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Terça-feira, Março 19, 2024

Em seu centenário, a coragem de Dom Paulo é um exemplo de amor à humanidade

Marcos Aurélio Ruy, em São Paulo
Marcos Aurélio Ruy, em São Paulo
Jornalista, assessor do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo

O inimigo público número 1 da ditadura fascista implantada no Brasil em 1964, Dom Paulo Evaristo Arns, arcebispo por muitos anos da capital paulista, completaria 100 anos nesta terça-feira (14), ele que faleceu em 14 de dezembro de 2016, aos 95 anos.

A mentalidade fascista e conservadora treme de ódio ao lembrar do nome do Cardeal amado pelos mais humildes. Isso porque Dom Paulo foi um dos personagens maios importantes na luta pela democracia com justiça social do país.

O odiavam porque ele falava com torturadores e representantes da ditadura com dedo em riste e os apontava como criminosos e covardes. Odiado pelos opressores, foi muito amado por uma ampla gama de pessoas que lutava pela liberdade, num país tragado pelo autoritarismo. Admirado tanto por religiosos fervorosos quanto pela esquerda devido ao seu temperamento dócil e sua firme posição na defesa dos oprimidos.

Grande incentivador das Comunidades Eclesiais de Base, criou a Pastoral da Infância e buscou aproximar a igreja católica dos mais pobres, defendendo a justiça social e o combate à miséria como parte da pregação do evangelho. Abnegado, enfrentou os militares e protegeu presos políticos.

Criou a Comissão Justiça e Paz de São Paulo, em 1972. De acordo com os organizadores da Comissão Arns de Direitos Humanos, esse ato foi “uma porta aberta no acolhimento das vítimas da repressão política e policial no país”. Um ano depois, no dia 30 de março de 1973, Arns celebrou a missa em homenagem ao estudante Alexandre Vannucchi, morto sob tortura nos porões do DOI-Codi, em São Paulo, aos 22 anos. Com cerca de 5 mil pessoas, a missa na Catedral da Sé juntou estudantes, artistas, autoridades, sindicatos e militantes em um ato contra a ditadura.

Em 1975 foi um incentivador de um estudo que mostrava as contradições do crescimento da cidade de São Paulo, que concentrava a riqueza nas mãos de poucos por um lado, produzindo grande pobreza, por outro. O estudo resultou no livro “São Paulo 1975: Crescimento e pobreza”, de vários autores, com apresentação do próprio Dom Paulo.

No mesmo ano de 1975, em outubro, celebrou, novamente na Catedral da Sé, o histórico culto ecumênico em homenagem a outra vítima da ditadura: Vladimir Herzog, jornalista morto sob tortura.

Por isso, a Comissão Arns foi criada em homenagem a Dom Paulo. Porque essa comissão “reconhece esse exemplo de resistência, resiliência e, sobretudo, de esperança para os brasileiros em tempos difíceis”. Exatamente por essas qualidades é que o atual ocupante do Palácio do Planalto sequer cita o nome do “Cardeal da Resistência”.

Dom Paulo representa uma das facetas mais importantes da história brasileira ao ser o principal incentivador do livro Brasil: Nunca Mais, em 1985, denunciando as atrocidades dos porões da ditadura. Também foi um dos principais artífices da luta pela restauração da democracia no país.

Muito prestigiado pelo progressista Papa Paulo VI (1897-1978) por sua coragem no enfrentamento à ditadura e pelo seu empenho pela aproximação da igreja católica com os mais pobres, inclusive foi um grande incentivador do padre Júlio Lancellotti na defesa dos direitos dos moradores de rua. Levada a cabo por Lancellotti até hoje.

Já o conservador Papa João Paulo II (1920-2014) diminuiu o poder de Dom Paulo por causa de sua aproximação com a Teologia da Libertação – uma corrente do catolicismo surgida na América Latina, no anos 1960, com a leitura de que o evangelho exigia a aproximação com os mais pobres e com as ciências humanas para a compreensão até do próprio evangelho.

Dom Paulo, no entanto, nunca se curvou aos poderosos de plantão e seguiu com sua abnegação em favor de quem necessitava de apoio. Na ditadura com sua tenacidade impediu o assassinato de inúmeros presos políticos de todos os matizes.

No cotidiano se fez voz dos mais pobres. Enfrentou os assassinos do operário Santo Dias (assassinado em 1979), quando o movimento operário, a luta contra a carestia e pela anistia cresciam no país junto com a oposição ao regime ditatorial.

Homenagear pessoas do calibre de Dom Paulo Evaristo Arns é sempre uma tarefa árdua porque nada do que se diga faz jus à tamanha grandeza. Um homem de coragem, um padre que levou o evangelho ao pé da letra, um cristão de verdade, sempre na defesa do amor. Amor ao conhecimento, aos livros, à cultura, ao povo humilde, à Justiça (assim com inicial maiúscula), aos Direitos Humanos, ao respeito à dignidade das pessoas e à vida. Um exemplo a ser seguido. Seu legado permanece vivo para quem acredita no futuro da humanidade com vida digna para todo mundo.

O Cardeal da resistência

https://youtu.be/3bWv54ecQ8A


Texto em português do Brasil

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