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João de Sousa

Sexta-feira, Abril 26, 2024

Marcelo, DCIAP, SIC e TIC

João de Sousa
João de Sousa
Jornalista, Director do Jornal Tornado

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Está a expirar o prazo, marcado pelo próprio Ministério Público, muito para lá de todos os prazos legalmente estabelecidos, para deduzir Acusação ou Arquivar o designado processo “Marquês”. A desorientação da investigação, que já mudou de âmbito, de objecto e de putativos crimes inúmeras vezes, a par de declarações recentes de responsáveis pelo processo, levam a crer que, pela enésima vez, assistiremos ao adiamento da decisão ou ao Arquivamento por falta de provas.

O unanimismo em torno da afirmação de que o tempo jurídico e o tempo político são independentes e fluem de acordo com o ritmo próprio de cada um, sem qualquer interferência do outro, não exclui, como é evidente, a possibilidade de, aqui e ali, haver coincidências que não passam disso mesmo: coincidências e como tal excepcionais.

Quando as excepções são a regra

carlos-alexandreA curiosidade, e decerto futuro caso de estudo nas escolas de Direito, reside no facto de, na investigação deste Processo, as excepções serem regra e a regra não ter tido nunca a oportunidade de existir nem enquanto excepção. Todos os desenvolvimentos do “caso” – amplamente noticiados por dois órgãos de comunicação social, apesar do Processo estar em segredo de Justiça, interno e externo, apresentando novas linhas de investigação, novos “factos”, arguidos e crimes não mencionados aquando da abertura do processo e que nada têm que ver com as alegações apresentadas para as diligências e medidas de coerção inicialmente definidas – coincidiram sistematicamente com momentos de particular relevo político, sempre desfavoráveis ao arguido e ao seu Partido.

Um Juiz de Instrução ciente da sua obrigação fundamental – a protecção dos inalienáveis Direitos, Liberdades e Garantias do/s suspeito/s nunca teria permitido ao Ministério Público manter o pedido de medidas restritivas da liberdade apesar de divergir a investigação para outros crimes, outros suspeitos, outras suspeitas, outro cenário. Mas o Juiz de Instrução Criminal, nas suas próprias palavras, “está em Missão”. Um pouco à semelhança dos super-heróis da Marvel mas sem os collants. Ele é o gadanho, a foice, o perseguidor implacável do “mal” e por isso dá ao Ministério Público a latitude que for necessária nem que para isso seja necessário deixar de lado princípios constitucionais de protecção dos cidadãos que são a razão de ser maior da existência das funções que desempenha.

Das palavras do Exmo. Juiz depreende-se que tem alguns “engulhos” pessoais e emotivos com o estilo de vida e o passado do arguido. Engulhos pessoais: “não recebi heranças”, “não tenho dinheiro em contas de amigos” e “os primeiros cortes nas retribuições dos Juízes foram realizados pelo Governo do Engenheiro Sócrates”. “Espinhas” visivelmente atravessadas na garganta, ou nas emoções, do Meritíssimo Juiz.

Não obstante, toda a “entrevista” é orientada para humanizar o personagem de Carlos Alexandre, criando uma imagem populista de justiceiro, super-herói, trabalhador, fofinho, homem do país real, com uma paixão de infância: a “justiça”, que encara do mesmo modo que o sacerdócio, como “missão”. Um retrato sem mácula. Melhor que todos nós. A sua falibilidade é redimida pela coragem e pela nobreza dos elevados desígnios que visa.

O que é o “Spin Doctoring”

Vasco Ribeiro define spin doctoring da seguinte forma:

spin doctoring é a projeção positiva para o espaço público de um determinado sujeito ou ação, através das mais sofisticadas e atualizadas técnicas de manipulação e persuasão. Neste processo destacam-se os media como canal preferencial para a distribuição e indução de mensagens, tendo como motor o relacionamento interpessoal com os jornalistas.

Muito bem. Faz parte das regras do jogo conhecidas e de uso corrente na Política. Apesar de ter como objecto a criação de uma realidade que não aconteceu, tem parâmetros e protagonistas bem definidos e os Partidos Políticos recorrem amiudadas vezes para obterem uma vantagem ou escaparem a um prejuízo. O envolvimento do grupo Impresa também não constitui surpresa. Há muito que os OCS deste grupo nos vêm habituando a servir como órgãos oficiosos do Partido cujo fundador e membro número um é Presidente do Conselho de Administração.

Mais invulgar é ver um Presidente da República a, pelo menos na aparência, deixar-se arrastar para acções deste tipo. E é nesse contexto que pode ser lida a tão intempestiva quanto inesperada visita “solidária” de Marcelo ao DCIAP, sobretudo quando já está anunciada uma entrevista – com o protagonista-em-chefe deste processo – para o dia seguinte num canal televisivo “alinhado” com os interesses que subjazem a toda esta acção. E, note-se, a uma semana do presumível anúncio, com enorme estrondo, do que será sempre considerado um fracasso da investigação, para aqueles que, como eu, não acreditam que venha a ser deduzida qualquer acusação no dia aprazado pelo próprio MP.

O “suspeito” esteve preso nove meses. Sem acusação e sem conhecimento das alegadas provas. Muitas explicações terão de ser dadas ao povo Português. E, a meu ver, ao Presidente da República não dará jeito nenhum a aproximação ao DCIAP neste preciso momento.

Mais uns dias e veremos o que acontece. Estou tão curioso como vós.

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