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Sexta-feira, Setembro 13, 2024

Sobre as águas da vida o silêncio dói

Vitor Burity da Silva
Vitor Burity da Silva
Professor Doutor Catedrático, Ph.D em Filosofia das Ciências Políticas Pós-Doutorado em Filosofia, Sociologia e Literatura (UR) Pós-Doutorado em Ciências da Educação e Psicologia (PT) Investigador - Universidade de Évora Membro associação portuguesa de Filosofia Membro da associação portuguesa de Escritores

Caminhamos e nem sempre a combater e tantas vezes parar em qualquer lado beber, bebemos a vida para que nos esqueçamos do seu valor, para perder o medo e disfarçar ao fundo a dor.

XXXIII

É quase sempre cedo nestas caminhadas, nem me apercebo sequer se há sono, este mundo aqui é tudo o que ninguém imaginaria na vida e o que dói mesmo é ver definhar camaradas, sentir o real valor da vida, tudo é vazio aqui.

Caminhamos e nem sempre a combater e tantas vezes parar em qualquer lado beber, bebemos a vida para que nos esqueçamos do seu valor, para perder o medo e disfarçar ao fundo a dor. Cigarros e cigarros carregados de fumo que esvoaça e vai, levado pelo vento desta praça qualquer onde gente simples nos acolhe e serve,

– branco, quer mais cerveja?

e sem luanda há anos, apenas passamos por lá quando chegamos e logo este lugar escondido e sem prédios, sem luzes e mar, apenas gente simples que nos acolhe oferece do seu comer e comemos,

– boa esta galinha senhora!

ali sentimo-nos sem guerra e porquê a guerra então?, a gente definha por nada, morremos como cães, sentimo-nos insignificantes, sabes?,

– a tropa faz de ti um homem filho!

O meu pai no consultório o meu filho é militar, defende a nossa pátria, a minha mãe na cozinha, sim, sempre a cozinha onde ela adora inventar delícias para uma refeição delirante, os meus irmãos estudam e a facultade todos os dias,

– nem notícias do meu benfica!

Aqui nem rádio ou sem pilhas fumamos e eu ainda na enfermaria, encosto a cabeça e nem pensar consigo, escrevo retalhos e rascunhos e cartas e recebo cartas e papais e rascunhos e ordens do general, a enfermaria como sempre repleta de camaradas, uns definham outros gemem,

– até quando isto doutor!

A minha família ainda por lisboa e sem notícias, a minha Santa Paola

– como estás filha?

completa mais um aniversário e sem mim, que festa lhe oferece a mãe sem o pai presente, sim, na cabeça tudo é vivido e a gente disfarça a dor, dilui-se o momento e seguimos, todos os dias são coisas diferentes sei, aqui é sempre mais do mesmo, repetimos o nosso ritual e caminhamos e andamos e viajamos e a floresta a ladear-nos parece noite todos os dias, chove e frio nada, o corpo aquecido a medo, dos tiros, das balas que nos seguem e granadas ao fundo no seu estrondo faz-nos tremer.

(1967), “Guerra Colonial: exército português em operações.”, Fundação Mário Soares / AMS – Arquivo Mário Soares – Fotografias Exposição Permanente, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_114087 (2020-7-19)

Aqui nem bagaço apenas este vinho a martelo da fazenda do Quintas, bebemos até cair e quantos?, sei lá, a gente perde a noção das coisas e da razão de tudo, tudo isto é o momento a que nos incumbiram de fazer, viemos combater em defesa da pátria que nos pariu!


Como aperitivo à deliciosa prosa de Vítor Burity da Silva, apresentamos novo capítulo do livro Sobre As Águas Da Vida O Silêncio Dói


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