alterar a orientação da empresa – a circunstância de ser dessa ordem a participação do actual principal accionista, que já não é a Gestmin, não quer dizer que uma participação similar do Estado poderia prevalecer contra uma mais do que provável coligação de privados. Quanto aos 0,24 % ou seja, passe o termo, um c*g*gésimo do capital social, efectivamente adquiridos só mostram a impotência do Governo. Tão excitados os jornais económicos – assumindo novamente ligações à Direita que sempre existiram – ficaram com a inverosímil teoria de que Pedro Nuno Santos teria comprado os parceiros da “geringonça” com essa participação, que não desmontaram as incoerentes explicações de Costa, para quem o novo secretário-geral do PS os remetera com um suave sorriso. Mas nos restantes quadrantes políticos subestimou-se esta comprovação de que os governos estão agora nas mãos dos CTT, que têm obtido com facilidade decisões unânimes dos tribunais arbitrais para os seus pedidos de indemnização. O Estado vai continuar a ser ordenhado, porque o estabelecimento foi vendido com a concessão.

Entretanto os CTT, com alguma racionalidade, criaram uma empresa especializada para deter o imobiliário – a CTT Imo Yeld – e segundo notícia divulgado há dias por um dos jornais económicos, alienaram parte do capital desta à Sonae Sierra, mantendo todavia a maioria do capital. No pressuposto de que os CTT – Correios de Portugal ficarão a pagar renda à CTT Imo Yeld pelas instalações utilizadas na exploração da actividade postal, o Estado, se quiser, poderá vir por via de nacionalização da participação dos CTT na imobiliária, criar a possibilidade de no caso de ser necessário pôr fim à concessão do serviço público universal à CTT – Correios de Portugal, e abrir um concurso competitivo, afectar à concorrente vencedora a rede de imóveis imprescindível para o exercício da actividade postal.

Deste modo manter-se-ia a entrega ao “mercado” da actividade postal mas repor-se-iam as condições de mercado para a escolha da concessionária de serviço público universal . Seria necessário é certo indemnizar o accionista CTT – Correios de Portugal, manter uma negociação permanente quanto às condições de utilização das instalações, enfrentar as diatribes do senhor editor económico do Público – que muito recentemente assinou um inflamado artigo de opinião contra o Governo acusado de pôr em causa a privatização dos CTT – e gerir muito bem o relacionamento com a Sonae Sierra, afinal uma pedra essencial do grupo a que pertence o jornal.

A alternativa é pagar chantagem, sob a forma de concessão do serviço público universal na área postal.

 

Notas

(i) Que só veio a existir em 1976, após concluído o ciclo de nacionalizações, com o Decreto-Lei nº 260/76, de 20 de Abril.

(ii) Hoje em dia os antigos Serviços do Tesouro e Serviços do Património voltaram a estar reunidos na Direcção-Geral do Tesouro e Finanças.

(iii) Para que conste, como a Direcção de Serviços a quem este assunto incumbia não tinha pessoal foram os funcionários da Divisão de Aquisições e Arrendamentos para o Estado que, em tempo recorde e a título voluntário compulsou todos estes processos e preparou todo o expediente.

(iv) Que iniciou a sua militância no PS na época em que o próprio António Costa começava a sua. Curioso…