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Quinta-feira, Abril 25, 2024

As consequências econômicas do Brexit

João Ricardo Costa Filho
João Ricardo Costa Filho
Professor do Mestrado Profissional em Economia da Fundação Getúlio Vargas/EESP e Professor da Faculdade de Economia da FAAP

O ano de 2016 trouxe algumas realidades impensáveis (outrora chamadas de impossíveis). Um improvável candidato concorrendo contra o establishment norte-americano e contra o seu próprio partido ascendeu ao posto de comando do executivo dos EUA. No mesmo ano, no final de junho, o Reino Unido optou pela saída da União Europeia, outro desfecho que diversos analistas não consideravam no cenário base. O chamado ‘Brexit’ nem havia começado de fato e os mercados já começaram a antecipar os seus efeitos. Mas que efeitos são esses?

O mundo ficou mais pobre

Deixando de lado considerações (geo)políticas da decisão, a atabalhoada manobra populista ao colocar um referendo cujo resultado fora obtido através de uma maioria simples, em apenas um único turno, impactou negativamente não só a vida daqueles que foram às urnas manifestar as suas preferências, mas também a de diversos outros países e – por que não? – do mundo.

A área de livre comércio foi desenhada para que os países se beneficiassem do comércio internacional. Comprar melhor e mais barato aquilo que você não é bom em produzir; vender aquilo no qual possui uma vantagem comparativa. Ao deixar a União Europeia, o Reino Unido abre mão dos benefícios que as trocas de bens e serviços trazem à economia.

Um Reino Unido que cresce menos impulsiona menos outros países do mundo. Por isso afirmo que o mundo está mais pobre no que se refere ao potencial de crescimento global. A “velocidade” de cruzeiro que o mundo poderia experimentar sem gerar desequilíbrios (o que os economistas chamam de crescimento potencial) tanto de quem deixa a União Europeia, quanto dos outros países do globo, diminui.

Mas não é somente em relação ao comércio que eles perdem.

Os ingleses estão chegando

A União Europeia também servia para reforçar o protagonismo do Reino Unido em duas outras áreas: finanças e educação. Desde a Revolução Industrial o mercado financeiro vem acompanhando (e impulsionando) o progresso tecnológico. Com o Brexit, algumas instituições financeiras já se posicionaram dizendo que irão alterar as suas estruturas e remover funcionários e escritórios da City para outro local na Europa. A possibilidade de aumento nos custos de transação (já que agora os bancos terão não somente as regras da União Europeia, mas também as do Reino Unido para respeitar) pode fazer com que os recursos ingleses busquem outros destinos. Frankfurt é uma forte candidata.

Mas se há a possiblidade de trocar o protagonismo de Londres pelo de Frankfurt, não haveria algum tipo de compensação para contrabalançar os impactos negativos no crescimento econômico? Talvez. Mas lembre-se que i) há custos para essa realocação e ii) agora o capital que faz uma parada no Reino Unido deve obedecer a novas regras (o que gera novos custos). Ou seja, recursos que outrora poderiam ser destinados para atividade produtiva e que impulsionariam o crescimento econômico serão gastos para transpor barreiras que nos deixam na mesma situação. Para compensar, os alemães teriam que ser muito mais eficientes que os ingleses justamente naquilo que estes fazem de melhor. Aguardemos.

Fuga de cérebros?

Outro ponto importantíssimo para o Reino Unido: ensino e pesquisa. As universidades da região são reconhecidamente de excelência e usufruem da facilidade da mobilidade da mão-de-obra. Seja porque podem atrair os melhores alunos e/ou os melhores professores, ou porque podem colocar seus alunos e seus professores facilmente em contato com a fronteira da ciência através de seminários dentro e fora do Reino Unido. Isso tudo será muito mais difícil. De novo, é possívelque outros países se beneficiem do êxodo/não entrada de estrangeiros nessas instituições.

Sabemos que o que explica a diferença na riqueza das nações no longo prazo é o progresso tecnológico. E sabemos também que a pesquisa e o ensino contribuem diretamente para isso. Desestimular uma região que já possui certa tradição na área é fazer com que, de maneira “espalhada”, o capital humano procure outros portos. Isso pode ter consequências negativas, já que todos eles num mesmo lugar poderiam gerar ganhos de escala e escopo. Novamente, isso pode ser compensado com aumento de produtividade em outros centros. Será?

Não só nas universidades estão os cérebros (e os braços) que tanto necessita o Reino Unido. Os imigrantes compõem uma importante parte da força de trabalho em outros mercados que não apenas finanças e ensino/pesquisa. A saída de uma área de livre circulação de pessoas faz com que o acesso a esse fator de produção seja mais escasso. Produtos intensivos em trabalho devem ser prejudicados, diminuindo o bem-estar social, bem como o crescimento potencial da região.

Nem tudo são perdas

Toda escolha contrasta benefícios e custos. O Reino Unido ao sair do Brexit poderá se ver livres de certas amarras regulatórias, o que poderia impulsionar o centro financeiro de Londres e desestimular a saída do capital (parte ao menos). Além disso, o governo poderá dar outros destinos às contribuições que fazia à União Europeia, investindo em setores que podem impulsionar o crescimento econômico. Ademais, a liberdade auferida com o “divórcio” europeu também possibilita novos acordos comerciais, atenuando (ou até mesmo revertendo) os possíveis efeitos negativos no balanço de pagamentos.

Finalmente, há quem argumente que uma política de imigração baseada nas habilidades que a região mais necessita deixaria de prejudicar parte do fluxo de imigrantes.

Manter os amigos ou os inimigos por perto?

A saída da União Europeia ocorre quando algum membro recorre ao artigo 50 do Tratado de Lisboa. As regras são definidas pelos que permanecerem. Há quem diga que o Reino Unido poderia negociar um novo tipo de aproximação com a União Europeia, mais vantajosa inclusive. É possível. Mas a saída do Reino Unido também servirá como sinalização. Se as regras forem brandas demais, diminuem os custos de permanência e novos países podem ponderar e decidir pela saída. Um êxodo mais massivo poderia, inclusive, estimular o fim da união. É um cenário improvável. Mas 2016 foi o ano dos cenários improváveis e isso assusta.

Se as regras forem duras demais, a retaliação a uma economia como a do Reino Unido pode prejudicar a própria União Europeia, já que irá impactar negativamente um de seus parceiros comerciais. Um dilema complicado. Em geral, as soluções se encontram mais facilmente no meio do caminho, provavelmente pendendo para o lado das medidas duras.

O velho continente, marcado por confrontos de proporções mundiais e cuja recuperação da maior crise financeira desde a Grande Depressão está somente agora ganhando corpo, terá (mais um) enorme desafio pela frente. Além das questões demográficas que já diminuem o crescimento da região, escolhas equivocadas comprometem o futuro da Europa e do mundo.

Texto original em português do Brasil

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