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Sexta-feira, Junho 27, 2025
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Henry Kissinger apoiou regimes que ainda assombram a América Latina

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Santiago, Chile (AP) – No Chile, esquerdistas foram torturados, jogados de helicópteros e forçados a assistir parentes sendo estuprados. Na Argentina, muitos foram “desaparecidos” por membros da brutal ditadura militar que manteve detidos em campos de concentração.

Tudo isso aconteceu com o endosso de Henry Kissinger, o ex-Secretário de Estado dos EUA, que morreu dia 29 de novembro de 2023, com 100 anos.

Enquanto homenagens eram derramadas para a figura imponente, que foi o principal diplomata dos EUA sob os presidentes Richard Nixon e Gerald Ford, o humor estava decididamente diferente na América do Sul, onde muitos foram profundamente marcados durante a Guerra Fria por abusos dos direitos humanos infligidos em nome do anticomunismo, e onde muitos continuam a abrigar uma profunda desconfiança de seus poderosos vizinhos do Norte.

“Eu não conheço qualquer cidadão americano que seja mais deplorado, menos querido na América Latina do que Henry Kissinger”, disse Stephen Rabe, um professor de história aposentado da Universidade do Texas, em Dallas, que escreveu um livro sobre a relação de Kissinger com a América Latina. “Você sabe, a realidade é, se ele tivesse viajado quando a democracia voltou em qualquer um desses países, ele teria sido imediatamente preso”.

Kissinger e o Chile

Não há provavelmente exemplo mais nítido da intromissão de Kissinger na democracia da região, e então apoio da brutalidade em nome do anticomunismo, do que no Chile.

No Chile, Kissinger desempenhou um papel chave nos esforços para fazer tudo em poder dos Estados Unidos para minar e enfraquecer o governo socialista de Salvador Allende, que foi eleito presidente em 1970. Kissinger usou seu domínio para sustentar a ditadura militar do Geneneral Augusto Pinochet, que subiu ao poder em um golpe em 1973, repetidamente se recusando a chamar a atenção para as numerosas violações de direitos humanos do regime de Pinochet, que assassinou oponentes, cancelou eleições, restringiu a mídia, suprimiu os sindicatos e dissolveu partidos políticos.

Kissinger alegou por muito tempo que ele não estava ciente dos abusos dos direitos humanos que foram cometidos na região, mas registros mostram que esse não foi o caso, disse Peter Kornbluh, um analista sênior no Arquivo Nacional de Segurança que é responsável por seu projeto do Chile.

Kissinger apoiou ditaduras na América Latina, como a do Chile. Na foto ele saúda calorosamente Augusto Pinochet em 1970, pouco antes de ele assumir o poder no golpe contra Salvador Allende. Foto: Ministerio de Relaciones Exteriores de Chile

“O registro histórico tornado público, os documentos que Kissinger escreveu, não deixam dúvida de que ele foi o arquiteto chefe da política dos EUA para desestabilizar o governo de Allende, e de que ele também foi o chefe facilitador de ajudar o regime de Pinochet a consolidar o que se tornou uma ditadura de 17 anos sangrenta e infame”, disse Kornbluh.

Kissinger era “de algum modo obcecado” com o governo de Allende, temendo que a ascensão de um governo socialista através de meios democráticos pudesse ter um efeito contagioso na região, disse o Senador chileno José Miguel Insulza, um ex-Secretário Geral da Organização dos Estados Americanos que serviu como um conselheiro de política externa no governo de Allende.

“Para ele, qualquer ação que significasse defender os interesses nacionais dos EUA parecia justificável”, disse Insulza.

Kissinger temia o que o governo de Allende podia significar para o mundo.

“Em termos geopolíticos, Kissinger considerou a ascensão da coalisão de esquerda ao poder através de meios democráticos ainda mais perigosa do que o exemplo dado por Cuba. Realmente, isso podia ser replicado em países ocidentais com partidos comunistas poderosos em termos de influência eleitoral, como na Itália”, disse Rolando Álvarez, um professor de história na Universidade de Santiago, no Chile.

Ele parecia não ser afetado por histórias de sofrimento nas mãos de oficiais militares, mesmo embora sua própria família chegou nos EUA como refugiados que tinham fugido da Alemanha nazista em sua adolescência.

Não fez nada sobre ataques a judeus

“No final de 1976, assessores do Departamento de Estado diziam o a Henry Kissinger, um judeu, que os judeus estavam sendo alvos na Argentina”, disse Rabe. “E Kissinger simplesmente não fez nada”.

Na vizinha do Chile, Argentina, uma junta militar subiu ao poder em 1976, prometendo combater esquerdistas “subversivos”. Kissinger deixou claro que ele não tinha objeções a suas táticas brutais, e repetidamente ignorou chamados de outros oficiais do Departamento de Estado para levantar mais preocupações sobre violações de direitos humanos.

Em uma reunião de junho de 1976, Kissinger tinha uma mensagem para o Ministro de Relações Exteriores da Argentina, Admiral César Augusto Guzzetti: “Se há coisas que têm que ser feitas, você deve faze-las rapidamente”. Ele mais tarde reiterou esse apoio durante uma reunião em outubro de 1976 – uma época quando os oficiais argentinos estavam preocupados com o levantamento de preocupações sobre os direitos humanos entre relatos de tortura e desaparecimentos.

Guzzetti ficou “muito feliz” com as reuniões e “tinha sentido que Kissinger tinha dado a ele o sinal de que os Estados Unidos não tinham objeções com a matança por atacado”, disse Raber.

Kissinger e a América Latina

Kissinger tinha uma atitude similar em relação a outras ditaduras militares na região, incluindo no Uruguai e no Brasil, e nunca levantou objeções ao que ficou conhecido como Operação Condor, um programa clandestino que permitiu regimes militares nessa parte do mundo para ilegalmente perseguir, deter, torturar e assassinar dissidentes políticos que fugiram de seus países.

Essa atitude deixou uma impressão duradoura na psique dos latino-americanos. “Pelo menos aqui na América Latina, o que eu percebi na visão de Henry Kissinger é muito negativo, porque é um tipo de mentalidade que vale tudo. Não importa o quanto brutal a ditadura seja, ela deve ser apoiada, isso não importa”, disse Francisco Bustos, um advogado de direitos humanos e professor na Universidade do Chile.

Décadas depois, os efeitos dessa política ainda estão sendo sentidos em uma região que sente que os Estados Unidos iriam a quaisquer distâncias para apoiar seus interesses.

“Há um segmento de partidos políticos e movimentos na América Latina, incluindo no Chile, em que a relação com os Estados Unidos é essencialmente marcada pelo anti-imperialismo. Essa perspectiva essencialmente vê qualquer administração nos EUA, seja Democrata ou Republicana, liberal, progressista ou ultraconservadora, como mais ou menos o mesmo”, disse Gilberto Aranda, um professor de relações internacionais na Universidade do Chile.

Embora a intervenção dos EUA na região que foi frequentemente referida como o “quintal da América” tenha uma longa história, Kissinger parecia levar isso ao limite.

Não é surpresa então que uma das reações mais severas a morte de Kissinger veio de um oficial chileno.

“Morreu um homem cujo brilho histórico nunca conseguiu esconder sua profunda miséria moral”, o embaixador do Chile nos Estados Unidos, Juan Gabriel Valdes, postou na plataforma de mídia social X. O Presidente esquerdista do Chile, Gabriel Boric, então, retuitou a mensagem.


por Daniel Politi e Patrícia Luna | Texto em português do Brasil, com tradução de Luciana Cristina Ruy

  • Daniel Politi, Correspondente do Cone Sul na AP anteriormente: Stringer no NY Times e no Argus Media, colaborador no The Slatest
  • Patrícia Luna, Correspondente no Chile para FRANCE 24 Español e AP. Trabalhou para RTVE, El País, BBC World Service, AFP, Agência SINC e outros

Fonte: Peoples World

Exclusivo Editorial Rádio Peão Brasil / Tornado

Gente é pra brilhar e ser feliz

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Começo meu último artigo do ano com base em música de Caetano Veloso, na qual diz que “gente é muito bom, gente deve ser o bom, tem de respeitar, tem de se cuidar do bom”. E em 2023 estamos vivendo isso, de se engajar na luta de fazer prevalecer a generosidade.

Superamos o obscurantismo, vencemos o ódio e seguimos rumo a consolidar a vitória da democracia, da liberdade e da vida, mas precisamos seguir em frente para que todas as pessoas tenham educação pública de qualidade, com respeito à diversidade humana e valorização da inteligência.

Conquistamos essa vitória épica do presidente Lula para reconstruir o país com base no amor, nos direitos humanos, na democracia e no respeito. E porque o tempo não para, devemos seguir em frente para mandar o ódio, a discriminação, o preconceito e todo tipo de violência para o lugar de onde nunca deveriam ter saído.

E para superar todo esse rancor que se instalou em nosso país precisamos seguir em frente com muita unidade de todas as pessoas que lutam por uma sociedade justa e igualitária, com base na na solidariedade, vamos fazer de 2024 o ano da virada e da prevalência do amor.

Afinal, “gente quer prosseguir, quer durar, quer crescer, gente quer luzir” porque “gente é pra brilhar, não pra morrer de fome”.


Texto em português do Brasil

O jihadismo e a ordem internacional

  1. O princípio da soberania dos Estados

O recém-falecido Henry Kissinger é o autor que mais se notabilizou na formulação do conceito de uma nova ordem internacional instaurada pela paz de Westfália que teria instituído o princípio da soberania dos Estados.

Kissinger, como a generalidade dos alemães, dá uma grande importância à Paz de Westfália de 1648, dado que foi esta que pôs fim à que foi a guerra que mais devastou a Alemanha até à secunda guerra mundial, mas penso que essa atenção é desproporcional à importância internacional desse tratado, que de forma alguma pôs fim às sucessivas disputas de soberania entre os vários Estados do mundo.

O sistema de Westfália, quando muito, poderá ser visto como o período de afirmação de uma identidade alemã por via pacífica, mas fora do domínio do Sacro Império Romano-Germânico (que não era nem sagrado, nem romano, nem germânico, nem império, na famosa caracterização que dele fez Voltaire), a regra continuou a ser a mesma que tinha sido antes de 1648.

Todo o Leste da Europa sofreu nesse período da suposta ‘Paz de Westfália’ um período de expansionismo russo e, por exemplo, em Portugal foi a partir dessa data que se agudizaram os confrontos com Espanha que, justamente, não reconhecia a soberania portuguesa

Menos profícua ainda que a Paz de Westfália foi a conferência de Viena que se seguiu às invasões napoleónicas e, naturalmente, a paz de Versailles, foi aquela cujas consequências foram menos duradouras.

A ordem internacional em que ainda vivemos – e que se sucedeu à segunda guerra mundial – tão pouco se pode considerar como um exemplo de sucesso, como vemos todos os dias, e como, com a guerra fria, já tínhamos constatado no período anterior à dissolução da União Soviética.

Em qualquer caso, aquilo que se afirmou com o sistema encimado pelas Nações Unidas, e que já tinha sido tentado antes em Westfália, Viena ou Versalhes, foi um sistema baseado na soberania dos Estados. Esse sistema evoluiu rapidamente para uma leitura anticolonial desse princípio. Em qualquer caso, o princípio foi rompido pela guerra fria, ao abrigo da qual a interferência internacional, ou mesmo a invasão pura e dura no caso da União Soviética, se sobrepuseram a qualquer princípio de soberania.

O principal significado útil do sistema de Westfália terá sido apenas o de não reconhecer – num espaço de um mundo germânico alargado – legitimidade a princípios religiosos para pôr em causa a soberania dos Estados, o que não obstou à continuação de expansionismos pelos mais variados motivos, e às guerras religiosas noutros espaços, como aconteceu durante esse período em França.

Com a revolução francesa assistimos à legitimação da violação da soberania em função de uma nova legitimidade revolucionária, que Napoleão nunca definiu claramente, enquanto com o Nazismo a violação da soberania é feita de acordo com uma legitimidade baseada exclusivamente na força e na suposta necessidade vital.

A legitimidade revolucionária do bolchevismo tem uma base conceptualmente elaborada, como necessidade histórica, resultado da luta de classes, que passava pela legitimidade da revolução popular e por novos princípios sociais que regiam, nomeadamente, o direito da propriedade.

  1. O fim da história

O comunismo – entendido como um sistema que legitima a violação da soberania (e em geral das regras de um Estado de Direito) em função de um objectivo político universal – terminou com a queda da União Soviética. A Rússia de Putin não é menos imperialista que a União Soviética de Estaline, como a China de Xi não é menos imperialista do que a de Mao. No entanto, Putin, ao invadir a Ucrânia, como Xi ao ocupar o mar e ilhas dos seus vizinhos, ou Maduro a preparar-se para conquistar parte do território da Guiana, não o fazem em nome do comunismo, mas apenas em função de argumentos avulsos (onde não há sombra de marxismo) e da percepção do seu poder, tal como sempre aconteceu na história.

O comunismo, como ameaça geopolítica à ordem tradicional estabelecida, acabou, já não existe. Pode-se pensar o que se quiser quanto ao sistema ideal de propriedade, quanto à função do dinheiro ou ao papel da classe operária, mas a articulação desse pensamento com uma lógica imperial de dominação e contestação das soberanias nacionais já não se encontra em lado nenhum no xadrez internacional.

Putin, Xi, ou Maduro, podem utilizar as velhas redes de cumplicidades herdadas do bolchevismo para os seus fins, como de resto utilizam toda e qualquer rede de interesses ou cumplicidades que possam entender ser-lhes úteis, mas não há nada que possa ser entendido como decorrente do marxismo, leninismo, estalinismo ou maoísmo que sirva para justificar ideologicamente as suas expansões imperiais.

Aquilo que o Ocidente precisa de entender é que no estrito contexto do desafio do materialismo histórico e dialético, a célebre expressão de Fukuyama do ‘fim da história’ é verdadeira. Sim, a Rússia, a China e a Venezuela (entre outros) continuam a ser ameaças à paz mundial, mas por razões, lógicas, e contextos que nada têm a ver com o que foi o desafio comunista.

  1. O novo desafio jihadista

O novo jihadismo – que eu defini como tendo nascido do movimento pelo Califado de 1920 – vai recolocar no centro geopolítico a contestação ao princípio da soberania dos Estados com base na religião, como aconteceu inúmeras vezes no passado e, nomeadamente, na guerra dos trinta anos.

Com a Revolução Islâmica no Irão e a queda da União Soviética, o mundo assistiu ao afundar da legitimidade comunista e a sua substituição pela legitimidade religiosa do jihadismo como elemento ideológico central na contestação à ordem internacional vigente.

A ascensão do jihadismo faz-se no contexto de uma flagrante erosão da ordem internacional vigente. Nem a Rússia, nem a China nem mesmo a Venezuela (embora esta última esteja mais comprometida com ele) são jihadistas. Os planos imperiais destes países afirmam-se em modos semelhantes ao que sempre aconteceu na história.

Mas o jihadismo está completamente fora dos radares ocidentais que não entendem nada do desafio que este coloca. O jihadismo usa o terrorismo, mas não se limita nem se confunde com o terrorismo; o jihadismo tem no Irão a sua materialização geopolítica mais forte, mas não se reduz a este Estado; o jihadismo penetrou profundamente nas superestruturas ocidentais, na educação, na informação, na política ou nos negócios e encontrou no wokismo a sua principal porta de entrada no Ocidente. Nestes domínios, foi mais longe do que alguma vez foi o bolchevismo em qualquer das suas variantes.

O jihadismo é um movimento imperial que se assume ideologicamente pelo islamismo, de forma não muito diferente ao que já aconteceu com o cristianismo, em tempos longínquos. O jihadismo assenta em redes, sendo as principais a do xiismo iraniano e a da irmandade muçulmana, que têm algo em comum com o que foi o Komintern, mas que lhe são incomparáveis em plasticidade, e dele divergem no seu profundo reaccionarismo.

A força do jihadismo não se mede em mísseis, porta-aviões ou ogivas, embora ela passe também por aí: mede-se na sua capacidade de infiltração de captura e de dissolução do que são os princípios humanitários que regem a sociedade em que vivemos.

O pogrom de 7 de outubro provou como é urgente entendermos a importância da ameaça jihadista, mas a mensagem, embora não pudesse ter sido mais clara, continua a não ser entendida pela generalidade das elites ocidentais.

Se esse entendimento não for feito pela cabeça, sê-lo-á pelos factos que nos irão entrar porta-dentro.

A mecânica dos mercados | A visão curta

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Em fim de ano e em jeito de balanço, apesar das guerras e da crise política nacional, recordo a agitação que varreu o sector financeiro (particularmente o norte-americano), e a notícia do início de Maio que, confirmando que o banco norte-americano JP Morgan ia comprar activos do First Republic Bank reacendia a questão da real situação dos sistemas financeiros, e me levou a reler uma análise escrita por Michael Hudson por alturas da falência do Silicon Valley Bank, num artigo a que aludi aqui no TORNADO e que pensei agora detalhar melhor.

Porém, talvez seja mais correcto (e honesto) deixar falar o autor de obras como «J is For Junk Economics» e «Killing the Host – How Financial Parasites and Debt Bondage Destroy the Global Economy» – onde expõe como os sectores financeiro, dos seguros e imobiliário (o grupo FIRE, sigla inglesa para “finance”, “insurance” e “real estate”) ganharam o controlo da economia global à custa do capitalismo industrial e dos governos que lhes asseguraram um estatuto fiscal favorecido que inflaciona os preços imobiliários enquanto deflaciona a economia “real” do trabalho e da produção, como os resgates salvaram os bancos mas não as economias e como as políticas de austeridade desviam riqueza e rendimento para o sector financeiro, enquanto empobrecem a classe média – e limitar-me a continuar a traduzir o referido artigo:

A Mecânica do Mercado de Títulos e o seu Impacto na Crise Bancária

Por Michael Hudson – 15 de Março de 2023

Como o imediatismo do SVB falhou a perceber para onde caminha o sector financeiro

Durante os anos de baixas taxas de juros, o sistema bancário dos Estados Unidos descobriu que o seu poder de monopólio era muito forte. Ele só tinha que pagar aos depositantes 0,1 ou 0,2% sobre os depósitos. Isso era tudo o que o Tesouro pagava nos seus títulos do Tesouro de curto prazo sem risco. Assim, os depositantes tinham poucas alternativas, mas os bancos cobravam taxas muito mais altas pelos seus empréstimos, hipotecas e cartões de crédito. E quando a crise da Covid estourou em 2020, as empresas adiaram novos investimentos e inundaram os bancos com o dinheiro que não investiam.

Os bancos conseguiram obter ganhos de arbitragem – obtendo taxas de investimentos mais altas do que pagavam pelos depósitos – se comprassem títulos de prazo mais longo. O SVB comprou títulos do Tesouro de longo prazo. A margem não era grande – menos de 2 pontos percentuais. Mas era o único “dinheiro grátis” e seguro disponível.

No ano passado, o presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, anunciou que o banco central aumentaria as taxas de juros para desacelerar o crescimento salarial que se desenvolveu à medida que a economia começou a recuperar. Isso levou a maioria dos investidores a perceber que as taxas de juros mais altas reduziriam o preço dos títulos – mais acentuadamente para os títulos de prazo mais longo. A maioria dos gestores de carteiras evitou tais quedas de preços transferindo o seu dinheiro para títulos do Tesouro de curto prazo ou fundos do mercado monetário, enquanto os preços dos imóveis, títulos e acções caíram.

“Por alguma razão, o SVB não fez esse movimento óbvio. Eles mantiveram os seus activos concentrados em títulos do Tesouro de longo prazo e títulos similares. Enquanto o banco não tivesse saques líquidos de depósitos, não precisava reportar essa queda no valor de mercado de seus activos.”

No entanto, ele ficou pendurado quando o Sr. Powell anunciou que não havia trabalhadores americanos desempregados em número suficiente para conter os seus ganhos salariais e planeou aumentar as taxas de juros ainda mais do que se esperava. Ele disse que uma recessão séria era necessária para manter os salários suficiente baixos para garantir os lucros altos das empresas americanas e, portanto, o preço das suas acções.

Isso reverteu o Quantitative Easing do resgate de Obama, que aumentava constantemente os preços dos activos imobiliários, das acções e dos títulos. Mas o Fed encurralou-se: se restaurar a era das taxas de juros “normais”, isso reverterá o aumento de 15 anos de ganhos nos preços dos activos para o sector FIRE (Nota: acrónimo de Finance, Insurance, e Real Estate, os sectores financeiro, de seguros e imobiliário).

Essa mudança repentina em 11 e 12 de Março deixou o SVB “sentado num prejuízo não contabilizado de quase 163 mil milhões de dólares – mais do que a sua base de acções. As saídas de depósitos começaram a cristalizar isso numa perda realizada.” O SVB não estava sozinho. Bancos por todo o país estavam a perder depósitos.

Esta não foi uma “corrida aos bancos” resultante de temores de insolvência. Foi porque os bancos eram monopólios suficientemente fortes para conseguirem evitar a repartição dos seus crescentes ganhos com os depositantes. Eles estavam a obter lucros crescentes com as taxas que cobravam dos tomadores de empréstimos e as taxas geradas pelos seus investimentos enquanto continuaram a pagar aos depositantes apenas cerca de 0,2%.

O Tesouro dos EUA estava a pagar muito mais e, na quinta-feira, 11 de Março, os títulos do Tesouro a 2 anos estavam a render quase 5%. A diferença cada vez maior entre o que os investidores podiam ganhar comprando títulos do Tesouro sem risco e a ninharia com que os bancos remuneravam os seus depósitos levou os depositantes mais abastados a sacar o seu dinheiro para obter um retorno de mercado mais justo noutro lugar.

Seria errado pensar nisso como uma “corrida aos bancos” – muito menos como um pânico. Os depositantes não eram irracionais nem estavam sujeitos à “loucura das multidões” ao levantar o seu dinheiro. Os bancos eram simplesmente muito egoístas e à medida que os seus clientes sacavam os seus depósitos, eles tinham que vender as suas carteiras de títulos – incluindo os títulos de longo prazo detidos pelo SVB.

Tudo isso faz parte do desenrolar dos resgates bancários de Obama e da flexibilização quantitativa. O resultado da tentativa de retornar aos níveis históricos mais normais das taxas de juros é que, em 14 de Março, a agência de classificação Moody’s cortou a perspectiva do sistema bancário dos EUA de estável para negativa, citando o “ambiente operacional em rápida mudança”. Eles referem-se à queda na capacidade das reservas bancárias para cobrir o que deviam aos seus depositantes, que sacavam o seu dinheiro e obrigavam os bancos a vender títulos com prejuízo.

A seguir veremos como Michael Hudson retrata as ligações políticas e as perspectivas para o sector financeiro.

 

A mecânica dos mercados | A crise ainda não acabou

A mecânica dos mercados | As ligações fatais

A mecânica dos mercados | O sobressalto

O pai da cunha

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Na sala, enquanto o ranger da porta era anulado pelo estrondo do seu fecho, o último a entrar dirigiu-se para o seu lugar. “Cunha?”, “Joana Cunha?”, virando o pescoço de um lado para o outro, “A Cunha ainda não chegou.”, disse a Ribeiro, Joana Ribeiro, “A  Cunha ainda não chegou?”, voltou ele, “A Cunha está atrasada, mas chega sempre.”, disse a Mota, Joana Mota, “Alguém sabe porque motivo se atrasa a Cunha?”, “ A culpa não é da Cunha.”, “Não é da Cunha?”, “Não, a Cunha nunca falha, é pontualíssima, cumpre sempre as regras.”, disse a Morais, Joana Morais, “Então, se não é da Cunha, é de quem?”, “É do pai.”, atirou outra Joana, a Silva, Joana Silva,  “Do pai?”, “Sim, do pai da Cunha.”, “E quem é o pai da Cunha?”, “Ninguém sabe.”, “Ninguém sabe?”, “Sim, ninguém sabe. A Cunha é sempre a última a chegar e nunca ninguém viu ou soube quem era o pai da Cunha.” Logo de seguida, uma outra, pelos vistos jovem adolescente que sonhava aparecer na televisão no sábado ou domingo à tarde a esticar as pernas para a frente revelando um calção de licra que lhe tapava o local onde também deviam estar cuecas e a rodopiar sobre si, com os cabelos a baloiçarem como um carrossel de cadeiras suspensas, revelando nesse movimento circulatório uma mini-saia esvoaçante que deixava divisar meio glúteo tonificado ou preso ao corpo por meias de vidro, começou a cantar “Mas quem será… mas quem será… o pai da Cunha? Eu sei lá, sei lá, eu sei lá, sei lá…”. Foi para a rua e “Aproveita e vê se descobres quem é o pai da Cunha.”, disse ele, menos irritado do que divertido, mas não poderia agir de outra forma.

A cunha em Portugal é como o pai da Cunha: todos sabem que existe, mas nunca sabem ou viram quem fecundou a cunha e a fez ver a luz.

O Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, também reconhecido mundialmente por ser o autor da famosa letra de uma música de G-Eazy, “Me, myselfie and I”, veio publicamente, utilizando o espaço mediático que canais televisivos lhe oferecem como mel para as moscas (acho que é mel…), refutar qualquer intervenção da sua livre iniciativa no processo de favorecimento na atribuição do medicamento Zongelsma para a atrofia muscular espinhal no valor de dois milhões de euros a cada uma de duas crianças gémeas portuguesas, filhas de uma luso-brasileira, que haviam recentemente obtido a cidadania portuguesa e que tinham ainda conseguido seis cadeiras de rodas, quatro delas eléctricas, num custo para o SNS de cerca de sessenta e quatro mil euros (o que eu acho bem, para elas e para qualquer pessoa que necessite). Segundo o ex-comentador da TVI, depois das insinuações sobre o seu alegado envolvimento numa reportagem daquele canal (“Da TVI? Da TVI?” pensou o fotogénico Presidente, “Como é possível? Depois de tudo o que eu fiz pelas audiências do “Jornal Nacional”, “Como é possível?”, indignadamente pensando, sem se lembrar que a Sandra Felgueiras tinha sido corrida da RTP por denunciar os abusos da exploração das minas de Lítio aquando da gestão do processo por um tal ex-secretário de Estado na altura e ex-ministro agora que dá pelo nome de João Galamba, também mundialmente conhecido por inspirar o mundialmente famoso guião do filme de Natal “Christhmas in pijama walking the dog” e por ter inspirado a cadeia de roupa interior Oysho a criar um pijama especial, numa campanha intitulada “Compre um pijama Galamba e adote um cão, caramba!” (só para o Norte ) e “Pijamba Galamba: na rua como em casa” (para o resto do país) e que, agora é arguido no Processo do lítio e do hidrogénio, acusado de crimes de prevaricação, de corrupção activa e passiva de titular de cargo político e de tráfico de influência. A Sandra mudou de estação de televisão, mas parece ver antes do tempo o que ainda ninguém tinha visto), ele mandara abrir uma investigação conduzida pela Casa Civil que provou que ele, Marcelo, apenas havia recebido uma mensagem de correio electrónico do seu filho, Doutor Nuno Rebelo de Sousa (achei muito estranho que ele e a sua esposa de então tenham dado como primeiro nome ao seu filho o nome Doutor, mas, pronto, serão manias de burguesia rural de Celorico de Basto  que confirmam, também, que quem nasce em berço de Doutor inevitavelmente será Doutor), solicitando intervenção do papá Marcelo (ou do Presidente, isso não foi possível aferir a partir da sua comunicação), no caso que viria a ser conhecido como a das Gémeas, para que houvesse alguma palavrinha do papá Presidente que permitisse abrir as portas do Sistema Nacional de Saúde (que se deveriam manter abertas através da colocação de uma cunha de madeira na base da porta aberta) com via verde para o acesso ao tratamento privilegiado de que as meninas gémeas precisavam, nem que para isso fosse necessário passar por cima da lista de espera como se fosse um camião todo o terreno com rodas do tamanho daquelas que vemos em determinados camiões americanos. Parece que, segundo Marcelo, o papá nem respondeu ao e-mail, o que me parece uma decisão vergonhosa e inadmissível por parte de um pai, nem que o mesmo seja Presidente. Não responder ao filho Doutor Nuno Rebelo de Sousa envergonha qualquer pai bem formado e bem educado e, apesar de ser Marcelo o presidente dos afectos,  percebe-se  que o excesso de afectuosidade nesta fase da sua vida se deve não a um genuíno esforço de ser agradável, mas, antes, a uma necessidade de compensar o distanciamento e o frio afectivo com que ainda hoje trata o seu filho Doutor Nuno (e continuo a achar que não faz sentido… Doutor Nuno… que maldade, podiam ter-lhe chamado Pedro Nuno ou José Nuno ou, enfim, na continuidade de legado da burguesia rural, chamarem-lhe, em homenagem a Camilo Castelo Branco, Simão Nuno ou Domingos Nuno). De qualquer forma, crendo em absoluto nas palavras do doutor de leis José Miguel Júdice, proferidas no seu espaço de comentário na Sic Notícias, “Causas” (e não se pense que José Miguel Júdice pretende ser Presidente da República, pois, apesar da Clara de Sousa fazer muito bem o papel de Judite de Sousa, o seu comentário “toute à droite, sempr’en frent” não tem a visibilidade de um comentário em horário nobre ao domingo à noite), Marcelo é um “gajo” que conhece há mais de quarenta anos totalmente honesto e que seria incapaz de um acto vergonhoso como aquele que lhe era imputado, no máximo, digo eu a partir das palavras do doutor de leis, Marcelo seria capaz de meter uma cunha nos sapatos por causa de bicos de papagaio nos pés ou por causa de uma tendinopatia num dos tendões de Aquiles (pois é, grande verdade, todos temos tendões de Aquiles, até Presidentes da República, e, por vezes, há por aí jornalistas armados em Páris que carregam uma aljava com flechas prontas a disparar).

O tempo passa e o assunto vai sendo repisado como as uvas num lagar sem que ainda haja vinho de boa qualidade. As insinuações continuam, as pesquisas jornalísticas chafurdam em qualquer lugar onde cheire a vil cunha, mas ainda não se sabe ao certo como se deu o favorecimento das gémeas filhas do casal amigo do Doutor Nuno e da sua esposa. Para mim, o pai da cunha é Marcelo Rebelo de Sousa, porém apenas e só considerando que a cunha é o Doutor Nuno. Na verdade, o verdadeiro pai da cunha é o Doutor Nuno, faltando apenas saber quem é a mãe da cunha que permitiu, num acto de cópula cunhista fecundadora, que mais uma cunha nascesse e visse a luz do tráfico de influências, do compadrio e do amiguismo enquanto berrava em surdina para que ninguém desse conta do seu nascimento e da ultrapassagem na lista de espera. A mãe da cunha pode ser o ex-Secretário de Estado da Saúde, Lacerda Sales, a ex-Ministra da Saúde, Marta Temido, os responsáveis pelos Hospitais D. Estefânia e Santa Maria, entre outros que ainda podem aparecer, mas ninguém duvida que, se há cunha, haverá sempre um pai e uma mãe.

Agora, vou sentar-me no sofá e ver as bailarinas das bandas pimba. Parei na TVI, está a dar o “Somos Portugal” e parece-me que conheço uma bailarina, mas não sei donde, e o som começa a entrar-me pelos ouvidos enquanto observo quatro bailarinas vestidas com um top de pouco tecido e muita pele à mostra, calções de licra branca bem apertados para que nenhum tecido adiposo pareça existir. É uma versão de uma música bem conhecida e agora o vocalista pimba está a cantar isto :“Mas quem será… mas quem será… a mãe da cunha? Eu sei lá, sei lá, eu sei lá, sei lá…”

Encontro da Categoria: O reforça a luta pela valorização da educação pública

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É muito importante atender o chamamento da Apeoesp – Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo para a participação do Encontro Estadual de Professores Categoria O que acontece nesta sexta-feira (15), na Praça da República em frente a sede da Secretaria da Educação, às 14 horas.

Porque neste período de atribuição de aulas, o governador Tarcísio de Freitas, através do secretário da Educação, o empresário Renato Feder, conseguiu piorar o que já era ruim. Por isso, reforçamos a luta por uma atribuição de aulas justa e transparente.

No caso específico da Categoria O (professoras e professores com contrato dito “temporário”), os profissionais vivem em constante instabilidade no seu trabalho, além de não contarem com os direitos trabalhistas.

Venha para o encontro com a certeza de que lutamos por melhores condições de trabalho para as professoras e professores. Entre as nossas principais bandeiras de luta está a prorrogação dos contratos das professoras e professores Categoria O.

Muito importante também manter a luta pela imediata contratação de todas e todos aprovados neste concurso em andamento até o preenchimento de todas as vagas realmente existentes em toda a rede oficial de ensino do estado.

Todas e todos ao Encontro Estadual de Professores Categoria O, na sexta-feira (15), às 14 horas, na Praça da República, na capital paulista.


Texto em português do Brasil

Secretário-Geral da AETL projecta Ordem dos Enfermeiros de Timor-Leste

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O Secretário-Geral da AETL, Domingos Soares, vai discutir com a Direcção da Associação dos Enfermeiros de Timor-Leste (AETL) um projecto para a criação da Ordem dos Enfermeiros de Timor-Leste.

A questão da Ordem dos Enfermeiros de Timor-Leste foi um assunto que abordei a semana passada numa reunião com Domingos Soares, o único docente doutorado em enfermagem da Universidade de Díli, onde também esteve presente Ivo Soares, Vice-Decano da Faculdade. Nos termos do plano estratégico em curso da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Díli pretende-se proceder à reformulação dos cursos de graduação na área das ciências da saúde.

A Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Díli tem em funcionamento um curso de licenciatura em saúde pública, um curso de bacharelato em enfermagem dentária e um curso de bacharelato em enfermagem geral. Em 2024, para além de desejar abrir um curso de mestrado em saúde com várias especializações, pretende reformular os cursos de graduação, com a  abertura de dois cursos de licenciatura: enfermagem dentária e enfermagem geral.

 

RACS vai apoiar os cursos de ciências da saúde da Universidade de Díli

A Universidade de Díli, sendo membro pioneiro da Rede Académica de Ciências da Saúde da Lusofonia (RACS), desejando optimizar esta parceria em Rede, está interessada no envolvimento da RACS em todo o processo de mudança e inovação curricular dos cursos de ciências da saúde da UNDIL na medida em que as escolas superiores de enfermagem de Coimbra, Lisboa e Porto também integram a RACS e são escolas de excelência e de referência internacional.

Sobre esta matéria, durante a 13ª Conferência da FORGES realizada no passado mês de Novembro na Universidade Católica Portuguesa de Lisboa, à margem da Conferência, tive a oportunidade de abordar vários assuntos com o Presidente da RACS, Prof. Jorge Conde, e um dos pontos questionados foi sobre o ponto de situação em relação à existência (ou não) de Ordens Profissionais em Timor-Leste.

É certo que as Instituições de Ensino Superior (IES) devem estar habilitadas a formar profissionais com competências científicas e técnicas em determinado domínio do saber, contudo, é minha convicção, o projecto curricular dos cursos deve ser concebido, executado e avaliado, não só pela comunidade académica, mas também com o aproveitamento de sinergias dos stakeholders, onde se incluem as Ordens Profissionais.

A garantia de qualidade da oferta educativa está associada à existência de Ordens Profissionais, entidades de direito público, em representação das várias profissões, não só para serem uma mais valia no processo de concepção dos cursos de graduação, mas também com a principal finalidade de regular o acesso, os princípios e os valores de ordem ética e deontológica para o exercício digno da profissão.

Note-se que as associações, sejam profissionais ou não, estão acauteladas pela própria Constituição de Timor-Leste e, uma das razões que justifica a sua existência é a defesa dos direitos dos cidadãos e do interesse público, através da autorregulação da profissão.

Neste sentido considero que é uma prioridade o IX Governo Constitucional proceder à instituição do regime jurídico aplicável aos diferentes tipos de Associações Profissionais e Ordens, ou seja, há necessidade urgente da criação de um quadro legal orientador para o nascimento das mais diversas Ordens Profissionais com a estipulação das principais regras de organização e funcionamento das mesmas, onde se integrará a Ordem dos Enfermeiros de Timor-Leste e as demais Ordens Profissionais necessárias ao País.

A entrevista a António Costa

Uma entrevista não pode passar disso mesmo. Uma entrevista!

Acontece com regularidade haver uma confrangedora vulgaridade nas entrevistas efetuadas pelos meios de comunicação social a entrevistados escolhidos a olho e entrevistadores com deficits vários.

Não raramente, um qualquer espectador que liga a sua TV, se depara com dois indivíduos que dirimem argumentos, ficando sem saber quem é quem. Ou seja; quem é o entrevistador e, quem é o entrevistado.

E quando no ecrã aparece o usual painel de comentadores de ocasião selecionados a gosto, está o caldo entornado porque, o principio de “cada cabeça sua sentença” é obliterado uma vez que o resultado é sempre a discordância ou a descontextualização daquilo que foi dito pelo entrevistado para passar a vómito de um chorrilho de opiniões pessoais sobre o não dito porque o contexto é desconexo.

Atravessamos um tempo em que a capacitação jornalística não acontece e a matriz linguística sofre atentados recorrentes associados a um comportamento inadequado ao exercício profissional que é exigente e que por isso devia ser responsável. Na informação; na analise; nas abordagens; e, sobre tudo, nas entrevistas.

Os entreteiners fazem falta mas, para isso, há espaços adequados. Não são todos. Muito menos aqueles em que são previamente anunciadas entrevistas.

Assim como não são todos os jornalistas medíocres. Também os há com capacidade identitária na isenção e no respeito pela opinião alheia.

É neste contexto que acontece uma entrevista feita a António Costa, Primeiro Ministro de Portugal demitido, num quadro de interesses obscuros que vão muito para além dos risórios motivos anunciados.

(Escutas a terceiros; dinheiro propriedade de outros; suposta influência que afinal envolvem outros intervenientes; ministros em permanente vigilância com custos que nunca nos serão apresentados redundantes em autênticos fiascos; e outros motivos que colocam alguns funcionários da justiça, ao seu nível superior, na raia do ridículo.)

António Costa em 2015 teve a coragem de afrontar interesses instalados e fazer acordos sibilinos com a direita política que lhe custaram as mágoas e os enxovalhos porque está a passar.

Houvesse matéria consistente e, o Secretário Geral do Partido Socialista seria politicamente crucificado e socialmente espezinhado.

Não houve, nem há,  matéria, e por isso António Costa deixa o Governo de cabeça erguida e com o seu prestigio reforçado por muito que os papagaios que vivem da politica e os seu acólitos o tentem denegrir.

Ajuízam sermos nós,  os Portugueses, todos parvos que engolimos o que nos impingem por não sermos capazes de discernir o certo e o errado e por isso o disco que tocam é sempre o mesmo acusando António Costa daquilo que Passos Coelho fez dando continuidade a politicas neoliberais dos Governos do seu partido.

  • O SNS que querem destruir.
  • A educação que reverteram;
  • O roubo do tempo de serviço aos  professores e demais funcionários públicos.
  • As pensões que congelaram
  • O salario mínimo que minimizaram.
  • A falta de habitação.
  • A juventude que mandaram emigrar,
  • Os subsídios que extorquiram.
  • Os feriados que eliminaram.
  • O desemprego que aumentaram.
  • O macro investimento estrangeiro que menorizaram.
  • A TAP que saldaram.
  • A EFACEC que descartaram.
  • Entre um conjunto de medidas politicas e sociais que delapidaram o Estado e empurraram para a pobreza as populações.

Tudo a pretexto da diminuição da divida publica e de cumprir as imposições do Fundo Monetário Internacional que transcenderam em prejuízo dos cidadãos o que o próprio exigia.

É obvio que num mandato da Geringonça era impossível restaurar tudo aquilo que havia sido destruído e que depois a maioria absoluta do PS para conseguir equilibrar compromissos com o Centro Direita, descambou.

Mesmo assim, António Costa, na entrevista que deu à CNN, deu uma lição superior de estratégia política e de postura de figura de Estado que deixa a anos luz todos os líderes da oposição sendo que, obrigou a que os seus principais rivais tivessem de recorrer ao trivial que não consegue vencer a mediocridade e o baixo nível na argumentação.

Foi uma entrevista em que nada ficou por dizer com um à vontade e uma vontade forte em pugnar por um modelo de Estado Social que dignifica os movimentos Socialistas e seus congéneres em Portugal e no mundo.

A Revista de Contabilidade Pública

O ano de 2023 assistiu à publicação de História da Contabilidade Portuguesa – O Século XX da autoria de Miguel Gonçalves, Márcia Simões, Raquel Ferreira, Cristina Góis(i), trabalho premiado com o Prémio de História da Contabilidade “Martim Noel Monteiro” edição de 2022, no âmbito da APOTEC – Associação Portuguesa de Técnicos de Contabilidade, cuja Presidente- Isabel Cipriano assina um prefácio em que chama a atenção para a metodologia seguida pelos autores, que identificam os “75 mais importantes acontecimentos contabilísticos do século XX” a “cinco níveis: associativo, ensino, literatura, normalização contabilística e profissão”, tendo tido o cuidado de os contextualizarem política, económica e socialmente. O seu trabalho não pode deixar de ser relacionado com o Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Coimbra – ISCAC / Coimbra Business School, do qual Miguel Gonçalves e Cristina Góis são Professores, como se comprova pelo posfácio de Alexandre Gomes da Silva como Presidente do ISCAC e pelas numerosas referências a outros trabalhos no final do livro, entre as quais me chamaram a atenção uma de 2010: “Entrada da contabilidade no ensino superior em Portugal” e outra de 2017 “Síntese cronológica sobre a contabilidade pública em Portugal, seu passado, presente e futuro (1222-2016): revisão da literatura”.

Na capa do livro figura Luca Pacioli, que, explica-nos o livro no Acontecimento 1929 – A Voz do Comércio, Tema ”Literatura”, não foi o inventor do método das partidas dobradas, mas quem o divulgou pela primeira vez em sede de um livro impresso. O meu propósito no presente artigo é tratar o Acontecimento 1940: Revista de Contabilidade Pública, Tema: Literatura.

A Revista de Contabilidade Pública começa a publicar-se a partir de 1940, tendo saído 18 números:

  •  4 de 1940 (Ano I, nºs 1 a 4), 4 de 1941(Ano II, nºs 5 a 8) , 4 de 1942 (Ano III, nºs 9 a 12), 4 de 1943 (Ano IV, nºs 13 a 16), 1 de 1944 (Ano V, nº 17) e 1 de 1945 (Número especial);
  • só os números de 1941, 1942 e 1943 têm a indicação dos meses a que se referem (Janeiro a Março, etc.), o que talvez decorra de inicialmente os responsáveis pela Revista terem acalentado a hipótese de a receptividade que viessem a encontrar permitir a passagem da revista a mensal a partir do terceiro número; no mesmo contexto se fixou o preço de cada número em 5 escudos, valor que se vem a manter até ao final;
  • todos os números têm a indicação de que foram Visados pela Comissão de Censura, estando na altura as Revistas sujeitas à censura prévia;
  • a Redacção e Administração (sede provisória) situa-se, como Aureliano Felismino indicou num dos seus textos já como Director-Geral, na sua residência, ou seja na Rua do Arco do Cego, 71 – 2º, Lisboa, passando a partir do nº 8 (Outubro-Dezembro de 1941) para a Rua de Santa Marta, 61, Lisboa, sede da Direcção-Geral da Contabilidade Pública (DGCP);
  • a partir do nº 11 (Julho a Setembro de 1942) é indicado ser a Revista propriedade da “Sociedade Editora da Revista de Contabilidade Pública, Lda”;
  • quase desde o início a Revista, que não indica a tiragem mas afirma ter os seus leitores disseminados por muitos serviços públicos, insere publicidade, designadamente de equipamentos de escritório;
  • a composição e impressão estiveram sempre a cargo da Bertrand (Irmãos), Lda.
  • o “Corpo Directivo” tem sempre a mesma composição: Albertino Marques, Aureliano Felismino, Carlos Ivo de Carvalho e Darwin de Vasconcelos, e aparece ordenado por ordem alfabética:
  • Albertino Marques figura como Editor em todos os números;
  • a partir do nº 7 (Julho-Setembro de 1941) figura também como “Director responsável” Aureliano Felismino;

A estrutura dos diversos números da Revista ficou mais ou menos fixada como segue:

  • algumas palavras iniciais, em textos não assinados, dos quais alguns, mas nem todos, parecem, quer pelo estilo quer por referências factuais, ser da autoria de Aureliano Felismino;
  • uma “parte especulativa”, integrada por textos de opinião; sobre questões de ordem científica ou profissional;
  • uma rubrica “Panorama”, dando notícias ou comentando acontecimentos;
  • colaborações de Professores, designadamente do Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras (ISCEF);
  • referências a circulares e pareceres da DGCP;
  • fichas de legislação.

A partir de certa altura torna-se necessário explicar que a ordem pela qual os textos aparecem na Revista se deve apenas a critérios editoriais.

Manda uma preocupação de rigorosa exactidão deixar claro que a Revista se foi atrasando quer por contingências da Guerra – e consequente falta de papel para a sua impressão – quer por sobrecarga de trabalho profissional – o seu Director Aureliano Felismino ascendera em meados de 1943 a Adjunto do Director-Geral – de onde o nº 17, de 1944, se ter resumido à recuperação de atrasos nas referências a circulares e pareceres e na elaboração de fichas de legislação e ter sido publicado em 1945, próximo do número especial que celebrou os 30 anos de António José Malheiro como Director-Geral.

Qual a posição profissional dos membros do Corpo Directivo durante o período de publicação da Revista? A Revista não os identifica por categorias detidas na Direcção-Geral, de forma que foi necessário recorrer a outras fontes:

  • Albertino Marques entra como aspirante em 14 de Dezembro de 1931, passa a terceiro oficial em 28 de Março de 1934, a segundo oficial em 13 de Maio de 1937, a primeiro oficial em 28 de Agosto de 1938, a chefe de secção em 30 de Setembro de 1942; ascenderá a Chefe de Repartição em 2 de Novembro de 1955;
  • Aureliano dos Anjos Felismino entra como aspirante em 9 de Julho de 1931, passa a terceiro oficial em 29 de Março de 1934, a primeiro oficial em 28 de Setembro de 1938, a chefe de secção em 8 de Setembro de 1939; publicara em 1936 uns Apontamentos de Contabilidade Pública, e preparava um novo volume com Novos Apontamentos; tomou posse como Adjunto do Director-Geral em 6 de Julho de 1943, em lugar criado nesse mesmo ano por decreto-lei, e que poderia ser preenchido por um Chefe de Repartição, categoria que Felismino não detinha, ou por um chefe de secção licenciado em ciências económicas e financeiras, como era na altura o seu caso; é verosímil que a criação do lugar tenha tido em conta a saúde periclitante do Director-Geral António José Malheiro e que a condição de acesso correspondesse intencionalmente à situação do então chefe de secção;
  • Darwin Maximiano de Vasconcelos entra como aspirante em 9 de Julho de 1931, passa a terceiro oficial em 28 de Julho de 1934, a segundo oficial em 13 de Maio de 1937, a primeiro oficial em 28 de Setembro de 1938 e a chefe de secção em 8 de Setembro de 1939; ascenderá a Chefe de Repartição em 26 de Maio de 1949;
  • Carlos Romero Ivo de Carvalho entra como aspirante em 22 de Setembro de 1930, passa a terceiro oficial em 28 de Março de 1934, directamente a primeiro oficial a 6 de Outubro de 1938, e a chefe de secção em 4 de Agosto de 1942; ascenderá a chefe de repartição em 22 de Agosto de 1947.

Portanto trata-se de gente que ingressou na DGCP em 1930 ou 1931 quando esta se começa a abrir a novas candidaturas posteriormente à Reforma da Contabilidade de 1930 e que ingressa na situação precária de aspirante por, no rescaldo da Reforma Orçamental de 1928, se colocar a hipótese de redução de efectivos a partir do momento em que os funcionários da DGCP concluíssem a elaboração das Contas Gerais do Estado em atraso.

Quais dos quatro seriam licenciados? Os lugares da carreira podiam na altura ser preenchidos tanto por licenciados como por não licenciados e muito raramente a documentação fazia tal distinção. Presumimos que, tal como Aureliano Felismino, Carlos Ivo de Carvalho seja licenciado pois que, tal como ele, por expressa disposição da lei, teve a possibilidade de concorrer directamente de terceiro oficial a primeiro oficial. Darwin de Vasconcelos é referido como “Dr.” na notícia que a Revista publica sobre a tomada de posse de Aureliano Felismino como Adjunto do Director-Geral na qual Albertino Marques usa da palavra em nome do Corpo Directivo da Revista, sendo de notar que este é o que atinge mais tarde a categoria de Chefe de Repartição. E quais terão sido condiscípulos de Felismino no ISCEF? O Regulamento Geral de Protecção de Dados guarda ciosamente esta informação sensível.

Tanto Aureliano Felismino como os seus três colegas publicam artigos na Revista, sendo que no caso de Darwin de Vasconcelos um texto seu terá sido divulgado como separata, não fazendo parte da colecção de números consultável na Biblioteca Central do Ministério das Finanças(iii).

Aureliano Felismino assina “O problema das reposições”, “Conceito de Contabilidade Pública (Arrecadar-Gastar)”, “Nova mentalidade”, “Gastar-Poupar”, “Administração Pública”, “Onde acaba a Ciência das Finanças para começar a Contabilidade Pública”(iv), e “Alguns pequenos temas da profissão” em tom de colóquio com um suposto leitor em que o já adjunto de Director-Geral assina somente “F.”

Para além da publicação de ““Modernas Tendências da Contabilidade Pública” (comunicação dirigida à Sociedade de Ciências Económicas em 30 de Novembro de 1943 pelo sócio efectivo Aureliano Felismino)“ que é feita no número 16, relativo ao último trimestre de 1943, que sai já em 1944.

Já discuti esta comunicação no meu trabalho A Intendência – Geral do Orçamento – História de um Organismo que nunca existiu (1929-1996) e em artigo publicado aqui em 16 de Fevereiro de 2022 1938: Salazar deixa cair a Intendência-Geral do Orçamento. Justifica-se também chamar a atenção para o artigo que tenta delimitar Ciência das Finanças e Contabilidade Pública assinado por alguém que sempre incluiu na Contabilidade Pública o corpo de princípios e regras de execução orçamental.

Outros colegas da DGCP publicam na Revista, como Henrique Daries Louro, Aurélio Guilherme Serra Ferreira, Carlos Libório Barros, Virgílio Rodrigues. São também solicitados artigos a funcionários da Direcção-Geral da Fazenda Pública(v), designadamente sobre património e fluxos financeiros conexos com a execução do orçamento, tendo o Director-Geral António Luíz Gomes, escrito um breve texto de elogio à Revista de Contabilidade Pública: “O papel da Revista de Contabilidade Pública como instrumento de trabalho dos funcionários e auxiliar da Administração”, que será publicado no seu nº 6. Também Joaquim Delgado, chefe de secção da Direcção-Geral do Tribunal de Contas aparece, com outros colegas, a escrever na Revista, ecoando com um artigo “Mentalidade Nova” o artigo “Nova Mentalidade” de Felismino, e assinando uma série de textos sobre provimento de cargos públicos. Já tinha encontrado o seu nome, enquanto Chefe da 1 ª Repartição da Direcção-Geral do Tribunal de Contas, na composição da Comissão Central de Inquérito de Estudo e Eficiência dos Serviços Públicos, criada pelo Decreto nº 38 503, de 12 de Novembro de 1951.

O que o próprio António José Malheiro, Director-Geral da Contabilidade Pública pensava da Revista encontramo-lo publicado no nº 11, talvez em correspondência com informação ao Ministro João Pinto da Costa Leite (Lumbrales), que veio a conceder um subsídio à Revista, à qual também foi concedida isenção de Contribuição Industrial.

No que diz respeito aos Professores do ISCEF foram publicados no nº 1 textos de José Eugénio Dias Ferreira (“A remodelação do Imposto sobre as terras”), de Vitorino Guimarães (“Fixação das despesas públicas (apontamentos para um curso de Contabilidade Pública)”, que não sabemos se terão sido publicados no Instituto. Do nº 6 ao nº 16 vai sendo publicado um trabalho assinado por Vitorino Guimarães intitulado “Contabilidade Pública – Sua origem e evolução em Portugal” (não o localizei no catálogo da Biblioteca do actual ISEG). No nº 6 surge o texto “Duas palavras de homenagem” em que Armando Marques Guedes faz um elogio ao Director-Geral António José Malheiro, essencialmente evocativo do tempo em que, quando foi Ministro das Finanças, o teve sob as suas ordens, mas apesar do que a Revista deixou entrever, não surgirão novos textos.

Dias Ferreira foi o doutorando em Direito de Coimbra cuja reprovação nas provas de 1907 deu origem à crise académica já aqui descrita e terá estado ligado ao Partido Republicano Radical. Marques Guedes foi o último Ministro das Finanças da I República num Governo do Partido Democrático, sendo elogiado por todos, incluindo Franco Nogueira no seu Salazar. Vitorino Guimarães, Ministro das Finanças em vários Governos da I República, chegou a ser Presidente do Ministério. Posteriormente ao 28 de Maio de 1926Terá assinado o aviso às entidades estrangeiras de que só o dissolvido Congresso poderia autorizar o recurso a empréstimos externos. Aureliano Felismino mantinha boas relações com os seus antigos professores e com o Director do ISCEF, Moses Amzalak, que esteve na sua tomada de posse como Adjunto do Director-Geral.

O nº 14 da Revista insere o artigo “O Banco de Portugal e as suas relações com o Tesouro” de António Pedroso Pimenta, Professor do Instituto Comercial de Lisboa, que será em 1945 um dos fundadores da Sociedade Portuguesa de Contabilidade(vi).

A Revista de Contabilidade Pública teve um insucesso marcante quando tentou, com larga publicidade, organizar um concurso de trabalhos de contabilidade pública para o qual, apesar do alargamento de prazo, poucos candidatos enviaram trabalhos. Aureliano Felismino tentou manter a porta aberta para a retomada do projecto da Revista, quando conseguiu que o Governo em 1945 aprovasse a criação do Gabinete de Estudos António José Malheiro, de que um dos fins era “promover, entre os funcionários da Direcção-Geral da Contabilidade Pública, a elaboração de trabalhos da especialidade que poderão ser publicados na ‘Revista de Contabilidade Pública’ ou constituir cadernos de divulgação a editar e a distribuir pelo próprio Gabinete”. Foi gerindo a Direcção-Geral e o Gabinete por forma a que este produzisse, editasse e distribuído numerosos trabalhos. Mas apesar dos apelos que foi repetindo nos quase trinta anos seguintes, nunca se apresentou outra equipa para tomar conta do projecto da Revista e utilizar as dotações inscritas para esse efeito. As circunstâncias que haviam levado ao seu aparecimento eram irrepetíveis.

 

Notas

(i) Edições Almedina.

(ii) Parece um Decreto-Lei com “fotografia”, mas Aureliano Felismino quando em 1947 ascendeu a Director-Geral e teve a possibilidade de indicar os seus adjuntos também não recorreu a Chefes de Repartição, aliás o Adjunto de Director-Geral vencia na altura como Chefe de Repartição.

(iii) Segundo o catálogo da Biblioteca Nacional, alguns dos números da colecção desta não estarão em bom estado.

(iv) Revista de Contabilidade Pública, nº 11

(v) Corresponde à actual Direcção-Geral do Tesouro e Finanças.

(vi) E para a importância de cuja acção Miguel Gonçalves me chamou oportunamente a atenção.

O Bangladesh, cinquenta e dois anos depois

By Ministry of Liberation War Affairs – scanned from the original, CC0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=94859965

Foi no dia 16 de dezembro de 1971 que as forças militares paquistanesas apresentaram a sua rendição ao general indiano Aurora marcando assim o nascimento de uma nova nação no subcontinente indiano.

Pelo caminho terão ficado cerca de três milhões de vítimas de um genocídio levado a cabo pelos militares em colaboração com as milícias islamistas que tinha o duplo objectivo de eliminar a intelectualidade bengali unida na preservação da língua, cultura e história bengali e as minorias religiosas não islâmicas – especialmente a hindu –  presentes no país.

A partição da Índia britânica num Estado confessional muçulmano e um Estado laico de maioria Hindu em 1947 foi uma imensa tragédia para o subcontinente, traduzida no imediato em monumentais massacres e limpezas étnicas que resultaram em cerca de um milhão de vítimas e numa das mais potentes molas do integrismo islâmico cuja ameaça à humanidade não deixou de crescer desde então.

O Paquistão evoluiu rapidamente para um modelo militar islamista onde, entre outras barbaridades, se fez do Urdu – língua baseada no Hindi com fortes influências das línguas dos colonizadores muçulmanos, usada por elites muçulmanas e apoiada pelo colonizador britânico – a única língua oficial do país, abolindo, nomeadamente, o bengali, língua quase exclusiva no Paquistão Oriental.

By Unknown author – http://www.geocities.com/smujib1/ (Another source: http://chandrakantha.com/articles/indian_music/filmi_sangeet/film_song_1975.html), Public Domain, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=9493346

As primeiras eleições democráticas do país, realizadas apenas em 1970, resultaram na vitória por maioria absoluta da Liga Awami de Mujibur Rahman que tinha como principal ponto programático a consagração da língua bengali, e foi como resposta a essa vitória que os militares em aliança com os fanáticos islamistas desencadearam o genocídio.

A diplomacia de Henri Kissinger que, em conivência com a China, tudo fez para apoiar o genocídio, viria memoravelmente a declarar o novel país como um ‘caso perdido’, e durante bastante tempo os factos pareciam dar-lhe razão. O país enfrentou instabilidade política e caos económico. Em 1975, Mujibur Rahman e toda a sua família foram assassinados (salvaram-se os ausentes, como a sua filha na altura em Londres e hoje a Primeiro-Ministro do país) sucedendo-se períodos de governo militar cortando algumas experiências democráticas.

No princípio do século o Bangladesh conheceu um governo dominado pelo BNP – Partido Nacional do Bangladesh – partido conservador que tem as suas raízes num período de dominação militar e tem os islamistas como aliados tradicionais. O país tinha-se tornado, à imagem do Paquistão, num centro de organizações armadas jihadistas.

Como assinalava numa análise publicada em maio de 2009 um dos principais especialistas do terrorismo no Bangladesh, Paul Cochrane, a explosão a 17 de agosto de 2005 quase simultânea (num intervalo de 7 minutos) de 459 bombas em 63 dos 64 distritos do país foi um símbolo maior da capacidade terrorista.

O Governo que começou por usar a habitual mantra de que se tratava de atentados perpetrados pela Índia e Israel, acabou por admitir que não conseguia dominar a pletora de grupos jihadistas que proliferavam no país e que semeavam o terror dentro e fora de fronteiras. De acordo com o sistema que continua a vigorar no Paquistão, o chamado ‘caretaker government’, um governo provisório supostamente técnico que tem como missão exclusiva apenas preparar eleições, o governo BNP, ao terminar o seu mandato em 2006 foi substituído por um governo provisório.

Este, em vez de preparar as eleições em três meses, ficou dois anos no poder e só a custo permitiu eleições de que saiu vitoriosa em 2008 a Liga Awami dirigida pela Sheik Hasina (a filha sobrevivente do fundador do país). O governo foi confrontado, quase de imediato, em 2009, com um golpe militar que conseguiu, no entanto, derrotar.

A 7 de janeiro de 2024 vão-se realizar as quartas eleições desde 2008, com a Awami League no governo.

Nestes quinze anos, a Awami League conseguiu progressos enormes no país. Conseguiu finalmente julgar e sentenciar alguns dos principais responsáveis pelo genocídio islamista de 1971, que eram simultaneamente figuras maiores do integrismo islâmico internacional, conseguiu derrotar e pulverizar a generalidade dos grupos terroristas, laicizou a Constituição, começando uma política activa de protecção da mulher, promoveu um notável crescimento económico, acolheu mais de um milhão de refugiados da Birmânia e preservou o essencial de um regime democrático.

Entre as rosas, há também espinhos. As autoridades contemporizaram com militares e islamistas, cometeram-se abusos, não se conseguiu ultrapassar a cultura de violência política e desenvolveram-se os vícios típicos das longas permanências no poder.

O integrismo islâmico declarou guerra ao país, sendo para mim óbvio que depois da instalação dos Taliban no Afeganistão o seu mais importante objectivo para a Ásia do Sul é a reintrodução do integrismo islâmico no Bangladesh.

O Ocidente continua perdido na sua deriva wokista manipulada pelo islamismo e tem-se limitado a apoiar a agenda islamista financiada pelo Qatar que quer ver o Bangladesh reconduzido de novo aos caminhos do integrismo islâmico.

A incompatibilidade do islamismo com um sistema humanista e democrático foi demonstrada vezes sem conta nas últimas décadas e não é preciso fazer qualquer experiência no Bangladesh para voltar a confirmá-lo.

O caminho a percorrer começa pela denúncia e isolamento das redes islamistas dirigidas a partir do Qatar e do Irão e a construção de uma plataforma que assente no secularismo, entendido como a aceitação de toda a religião na medida em que toda a religião aceite não ser seguida por todos, no Estado de direito, nas regras democráticas e no humanismo.

A mecânica dos mercados | A crise ainda não acabou

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Em fim de ano e em jeito de balanço, apesar das guerras e da crise política nacional, recordo a agitação que varreu o sector financeiro (particularmente o norte-americano), e a notícia do início de Maio que, confirmando que o banco norte-americano JP Morgan ia comprar activos do First Republic Bank reacendia a questão da real situação dos sistemas financeiros, e me levou a reler uma análise escrita por Michael Hudson por alturas da falência do Silicon Valley Bank, num artigo a que aludi aqui no TORNADO e que pensei agora detalhar melhor.

Porém, talvez seja mais correcto (e honesto) deixar falar o autor de obras como «J is For Junk Economics» e «Killing the Host – How Financial Parasites and Debt Bondage Destroy the Global Economy» – onde expõe como os sectores financeiro, dos seguros e imobiliário (o grupo FIRE, sigla inglesa para “finance”, “insurance” e “real estate”) ganharam o controlo da economia global à custa do capitalismo industrial e dos governos que lhes asseguraram um estatuto fiscal favorecido que inflaciona os preços imobiliários enquanto deflaciona a economia “real” do trabalho e da produção, como os resgates salvaram os bancos mas não as economias e como as políticas de austeridade desviam riqueza e rendimento para o sector financeiro, enquanto empobrecem a classe média – e limitar-me a traduzir o referido artigo:

A Mecânica do Mercado de Títulos e o seu Impacto na Crise Bancária

Por Michael Hudson – 15 de Março de 2023

Por que a crise bancária ainda não acabou

As falências de Silvergate, Silicon Valley Bank, Signature Bank e as insolvências bancárias relacionadas são muito mais sérias do que a crise de 2008-09. O problema naquela época eram os bancos desonestos que faziam empréstimos hipotecários ruins. Os devedores não conseguiam pagar e estavam em incumprimento, descobrindo-se que os imóveis que eles haviam dado como garantia estavam sobrevalorizados de forma fraudulenta, hipotecas lixo feitas por avaliações falsas do preço real de mercado das propriedades e dos rendimentos dos mutuários. Os bancos vendiam esses empréstimos a compradores institucionais, como fundos de pensões, caixas económicas alemãs e outros compradores ingénuos que acreditavam na “banha da cobra” neoliberal de Alan Greenspan e que os bancos não os enganariam.

Os investimentos do Silicon Valley Bank (SVB) não apresentavam esse risco de incumprimento. O Tesouro pode sempre pagar, simplesmente imprimindo dinheiro, e as principais hipotecas de longo prazo cujos pacotes o SVB comprou também eram solventes. O problema é o próprio sistema financeiro, ou melhor, o quadro em que o Fed pós-Obama transformou um sistema bancário que não consegue escapar aos seus 13 anos de Quantitative Easing sem reverter a inflação dos preços dos activos e fazer com que títulos, ações e imóveis baixem o seu valor de mercado.

Por outras palavras, resolver a crise de iliquidez de 2009, que salvou os bancos de perder dinheiro (à custa de sobrecarregar a economia com enormes dívidas), abriu caminho para a crise de iliquidez profundamente sistémica que só agora se está a revelar. Não deixar de lembrar que apontei a sua dinâmica básica em 2007 (na revista Harpers) e no meu livro de 2015 «Killing the Host».

Ficções contabilísticas versus realidade de mercado

Não havia riscos de insolvência para os investimentos em títulos do governo ou pacotes de hipotecas de longo prazo que o SVB e outros bancos compraram. O problema é que a avaliação de mercado dessas hipotecas caiu como resultado do aumento das taxas de juros. O rendimento dos juros sobre títulos e hipotecas comprados há alguns anos é muito menor do que o disponível nas novas hipotecas e nos novos títulos do Tesouro. Quando as taxas de juros sobem, esses “títulos antigos” descem de preço para ajustar o seu rendimento para os novos compradores de acordo com as taxas de juros crescentes do Fed.

Desta vez trata-se de um problema de avaliação de mercado não de uma questão de fraude.

O público acaba de descobrir que o quadro estatístico que os bancos apresentam sobre os seus activos e passivos não reflecte a realidade do mercado. Os contabilistas bancários podem precificar os seus activos pelo “valor contabilístico” com base no preço que foi pago para adquiri-los – sem levar em consideração o valor actual desses investimentos. Durante o boom dos preços dos títulos, das acções e dos imóveis, nos últimos 14 anos, subvalorizou-se o ganho real que os bancos obtiveram quando o Fed baixou as taxas de juros para aumentar os preços dos activos. Mas esse Quantitative Easing (QE) terminou em 2022, quando o Fed começou a apertar as taxas de juros para desacelerar os ganhos salariais.

Quando as taxas de juros sobem e os preços dos títulos caem, os preços das acções tendem a acompanhá-los, mas os bancos não precisam reduzir o preço de mercado dos seus activos para reflectir esse declínio se simplesmente mantiverem em carteira esses títulos ou hipotecas. Eles só precisam revelar a perda no valor de mercado se os depositantes sacarem o seu dinheiro e o banco realmente tiver que vender esses activos para reunir o dinheiro necessário para lhes pagar.

Foi o que aconteceu no Silicon Valley Bank. Na verdade, tem sido um problema para todo o sistema bancário dos EUA. O gráfico a seguir vem do Naked Capitalism, que acompanha diariamente a crise bancária:

A seguir veremos como Michael Hudson retrata os erros cometidos e as perspectivas para o sector financeiro.

 

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Séries Morning Show e Uma Questão de Química mostram mulheres no trabalho

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Duas excelentes séries de televisão no ar agora na Apple TV+ centram nos maus tratos das mulheres no trabalho. The Morning Show e Uma Questão de Química brilham uma luz forte na tela pequena sobre como nossa sociedade trata metade de sua população.

A vencedora da Academia Brie Larson está soberba como a frustrada química Elizabeth Zott, de Uma Questão de Química. A carreira de Zott é repetidamente subvertida por seus colegas homens. A vítima de agressão sexual, abjeta discriminação de gênero, e roubo trabalhista, a personagem de Larson corta o anti mulher do meio do século XX mais do que persiste hoje. Ela é mais esperta e trabalha melhor do que seus colegas homens para ser bem-sucedida, apesar das grandes probabilidades em um campo seriamente distorcido.

A performance de Larson chega às bordas do sem sentido, resolução direta de problemas. Sua graça e inteligência inflexível comandam a tela. Quando confrontada por um chefe hostil, ela rebate seu mansplaining condescendente observando que “Os homens sempre tentam explicar e se espera que as mulheres sentem e ouçam… Na minha experiência, as pessoas não apreciam o trabalho e o sacrifício que vai em ser uma mãe, uma esposa, e uma mulher”.

Uma Questão de Química de Larson é uma tomada sábia, pungente, muitas vezes engraçada, e sempre divertida sobre como confrontar estereótipos misóginos que ainda atormentam nossa sociedade. Quando Larson sai de seus interesses para ajudar seu vizinho em protestos de desobediência civil contra o desenvolvimento de rodovia divisiva, ela mostra como mesmo Elizabeth Zott aprende enquanto ensina, usando sua plataforma para o bem público.

Mas, Brie Larson não apenas joga assim na televisão. Como uma atriz, ela constantemente usa sua plataforma de celebridade para divulgar questões políticas, servindo como uma porta-voz para a igualdade de gênero e contra o abuso sexual. Foi Larson que contratou o produtor Lee Eisenberg para desenvolver o romance homônimo de Bonnie Garmus na série Uma Questão de Química. Como ela disse ao The Times em 2017, “Eu colocaria tudo em risco e seria uma ativista pelo resto de minha vida porque não parece certo para mim ficar quieta”.

The Morning Show mostra uma luta mais tradicional, mas não menos efetiva contra os esforços para controlar as mulheres no local de trabalho. A série se beneficia grandemente da forte atuação de Reese Witherspoon, Jennifer Aniston, Steve Carrell, Jon Hamm, Greta Lee, Billy Crudup, Gugu Mbatha-Raw, e Marcia Gay Harden. Grandes atores engajados em batalhas de alto risco supervisionando uma importante indústria! Pode ser perdoada por ocasionalmente desviar para floreios hiper-dramáticos no estilo de Succession. A maior parte dos crescendo de novela realmente funciona!

Para seu crédito, a série se esforça para ser atual cobrindo uma alta gama de questões, de igualdade de gênero a direitos reprodutivos, para a voz das mulheres nas tomadas de decisões do local de trabalho. Alcançando essas questões, a série ousadamente toma uma posição do lado do progresso.

Mas, os talentos do elenco e alguma escrita excelente não podem sempre ignorar no papel uma crítica mais direta da verdadeira estrutura do capitalismo corporativo. Os players aceitam muito facilmente o molde do negócio de transmissão no qual eles estão engajados. O opulento estilo de vida das personalidades da televisão ricas muito frequentemente substituem seus problemas emocionais profissionais de alto nível por uma consideração mais existencial das lutas dos trabalhadores. As estrelas do The Morning Show nunca são confrontadas com a luta da química desempregada Elizabeth Zott por abrigo e comida enquanto cria sua filha como mãe solteira.

As duas séries focando no trabalho variando de sofisticado a questões simples, mas fundamentais nos fornecem receitas de entretenimento para mudança. Como a Elizabeth Zott de Brie Larson, uma química transformada em apresentadora de programa de culinária, observa: A batata é o carro-chefe da cozinha, e eu fico com a batata! “Cozinhar é química e química é vida. Sua habilidade de mudar tudo incluindo você mesmo começa aqui”!

A televisão é mais culturalmente gratificante quando ela nos dá modelos e um ponto de partida para mudança social real.


por Michael Berkowitz, Veterano dos direitos civis e movimentos anti-guerra. Ele foi um Consultor de Planejamento de Uso de Terra para o governo da China por muitos anos. Ele ensinou chinês e história americana no nível superior, trabalhou com a Organização de Direitos de Bem-Estar Social do Leste de Kentucky com mineiros, e foi um oficial do SEIU | Texto em português do Brasil, com tradução de Luciana Cristina Ruy
Fonte: Peoples World

Exclusivo Editorial Rádio Peão Brasil / Tornado

Negociação Coletiva, direito fundamental do trabalho

A valorização da negociação coletiva fortalece a democracia porque, por meio do diálogo social, trabalhadores, empresas, organizações do terceiro setor e governantes tratam de interesses e conflitos que estão presentes na repartição do produto econômico do trabalho de todos, fixando os pisos, reajustes e aumentos dos salários, as formas de contratação, os benefícios para o transporte coletivo, para a creche, a educação e a formação profissional, jornada de trabalho e horas extras, entre tantos outros itens que compõem um acordo ou uma convenção coletiva.

A Organização Internacional do Trabalho trata do “direito de sindicalização e de negociação coletiva” na Convenção 98, aprovada em 1949, na 32ª reunião da Conferência Internacional do Trabalho realizada em Genebra. O Brasil a ratificou em 1952, há 71 anos.

Essa é uma das cinco categorias que integram os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho: liberdade sindical e o reconhecimento efetivo do direito à negociação coletiva; a eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório; a abolição efetiva do trabalho infantil; a eliminação da discriminação em relação ao emprego e à ocupação; o direito à segurança e saúde no trabalho.

Por que a Convenção 98 trata simultaneamente de direito de sindicalização e de negociação coletiva? Primeiro, porque a negociação coletiva se processa por meio da representação coletiva realizada pelo sindicato. Cabe, portanto, ao sindicato promover sua real capacidade de representação e representatividade, que são expressas pela cobertura sindical efetiva correspondente ao contingente de trabalhadores protegidos por acordos ou convenções coletivas e pela sindicalização. Segundo, porque para cumprir sua missão o sindicato deve ter autonomia em termos de organização, deliberação e financiamento.

Infelizmente, são recorrentes iniciativas de empresas e governos para desqualificar as negociações coletivas e, principalmente, para impedir a sindicalização ou o trabalho de base do sindicato.

Por isso a Convenção 98 da OIT afirma que  “os trabalhadores deverão gozar de proteção adequada contra quaisquer atos atentatórios à liberdade sindical em matéria de emprego”, tais como, “subordinar o emprego de um trabalhador à condição de não se filiar a um sindicato ou deixar de fazer parte de um sindicato; e dispensar um trabalhador ou prejudicá-lo, por qualquer modo, em virtude de sua filiação a um sindicato ou de sua participação em atividades sindicais, fora das horas de trabalho ou com o consentimento do empregador, durante as mesmas horas”.

Para garantir a autonomia do direito de organização sindical a Convenção 98 afirma que “as organizações de trabalhadores e de empregadores deverão gozar de proteção adequada contra quaisquer atos de ingerência de umas e outras, quer diretamente, quer por meio de seus agentes ou membros, em sua formação, funcionamento e administração”. É muito clara a definição de atos de ingerência ao afirmar que são “medidas destinadas a provocar a criação de organizações de trabalhadores dominadas por um empregador ou uma organização de empregadores, ou a manter organizações de trabalhadores por outros meios financeiros, com o fim de colocar essas organizações sob o controle de um empregador ou de uma organização de empregadores”.

Assentada na autonomia sindical, a OIT afirma que “deverão ser tomadas, se necessário for, medidas apropriadas às condições nacionais, para fomentar e promover o pleno desenvolvimento e utilização dos meios de negociação voluntária entre empregadores ou organizações de empregadores e organizações de trabalhadores com o objetivo de regular, por meio de convenções, os termos e condições de emprego”.

Nesse sentido, a Constituição Federal do Brasil delega aos sindicatos dos trabalhadores o poder de representação coletiva para celebrar acordos coletivos com as empresas, ou convenções coletivas com a representação setorial dos empregadores que, em nosso país, também é designada de sindicato (p.ex. sindicato da indústria, sindicato do comércio).

Em nosso país a sindicalização é livre e, portanto, ninguém é obrigado a se filiar a um sindicato. Entretanto, de forma correta e moderna, a legislação determina que um acordo ou convecção coletiva tem efeito universal para aqueles que estão no âmbito de representação. Isso significa que todos/asos/as trabalhadores/as, sócios e não sócios do sindicato, são abrangidos, protegidos e beneficiados pelas regras contidas no instrumento coletivo. Do mesmo modo, todas as empresas e organizações que participam do âmbito negocial estão vinculadas ao cumprimento e benefícios do que foi pactuado.

A legislação é cristalina no papel de representação coletiva dos sindicatos, no amplo poder da negociação coletiva e na autonomia para construir sua representatividade. Até por isso, o Supremo Tribunal Federal corrigiu uma gravíssima distorção contida na reforma trabalhista de 2017, consignada na Lei 13.467, que tirou a responsabilidade dos todos os beneficiados pelos acordos e convenções coletiva de financiar a sua representação nos processos negociais conforme deliberado em assembleia.

O STF define que, com o fim da contribuição sindical, comumente denominada de imposto sindical, que era paga por todos para financiar o sistema sindical, é correto que uma contribuição destinada a financiar a representação no processo negocial seja aportada por todos os beneficiados.

A base de toda a deliberação relacionada ao processo negocial é coletiva, realizada por meio de assembleias e de consultas estruturadas, momento no qual se renovam as delegações de representação ao sindicato para um processo negocial concreto. São as assembleias que definem a pauta que será apresentada, analisam e deliberam pela aprovação ou rejeição das propostas vindas das mesas de negociação e, em algum momento, definem pela celebração de um acordo ou convenção coletiva concreto. Portanto, a representação coletiva tem nas assembleias o espaço de deliberação sobre todas as regras e normas que irão reger as relações de trabalho por um período.

O nosso sistema sindical e de relações de trabalho, que é bem estruturado, está desafiado a responder às profundas mudanças no sistema produtivo e no mundo do trabalho. Considerando a velocidade, a intensidade e a extensão dessas transformações, somente a negociação coletiva será capaz de tratar dos novos problemas e desafios, construindo soluções e normas em tempo real. Para que acordos e convenções gerem segurança para todos diante de problemas complexos e inéditos, é fundamental que os processos negocias sejam bem estruturados e permanentemente valorizados.

Por isso, as Centrais Sindicais apresentaram propostas para incentivar e valorizar a negociação coletiva. A criação de um Conselho Nacional de Promoção da Negociação Coletiva, com participação tripartite, visando ao cuidado permanente da negociação coletiva, em todos os âmbitos, apoiando formas de articulação e coordenação dos espaços e âmbitos negociais, desenvolvendo instrumentos de mediação e arbitragem, observando a diversidade setorial, territorial e de tamanho de empresa, bem como estimulando a negociação coletiva no setor publico.

Não se deve temer a negociação coletiva. Aqueles que a realizam com boas práticas, a valorizam, a defendem e a promovem. Quem vivencia a negociação coletiva conhece sua importância estratégica para um sistema de relações de trabalho moderno.


Texto em português do Brasil

Como enfrentar a censura institucional

No passado dia 30 de novembro Michael Shellenberger fez a sua segunda deposição deste ano junto da subcomissão sobre a ‘instrumentalização do governo’ (melhor forma que encontro para traduzir ‘weaponization of government’) da Comissão de Justiça do Congresso dos Estados Unidos, trazendo a público crescente e volumosa documentação sobre a construção de uma vasta rede de agências governamentais (nomeadamente de defesa e dos serviços de informação), redes sociais e empresas que se organizam para censurar a livre opinião, na verdade para também produzir desinformação, e que ele denominou de ‘Complexo Industrial da Censura’. É um grande tema da actualidade que não existe na comunicação social, exactamente porque esta está integrada nesse complexo.

Shellenberger começou com os dossiers sobre o Twitter e o Facebook e está agora a começar a divulgar os dossiers da ‘Liga dos Serviços de Informação sobre as Cyber Ameaças’ (Cyber Threat Intelligence League), uma organização cuja existência se tornou pública com a campanha covidista mas que Schellenberger data do alarme do ‘Estado Profundo’ com a eleição de Donald Trump e da aprovação do BREXIT, a partir de 2017.

A minha investigação sobre o tema aponta para que o projecto estivesse já claramente em marcha pelo menos em 2015, sendo que, na altura, é a tecnológica Google que aparece no seu centro. Mais importante do que isso, é para mim a conjugação de mecanismos de desinformação aos da censura e, acima de tudo, a presença de agentes islamistas – nomeadamente um operacional do regime iraniano – na montagem do sistema.

A análise de Shellenberger é tipicamente americana, centra-se na defesa da liberdade de expressão e na cidade de limitar o poder do Estado e não olha para o prolongamento do complexo para fora das fronteiras americanas, o que não lhe permite também ter em conta os mecanismos de influência extra-americana no interior dos EUA.

Como o indica a designação escolhida de ‘complexo industrial’ a ideia fundamental é a de aplicar à censura a mesma lógica com que foi visto o ‘complexo militar industrial’, em que o negócio das empresas especializadas em equipamento militar tende a ser visto de forma unidireccional como a mola para as decisões militares.

Penso que se trata de uma forma simplista e sujeita a derrapagens conspiracionistas de olhar para a questão, e que é necessário alargar os horizontes e olhar com mais detalhe para as interacções entre os vários componentes do complexo para tirar conclusões. No que foi a mais complexa e impressionante operação do complexo da censura – a manipulação da psicose viral – a lógica dominante foi a do negócio das vacinas, e nos episódios populistas da eleição de Trump e da aprovação do BREXIT, estivemos perante as máquinas de segurança alarmadas pela capacidade real ou suposta de manipulação interna por inimigos externos.

Estas duas lógicas que (a par da climatomania) dominaram o complexo em fases distintas têm provavelmente vários pontos em comum, a começar pelas redes operacionais que as desenvolveram, que foram largamente as mesmas, mas não podem ser vistas como emanando de um plano único.

A intervenção externa para aproveitar problemas internos, promovendo a desestabilização, especialmente através da polarização tóxica, é real, e de resto sempre aconteceu, sendo necessário fazer-lhe face no domínio das estratégias de informação, pelo que não penso que se deva condenar toda e qualquer acção das máquinas de segurança estatal neste domínio.

Da mesma forma, a influência de interesses privados junto das instituições públicas – o chamado lobbying – é também ela inevitável, e a questão não se resolve com a sua proibição, mas antes com um sofisticado sistema de controlo de conflitos de interesses num sistema de equilíbrios e controlos dos vários poderes estatais. Como vimos recentemente em Portugal, o argumento da influência foi mesmo usado para realizar um verdadeiro golpe de Estado.

O principal problema tal como eu o vejo é antes a explosão das várias formas existentes nos EUA e na generalidade das democracias de controlar os abusos de poder e a manipulação de mecanismos públicos por interesses privados usando, nomeadamente, o argumento de que o ciberespaço é um domínio novo no qual a velha arquitectura não se aplica.

Essa situação que permitiu a captura das instituições públicas por interesses privados e, bastante pior, pelos piores inimigos do sistema democrático que são os jihadistas, foi propiciada por este estado de coisas e coloca em perigo os valores das nossas sociedades humanitárias.

O que precisamos é de voltar ao que são os pilares de um Estado de direito de base democrática e de controlos e equilíbrios entre as várias formas de poder.

A Índia rumo a um novo capítulo da globalização

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Quem acompanhe a realidade internacional, para lá das grandes manchetes da comunicação social, já terá começado a vislumbrar que uma reorganização multipolar do mundo é inegável e inevitável. A realidade está além de um simples confronto dos EUA com a China e mesmo quem fala de uma polarização Leste-Oeste está normalmente a referir-se à mesma dualidade, apena sob outra designação.

Os especialistas ocidentais centram os seus comentários ora numa guerra EUA-China, ora no anúncio do fim da China, talvez na expectativa de levar o investimento ocidental a abandonar o Império do Meio, mas esquecem que contrariamente ao propalado pelos dirigentes políticos ocidentais essa mudança não se poderá traduzir num retorno aos territórios de origem, local onde essa reindustrialização enfrenta inúmeras dificuldades de natureza financeira, ambiental e social. Os custos dessa nova deslocalização obrigam à escolha de outro destino em tudo igual ao que levou à sua prévia orientação para território chinês.

Agora, como então, o que as grandes multinacionais procuram é uma economia com forte potencial de crescimento, uma regulamentação fraca ou facilmente manipulável em seu benefício e vastas quantidades de mão-de-obra barata e dócil. Neste cenário o alvo preferencial pode muito bem ser a grande e populosa Índia.

Parece assim inevitável que estamos em vias de assistir à repetição do processo iniciado na década de 1990 que levou à rápida industrialização da China e a assistirmos nos próximos anos à transformação da Índia de poder regional em poder global, arrastando o resto das economias emergentes no seu encalço e obrigando ao reconhecimento geral da nova realidade que será a formação de um novo mundo multipolar, com o senão deste processo poder originar muito maior instabilidade, seja pelas contradições e clivagens internas, seja pelas inevitáveis tentativas ocidentais para torpedear o processo, seja pelo recrudescimento das óbvias tensões com o seu vizinho chinês.

Á explosão do “made in China” deverá seguir-se a do “made in India”, em consequência de uma estratégia anglo-saxónica alimentada por uma política anti-chinesa que atrairá para o seu seio um bom número de empresas que ali repetirão o processo de transferência de ganhos para o ocidente, tanto maior e mais fácil quanto a nomenclatura indiana se encontra muito mais permeável aos cantos de sereia dos capitais ocidentais que a congénere chinesa.

A confirmar-se esta tendência, o próximo ano deverá constituir a primeira etapa nesse sentido com a realização de eleições na Índia e em vários outros países (EUA, Rússia, África do Sul, Indonésia, Coreia do Sul, Taiwan, Turquia, entre outros) que representando quase metade da população mundial poderão originar um choque político global. Para já perspectiva-se uma fácil vitória do actual primeiro-ministro, Narendra Modi, que concorre ao seu terceiro mandato como líder do BJP (Bharatiya Janata Party ou Partido do Povo Indiano, é um partido político da Índia fundado em 1980, um dos dois principais partidos indianos, a par com o seu grande rival, o Congresso Nacional Indiano; de tendência conservadora, mas defensor de políticas económicas liberais é, desde 2019, o maior partido político do país em termos de representação parlamentar) e em coligação com o NDA (centro-direita) detém a maioria absoluta no parlamento indiano.

Tudo indica que, sob a liderança de Modi, a Índia se dirija para a vanguarda do cenário geopolítico mundial como contrapeso ao poder chinês, mas a grande dúvida sobre a sua real eficácia prende-se com as suas reconhecidas assimetrias. A Índia é um vasto território com um grau crescente de urbanização, mas com graves disparidades sociais (onde continua a imperar um sistema rígido de castas), linguísticas (o número de línguas e dialectos ultrapassa os 1.500), religiosas (embora quase 80% dos indianos seja hinduísta, existem ainda budistas, jainistas e siques, além de cerca de 15% de muçulmanos e de 2% de cristãos) e de alfabetização (Biar, o estado menos alfabetizado, apresenta uma taxa inferior a 50% quando o mais alfabetizado, Kerala, ultrapassa os 90%), factores que em conjunto com as assimetrias económicas fazem da Índia um dos países com maiores desequilíbrios na distribuição da riqueza (Kerala, por exemplo, é um dos estados mais desenvolvidos em termos económicos e culturais e de maioria muçulmana, enquanto Biar se encontra entre os mais pobres e atrasados e é maioritariamente hindu) o que gera frequentes tensões entre as regiões e os seus naturais.

Em contrapartida o Ocidente precisa de garantias sobre a compatibilidade com uma Índia renovada, o que não será fácil pois esta continua a apresentar-se como uma figura emblemática do espírito de não-alinhamento da Conferência de Bandung (o termo “não-alinhamento” surgiu em 1954 pela iniciativa indiana de Nehru) e o actual chefe de governo, o nacionalista Narendra Modi, não foge a esta regra e tem o cuidado de continuar a tentar manter boas relações com o Ocidente, a Rússia e até a China, apesar do nacionalismo indiano manter um forte sentimento anti-chinês e o recente conflito na Ucrânia estar a condicionar fortemente o princípio do não-alinhamento.

Numa panorâmica global onde os EUA se esforçam na preservação da sua lógica imperial que mantém a UE a ela manietada e que a leva a fechar-se sobre si mesma, com um Médio Oriente em relativa ebulição, uma China que, após décadas de desenvolvimento frenético, se ajusta à nova realidade de uma velocidade de crescimento mais reduzida e uma Rússia que resiste e actua no sentido da reorganização dos seus fluxos comerciais e financeiros, restam uma África que tem na sua resiliência o melhor trunfo para o seu futuro e uma América Latina, que se esforça na busca de um novo rumo, mas continua assombrada pelos seus velhos demónios… é de prever que a Índia se venha a transformar, nos próximos anos, de poder regional em império global, arrastando o resto do mundo emergente no seu rastro e forçando o reconhecimento da realidade de um novo mundo multipolar, num processo não isento de percalços, entre manipulações ocidentais e tensões com esse outro império global que é o vizinho chinês.