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Quinta-feira, Abril 25, 2024

As mulheres, o futebol e… o cinema

José M. Bastos
José M. Bastos
Crítico de cinema

Longe vão os tempos em que os estádios de futebol cá do sítio eram frequentados quase exclusivamente por homens. Apesar de isso ter acontecido há cerca de meio século, recordo-me bem de ir ao domingo às Antas, de calções e pela mão do meu pai e de, ao passar na Praça Velasquez, ver as senhoras sentadas aos pares dentro dos automóveis enquanto os maridos tinham ido ver a bola. Todas de agulha na mão e a encolher linha. Imagino que tivessem conversas deste tipo: O Rosinha, veja este naperon que estou a fazer. Comecei-o no Porto-Setúbal. Vou ver se o acabo daqui a quinze dias quando “viermos ver” o jogo com a Académica…”

Entretanto, com a passagem do tempo e com alterações muito significativas do nosso viver em sociedade, as pouquíssimas mulheres que iam assistir aos jogos passaram a ter, cada vez mais, companhia feminina na bancada.  E assim chegámos aos nossos dias em que, apesar de as condições de segurança deixarem muito a desejar, a presença de mulheres nos estádios passou a ser algo completamente normal. E das bancadas para o relvado foi um pequeno passo. Hoje em dia há até campeonatos nacionais, europeus e do mundo, e Jogos Olímpicos, de futebol feminino, que também se joga em vários escalões etários.

Mas não é assim em toda a parte.   Vem isto a propósito de uma notícia que, há uma semana, encheu páginas de jornais: Na Arábia Saudita as mulheres foram, pela primeira vez, autorizadas a ir ao futebol!

Reproduzimos, com a devida vénia, imagem de um excerto da notícia do PÚBLICO.

E nesta altura da prosa perguntará o leitor: o que é que isto tem a ver com o cinema?

Cineastas iranianos

Abbas Kiarostami

Moshen Makhmalbaf

Samira Makhmalbaf

Asghar Farhadi

Pois bem, chegamos ao Irão, pátria de alguns nomes incontornáveis do cinema mundial das últimas décadas. O maior de todos Abbas Kiarostami (Palma de Ouro em Cannes, Leão de Ouro em Veneza, Leopardo de Honra em Locarno), mas também, e por exemplo, Mohsen Makhmalbaf (o criador de uma ‘nova vaga’ do cinema do seu país) e a sua filha Samira (mulher cineasta, premiada em numerosos festivais e rosto da resistência iraniana) ou Asghar Farhadi (Urso de Ouro em Berlim, Globo de Ouro e dois Oscares para o Melhor Filme Estrangeiro)  e ainda… Jafar Panahi.

Jafar Panahi

É com este que vamos ao futebol!…

Jafar Panahi, Berlim 2006

Jafar Panah, Berlim 2015

‘Câmara de Ouro’ de Cannes, com O Balão Branco (1995), ‘Leopardo de Ouro’ de Locarno com O Espelho (1997) e ‘Leão de Ouro’ de Veneza, com O Círculo (2000), Panahi conquistou o ‘Urso de Ouro’ de Berlim em 2015 , com Táxi. Mas não esteve lá para receber o prémio…

Jafar Panahi, Berlim 2015 | Urso de Ouro

É que este último é um filme realizado por um cineasta sujeito a pena de prisão domiciliária. Com efeito na sequência do seu apoio a um candidato oposicionista nas presidenciais de 2009, a casa de Jafar Panahi foi invadida e a sua colecção de filmes foi apreendida. Preso em Março de 2010 fez greve de fome durante os três meses em que esteve detido. Foi condenado a seis anos de prisão e proibido de filmar durante 20 anos.

Servindo-se dos mais diversos subterfúgios o realizador já fez três filmes após a condenação. Foi obviamente a julgamento acusado de fazer filmes sem autorização.

Táxi, um retrato possível da actual sociedade iraniana, feito quase todo com uma câmara de mão e filmado dentro de um automóvel é, porventura, a mais famosa das obras deste período no qual avulta também Isto Não é um Filme, de 2011, um documentário filmado quase integralmente com um telemóvel e que chegou a Cannes numa ‘pen’ que um colaborador de Panahi conseguiu fazer passar dentro de um bolo!…

Offside

Mas foi em 2006, data em que o realizador gozava ainda de alguma liberdade, que fez Offside /Fora de Jogo, ‘Urso de Prata’ em Berlim (Prémio Especial do Júri). Está distribuído em Portugal, em DVD, pela Alambique.

É a história de um grupo de mulheres que, desafiando a lei, tentam por diversos modos (incluindo a tentativa de iludir a segurança aos disfarçarem-se de homens) assistir, no estádio, a um jogo de apuramento da selecção do seu país para o Campeonato do Mundo.  Não, ainda não era Carlos Queiroz o selecionador do Irão…

Ah! É verdade… No Irão as mulheres ainda não podem ver futebol nos estádios!… Mas algumas podem fazer cinema!…

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