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João de Sousa

Quinta-feira, Abril 25, 2024

Trampolim para um mundo novo

Professor catedrático Eduardo Paz Ferreira e o ex-eurodeputado Rui Tavares

«Tempos de nuvens negras que se acastelam», antevê o professor catedrático Eduardo Paz Ferreira. «Não adianta continuar a dizer que “não há lobo”», avisa o ex-eurodeputado Rui Tavares

“Donald Trump vai ser o nosso presidente”! Se por um acaso tivesse passado despercebido, Hillary Clinton lembrou-o no seu discurso de circunstância, em que quebra o silêncio de quase dez horas, pouco antes da declaração de Obama. Ele é, e já ninguém tem dúvidas, o 45º Presidente dos EUA. E vai tomar posse a 20 de Janeiro do próximo ano.

Adjectivos e frases previsíveis ditam o indiscutível: “É doloroso e lamentável”; “Ainda acredito na América”; “Temos de aceitar o resultado e olhar para o futuro”. Sentimentos lastimados da candidata democrata antecedem um cenário difícil de predizer. Há um novo líder a comandar a democracia constitucional. E a própria Hilary remata em hino patriótico: “Nós somos mais fortes juntos e vamos avançar juntos”.

“Estamos a torcer pela união do país”, disse poucos minutos depois Obama, apelando à transição “pacífica”. “Muitos estão em euforia, outros não. É assim a democracia”, frisou ainda o actual presidente norte-americano, lembrando que o sol iria nascer no dia seguinte. E nasceu algures. Desconhece-se para já onde será o ocaso.

Que mundo vamos ter com Donald Trump na presidência dos EUA?

Professor catedrático Eduardo Paz FerreiraEduardo Paz Ferreira, professor Catedrático da Faculdade de Direito de Lisboa
«Tempos de nuvens negras que se acastelam»

“Os EUA abandonam o concerto das nações civilizadas, a favor de uma arriscadíssima aventura”

Depois dos eleitores do Reino Unido terem decidido abandonar a União Europeia e o legado que esta ainda conserva de protecção social e de direitos, foi a vez de os Estados Unidos abandonarem um legado civilizacional fundamental. Com a votação de ontem para a presidência e para o congresso, os EUA abandonam o concerto das nações civilizadas, a favor de uma arriscadíssima aventura.

Com grande lucidez, Paul Krugman interroga-se: “Não sei para onda vamos. A América será um Estado e uma sociedade falhados?”. No momento em que a ameaça de destruição do “Obamacare” corre em paralelo com a da deportação maciça de emigrantes e se pode prever o que será o insustentável dia-a-dia das minorias étnicas, todos os nossos pensamentos vão para as vítimas anunciadas.

Mas a Europa, salva do terror nazi, pela intervenção norte-americana, deixa de poder contar com essa ajuda nos tempos de nuvens negras que se acastelam. Os Estados unidos já não moram aqui.

Ex-eurodeputado Rui TavaresRui Tavares, historiador e ex-eurodeputado
«Não adianta continuar a dizer que ‘não há lobo’»

“Bush Jr. trouxe-nos a Guerra do Iraque, a legalização da tortura e um sistema de prisões secretas, Trump fará pior”

A vitória de Trump era para ser levada a sério, como temos de levar a sério aquilo que ele e a sua direita nos dizem: que eles não têm interesse nos detalhes das políticas ou no debate sócio-económico mas que a sua política é inteiramente baseada nas questões identitárias e numa “guerra cultural” que travam a partir de uma visão nacionalista do mundo.

Da mesma forma, teremos de levar a sério o que isto significa para o mundo a partir do país mais poderoso do planeta. Não adianta continuar a dizer que “não há lobo” ou que Trump não é perigoso. Bush Jr. trouxe-nos a Guerra do Iraque, a legalização da tortura e um sistema de prisões secretas, Trump fará pior. E as instituições do sistema constitucional americano não serão obstáculo para ele: Trump tem nas mãos o Senado, a Câmara dos Representantes, o Partido Republicano e muito em breve o Supremo Tribunal. Trump prometeu processar os jornais que o atacaram. E a lição de Orban, Erdogan e Putin é que as estratégias de concentração de poder destes tiranos modernos funcionam.

Nada vai ser fácil. A oposição a Trump nos EUA e no mundo vai estar completamente desorientada e dividida. Putin e outros nacionalistas autoritários estão reconfortados. A União Europeia continua sem visão de futuro. E a resistência social e civil à vaga re-fascista não dará frutos imediatos. Não há glória nem prémios para quem quiser travar a batalha pela tolerância, o pluralismo, a democracia, o planeta e a cidadania — porque tudo isso está em risco. Contra egoísmo, generosidade. Contra cinismo, civismo. Contra nacionalismo, cosmopolitismo. Não se esqueçam que uma batalha por valores só ganha com valores opostos e convictamente defendidos. Haverá apenas um trabalho permanente e às vezes o breve conforto da camaradagem por uma causa. Mas agora estamos no plano do espírito de missão e da obrigação moral. Cada pequeno gesto será a sua própria vitória.”

Nota da Edição

Trump…olim
Celebridade pitoresca, truculenta e provocadora atirou que ninguém constrói muros maiores que ele. Os adversários retorquiram que ansiavam por construir pontes. Das acusações de racista, xenófobo e machista, teve de tudo um pouco. Tentou apaziguar os ânimos no discurso de vitória, alegando que quer sarar feridas e duplicar o crescimento económico norte-americano.

De seu nome Donald John Trump, com cabelo tingido de loiro, aterrorizou alguns milhões e fascinou outros. Nascido em Queens, a 14 de junho de 1946, foi o quarto de cinco filhos de um promotor imobiliário. Rezam as biografias que desde criança revelava um comportamento rebelde. As mesmas relatam que o pai teve de o tirar da escola aos 13 anos. A razão publicada é que havia agredido um professor. O pai, decide interná-lo na Academia Militar de Nova York, com a esperança de que a disciplina militar corrigisse o comportamento do filho.

Sem experiência política, bilionário republicano, tem a fortuna avaliada pela revista “Forbes”, em cerca de 3,3 mil milhões de euros. Viaja no seu Boeing privado 757 e conclui-se que as ideologias não são o seu forte. Democrata até 1987, virou para os republicanos mais tarde. Novamente entre 2001 e 2009 foi democrata. E republicano anos depois. Escandaloso, ousado, boçal, promete, no discurso de vitória, lidar de forma justa com todos os povos nações. Poucos esperavam que a estrela de reality show tivesse o seu dia D. Um lado do mundo acordou em choque. Expectante sobre o futuro. A perspectivar: Um Trump…olim para um mundo pior.

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