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João de Sousa

Sexta-feira, Junho 27, 2025
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Truques nas contas públicas?

Quando Fernando Medina, ainda como Ministro das Finanças, anunciou que a execução orçamental prevista para 2023 se traduziria num excedente superior ao anterior, o que poderia justificar a constituição de um “Fundo Soberano” logo crismado como “Fundo Medina”, e, posteriormente, que, os resultados de 2023 permitiam reduzir a dívida pública a menos de 100 % do PIB, logo se levantou alguma discussão, atiçada por um documento produzido já em 2024 pela Unidade de Apoio Técnico Orçamental que funciona junto da Assembleia da República. Sem pretender revisitar a história das Contas Gerais do Estado desde as reformas de Salazar parece-me útil partilhar algumas reflexões e informações sobre a forma como em certos momentos estas questões foram tratadas.

Comecemos por Salazar e pelos seus Decreto (com força de lei) nº 18 381, de 24 de Maio de 1930 (Reforma a Contabilidade Pública), e pela Reforma da Conta Geral do Estado e Decreto-Lei nº 27 223, de 21 de Novembro de 1936 (Regula a organização da conta geral do Estado, bem como a utilização dos saldos apurados nas contas de anos económicos findos, e define as despesas que podem ser consideradas como extraordinárias).

O segundo diploma veio enquadrar uma prática que julgo já estava a ser ensaiada, no sentido de financiar despesas de investimento, por exemplo as abrangidas pela Lei da Reconstituição Económica vigente a partir de 1935, com saldos de anos findos. Não se criou um “Fundo Medina” avant-la-lettre nem se optou pela desorçamentação: os saldos de gerência eram reinscritos no orçamento das receitas como “receitas extraordinárias” eram contabilisticamente afectos a “despesas extraordinárias” do orçamento das despesas. O primeiro diploma continha contudo uma estipulação que me parece, em tese, questionável, permitindo a “puxada” ao Orçamento Geral do Estado de fundos correspondentes a empréstimos não utilizados durante o ano em que deram entrada nos cofres do Estado:

Artº 5º O produto de empréstimos consignados a despesas orçamentais será escriturado em conta de depósitos em operações de tesouraria, passando para receita efectiva do Estado à medida que o levantamento de fundos se realizar e por importância correspondente ao seu valor.

Realizadas todas as despesas para cuja satisfação haja sido emitido um empréstimo o saldo que porventura exista será imediatamente levado a receita efectiva do Estado.

“Receita efectiva” não terá aqui o significado que viria a ter mais tarde no nosso direito orçamental, de receita que não está associada à criação de um passivo financeiro, mas choca um tratamento que implica a dissimulação do recurso ao crédito que está na sua origem. Tenho conhecimento pessoal de que a Direcção-Geral de Contabilidade Pública continuou a fazer, após 1976 “puxadas” ao Orçamento do produto de empréstimos já arrecado em anos anteriores, prática susceptível de prejudicar a disciplina orçamental e a determinação do impacto económico das receitas e despesas orçamentais(i).

Os dois diplomas de Salazar referidos procediam também, cada um deles, a uma tentativa de conter o recurso a operações de tesouraria para satisfazer o pagamento de despesas orçamentais, acabando por encerrar muitas das contas na altura abertas e juntando-as numa mesma conta.

Foram ainda tomadas medidas conducentes à redução ou consolidação do endividamento do Estado para com o Banco de Portugal, no âmbito de um novo contrato e para com a Caixa Geral de Depósitos no âmbito de uma reforma que havia sido encomendada a pessoalmente a Salazar ainda antes do seu ingresso no Governo como Ministro das Finanças, tendo-se seguido a consolidação da dívida de curto prazo existente.

A partir de 1969, com aparente suporte num Decreto-Lei(ii) que permitia que o Tesouro fizesse aplicações rentáveis dos seus fundos terão voltado a multiplicar-se operações de tesouraria não regularizadas através do Orçamento, que em 1988 Cavaco Silva e Miguel Cadilhe tentaram regularizar com uma técnica semelhante à de Salazar, criando uma conta chamada CEROT.

Tanto quanto tenho presente foi na mesma altura que o Estado procedeu à redução do passivo do Estado junto do Banco de Portugal, autorizando a revalorização do ouro incluído nas suas reservas. Assim sendo, o Banco manteve o valor do seu activo, uma vez que a revalorização do ouro e a redução do passivo se equilibravam. Um truque, concedo, mas que beneficiou o Estado.

No entanto no ciclo de Cavaco Silva foram adoptadas orientações que, concedo que talvez ao arrepio das intenções originais, abriram a porta para distorções na verdade das Contas Públicas:

  • a consignação de receitas ao abrigo da Lei-Quadro das Privatizações
  • expedientes para garantir o transito entre anos financeiros de disponibilidades orçamentais não apuradas por via do encerramento da Conta – Geral do Estado ou simplesmente o pagamento de despesas em ano diferente daquele em que são registadas.

No que diz respeito à Lei – Quadro das Privatizações(iii)

 Artigo 16.º

Destino das receitas obtidas

As receitas do Estado provenientes das reprivatizações serão exclusivamente utilizadas, separada ou conjuntamente, para:

a) Amortização da dívida pública;

b) Amortização da dívida do sector empresarial do Estado;

c) Serviço da dívida resultante de nacionalizações;

d) Novas aplicações de capital no sector produtivo.

abriu-se uma porta para desenvolvimentos estranhos com as “novas aplicações de capital no sector produtivo”: no ciclo seguinte ao de Cavaco Silva os FRME e FRMERMI, fundos de apoio às reestruturações de empresas em dificuldades no âmbito do SIRME criado pelo Ministro da Economia Joaquim Pina Moura tiveram o seu capital realizado com mobilização de receitas das privatizações. Ora já se sabia que o dinheiro alocado a esses fundos era para torrar.

 Sobre os expedientes para garantir a transição de disponibilidades orçamentais já tive oportunidade de exemplificar(iv) com uma disposição da Lei do Orçamento para 1994:

Tendo em vista as características dos programas com co-financiamento comunitário, bem como do Programa de Desenvolvimento Regional Integrado de Trás-os-Montes (PDRITM) e com o objectivo de que não sofram qualquer interrupção por falta de verbas, transferir para o orçamento de 1994, nomeadamente para programas de idêntico conteúdo ajustados ao Quadro Comunitário de Apoio 1994-1999, os saldos das suas dotações constantes do orçamento do ano económico anterior, devendo, para o efeito os serviços simples, com autonomia administrativa e com autonomia administrativa e financeira, processar folhas de despesa e requisição de fundos pelo montante daqueles saldos e pedir a sua integração até 30 de Maio de 1994.

Repare-se que deste modo, para os serviços simples ou com mera autonomia administrativa se empolava o valor da despesa do ano anterior.

Quanto às dotações orçamentais para o aumento de capital das empresas públicas ou sociedades de capitais públicos – eram (são) inscritas no Capítulo de Despesas Excepcionais do Orçamento do Ministério das Finanças, e processadas a favor da Direcção-Geral do Tesouro, que depositava o produto em operações de tesouraria, sendo a realização dos aumentos de capital diferida para o ano ou anos seguintes.

Com a criação, a partir de 2002, dos Hospitais-Empresa (pública) começou a processar-se em larga escala um outro truque sofisticado: no início de cada ano o capital social nominal parece suficiente, mas a insuficiência das dotações para funcionamento leva ao acumular de dívidas a fornecedores e de prejuízos, pelo que o capital nominal vai sendo comido. No fim do ano o Estado injecta novos fundos nestas sociedades, permitindo repor uma situação líquida positiva e pagar pelo menos parte da dívida a fornecedores, e o ciclo recomeça. O Doutor Eugénio Rosa tem chamado a atenção aqui no Jornal Tornado para a má gestão inerente a esses truques.

O Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS), criado em 1989, que mereceu recentemente um estudo publicado no site do Conselho das Finanças Públicas que talvez deva ser lido em conjunto com o que a própria Segurança Social escrevia sobre o tema em 2022 (Saiba onde está a ser aplicado o dinheiro das pensões), e com um comentário do ECO relativo a 2023 (Fundo da Segurança Social valoriza 9,1% em 2023 e bate concorrência).

Dado que até lhe têm sido afectas receitas fiscais, como o AIMI – Adicional ao IMI , conhecido por Imposto Mortágua, julgo que faria sentido, em vez de criar um “Fundo Medina” para aplicar os excedentes do Orçamento do Estado, legislar de forma permanente para garantir a sua aplicação na amortização da dívida pública e no reforço do FEFSS. Recorde-se que o FEFSS fez em tempos uma aplicação “rentável” na Portugal Telecom que por sua vez fez uma aplicação “rentável” na Rioforte do Grupo Espírito Santo e investiu na OI, perdeu o dinheiro e ninguém foi condenado. Com um “Fundo Medina” à solta pressionado, para obter resultados mais impactantes, a diversificar a carteira de “investimentos rentáveis” multiplicaríamos as oportunidades…

No entanto Fernando Medina, ainda como Ministro das Finanças, desencadeou em finais de 2023 uma operação conducente a reduzir a dimensão da dívida pública portuguesa a menos de 100 % do PIB . O impacto psicológico foi sem dúvida importante, mas têm surgido vozes a qualificar a operação como “truque”.

Foi dito a propósito que para conseguir este resultado se tinha amortizado dívida remunerada com taxas de juro reduzidas e que teria sido mais racional aplicar essas disponibilidades no Banco Central Europeu com uma taxa de juro, como é conhecido, neste momento elevada. Não sei se esta afirmação corresponde à realidade – se sim, a questão deveria ter sido adequadamente ponderada – mas não a tenho visto reproduzida nas peças que têm falado do “truque”.

Essas peças no essencial reproduzem um título do ECO “Medina financiou queda da dívida pública com dinheiro de pensões futuras” que foi sendo reproduzido por sucessivos jornais económicos até chegar ao Grupo Parlamentar do CDS que exigiu que o colega deputado da bancada do PS comparecesse, enquanto ex-Ministro, na Comissão Parlamentar especializada.

No entanto a notícia dos “económicos” tem na origem um estudo da Unidade Técnica de Apoio Orçamental junto da Assembleia da República, identificado como Relatório UTAO nº 4 / 2024, datado de 9 de Abril de 2024, com assunto “Relatório UTAO n.º 4/2024 Condições dos mercados, dívida pública e dívida externa: março de 2024” e publicado no site da Assembleia: Condições dos mercados, dívida pública e dívida externa: março de 2024

Explica o Relatório, por um lado que:

O princípio da unidade de tesouraria obriga uma esmagadora maioria de entidades em todos os subsectores a aplicar excedentes de tesouraria no IGCP, seja sob a forma de depósitos à ordem e a prazo, seja sob a forma de fundos CEDIC. A carteira de CEDIC (Certificados Especiais de Dívida de Curto Prazo) é a maior componente do instrumento Depósitos.

e que houve orientações para se fazer a aplicação em CEDIC(v), que o IGCP deverá remunerar.

Nazaré Costa Cabral (Faculdade de Direito / Universidade de Lisboa)

Por outro lado continuam em vigor as orientações do Governo de Passos Coelho, concretizadas por Vítor Gaspar antes da sua saída, de aplicação em títulos de dívida pública de uma percentagem elevada de disponibilidades do FEFSS, que não são muito populares junto dos economistas e juristas – economistas que se ocupam de questões relativas à Segurança Social, como é o caso de Nazaré Costa Cabral, actualmente Presidente do Conselho de Finanças Públicas que é um órgão independente ao contrário da UTAO, unidade de apoio técnico da Assembleia da República, coordenada pelo antigo Secretário de Estado de José Sócrates, Rui Baleiras(vi).

A UTAO – gerando uma reacção de desagrado de Medina – considerou “artificial” a redução do peso da dívida pública abaixo dos 100 % do PIB, na medida em que não resultou de amortização da dívida mas apenas de um efeito de consolidação contabilística, sendo contudo certo que é o conjunto da dívida consolidada das administrações públicas o relevante para efeitos do Tratado de Maastricht.

Rui Baleiras (Linkedin)

A UTAO referiu também, o que julgo passou desapercebido aos jornais económicos, que de 2023 para 2024, a “dívida comercial” (a fornecedores) aumentou 306 milhões de euros. Por dificuldades de cômputo da dívida comercial na altura em que o Tratado foi aprovado, tal dívida não foi considerada relevante para efeitos do Tratado. Terá sido Medina tão maquiavélico que quis que os serviços aplicassem disponibilidades de tesouraria na compra de dívida pública em vez de pagar aos fornecedores? Si no e vero

Esse sim, seria um truque que não poderia ser perdoado a Medina. De qualquer de modo é de rejeitar a insinuação, incutida subliminarmente nos leitores dos jornais económicos, de que as pensões futuras estão em risco por o dinheiro ter sido “gasto” com a dívida pública. Por altura do 25 de Abril de 1974 a então Previdência Social tinha os seus dinheiros aplicados em títulos e rapidamente se desfez deles para ocorrer ao financiamento das suas novas responsabilidades. E não se diga que a aplicação em títulos de dívida pública comporta riscos para os pensionistas porque a evolução posterior a 2011 mostra que em Portugal os poderes públicos não acarinham qualquer sugestão de hair-cut da dívida pública.

Por Fonte, Conteúdo restrito, https://pt.wikipedia.org/w/index.php?curid=3488539

Com isto não estou a defender Fernando Medina contra os seus detractores da Direita. Estou a dizer exactamente o que disse há anos para defender Vítor Gaspar quando este reforçou a obrigação de a Segurança Social investir em títulos de dívida pública.

 

Notas

(i) Este diploma foi, com diversos outros diplomas históricos, inclusive dos últimos anos da Monarquia, revogado pelo Decreto-Lei nº 155/92, de 28 de Julho, anunciado definir o regime de Administração Financeira do Estado não dispôs sobre um conjunto de matérias abrangidas pelos diplomas revogados.

(ii) Do Ministro das Finanças João Dias Rosas, já no tempo de Marcelo Caetano.

(iii) Lei nº 11/90, de 5 de Abril

(iv) A Intendência – Geral do Orçamento – História de um Organismo que Nunca Existiu (1929-1996) , p . 131.

(v) Creio que CEDIC é a denominação actualizada, mais sexy ,de um instrumento antiquíssimo de aplicação de excedentes em “Certificados de Dívida Inscrita”

(vi) Julgo que durante algum tempo houve quem confundisse UTAO e CFP por a ideia de criação de uma UTAO, com a denominação de GATO – Grupo de Apoio Técnico-Orçamental, junto do Parlamento ter sido inicialmente defendida por Teodora Cardoso, infelizmente já falecida, que veio a ser a primeira presidente do Conselho de Finanças Públicas.

“Identidade e Família”: como vender um livro

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A António Bagão Félix, Victor Gil, Pedro Afonso e Paulo Otero (desculpem, não é Otero, deve ter um apelido parecido, só pode ser depois de dizer que “há funções que são próprias das mulheres” e que se devia criar o “estatuto de dona de casa”) saiu a sorte grande quando Pedro Passos Coelho decidiu apresentar o livro que publicaram enquanto dirigentes do grupo MAE (Movimento Acção Ética) intitulado “Identidade e Família”. Tendo em conta que a qualidade literária de um livro não é a sua melhor promoção (nem se saberá bem o que é isso de qualidade literária) e que esse livro é apenas um conjunto de textos de reflexão de gente conservadora, sobretudo à direita do pensamento político, mas com dois ou três casos de esquerda que partilha valores de direita católica e antiquada, para se fazer vender um livro que não seria lido se não por aqueles que escreveram os textos e seus amigos nada melhor que arranjar uma boa polémica e dar-lhe espaço mediático.

O homem que tinha dito que “Vem aí o diabo.” depois de se ter formado a geringonça (diabo esse que se trouxe  o descongelamento das pensões, a reposição dos quatro feriados suspensos, a redução para 13% do IVA da restauração, a revogação das alterações à Lei de Interrupção Voluntária da Gravidez, a não admissão de qualquer novo processo de privatização,  a reposição de salários, de subsídios de férias e do 13º mês, entre outras) afirmou, de forma totalmente irrealista e propositada, que havia uma “sensação” de insegurança no país por causa da imigração, atirando, dessa forma beijos ao CHEGA que foram logo aproveitados por André Ventura, que os recebeu nos seus lábios, ainda estava ele na plateia a ouvir em directo as palavras do seu impulsionador e amigo e próximo em ideias, como prova de amor e de noivado que Ventura deseja consumar em casamento governativo com a AD. Entrou de rompante, como uma estrela cadente, deixou a sua marca e desapareceu (provavelmente, por desejo, como se costuma fazer quando se vê uma estrela cadente, do líder da AD, Luís Montenegro, que sempre disse ao Chega “Não é não!”).

Como Pedro Passos Coelho também se quer promover (“Quem votou em Cavaco Silva e o elegeu duas vezes Presidente da República porque não votará em mim?”,  terá pensado um ex-primeiro-ministro pouco apreciado depois do fim do seu mandato como fora Cavaco Silva) veio promover o tal livrinho, dizendo que se revê em muitas das perspectivas do livro que aponta como “adversários” da família a “escola pública”, as “posições radicais e mediaticamente potenciadas” e ainda “a chamada ideologia de género”. Passos Coelho chega ao ponto de referir a “sovietização do ensino”, facto verdadeiramente grotesco, mas que, provavelmente, se coaduna muito bem com a sua experiência enquanto primeiro-ministro, pois foram deles as palavras que indicaram que havia excesso de professores no Ensino e que os que não tinham colocação que “emigrassem” (ou fossem para um “gulag” conservador para aplicarem correctamente a “ocidentilização belicista, selvagem e competitivamente feroz e cruel do ensino”), facto apoiado e corroborado pelo seu Ministro da Educação, Nuno Crato, que também afirmou que havia excesso de professores durante o seu mandato e que, já em 2023, 10 anos depois, veio, com a maior insensatez e com uma cara de pau do tamanho de uma sequóia, que já previra que a falta de professores iria acontecer e que era necessário tornar a actividade docente atractiva (o que ele fez, aumentando os horários dos professores, o número de alunos por turma, criando uma ignóbil prova de Acesso para a docência mesmo depois de os professores terem obtido a certificação para o ensino depois dos anos necessários de formação académica e pedagógica).

Houve confusão e estardalhaço depois da apresentação do livro por parte de Passos Coelho, o que levou jornalistas e comentadores a comprarem e a lerem o livro para poderem dar a sua opinião e terá levado muitos curiosos a quererem saber quais as verdades católicas e conservadoras com que se identificavam e outros a comprarem para poderem criticar a visão passista e passadista de um regresso ao passado no que respeita à família e à identidade de cada um.

Para comprovar que a melhor publicidade e a melhor promoção de uma obra e de um autor são a polémica dêmos o exemplo do Nobel Saramago. Quando publicou o “Evangelho segundo Jesus Cristo”, logo a Igreja Católica, qual virgem ofendida, veio desconsiderar a obra por não respeitar a moral cristã e por fazer de Jesus Cristo um ser sexual, sexualizado, com desejo sexual, com vontade de fornicar e com concretização de coito, ainda para mais com uma prostituta, Maria Madalena, (se bem que se fosse com uma mulher virgem qualquer não creio que a Igreja Católica tivesse ficado menos chocada) como se Jesus, divino e casto, puro e sem vis desejos de mortais fracos de carne e de pensamento, não se pudesse, em algum momento da sua vida, apesar de ter sido feito homem à imagem do pai, Deus,  comportar como homem que era como os outros homens (não totalmente como os outros, pois Jesus fazia milagres) e apaixonar-se, entesoar-se, masturbar-se e ter sonhos eróticos e poluções nocturnas.

Para aumentar a curiosidade de futuros leitores, até membros do Governo de Cavaco Silva se insurgiram contra a obra, considerando-a imoral e atentatória de uma cultura predominantemente cristã e católica no país, como se Saramago estivesse a ofender um país inteiro com a sua perspectiva sobre o que teria sido a vida humana de Jesus Cristo. Entre esses membros do Governo de Cavaco estava o Subsecretário de Estado da Cultura do PSD, Sousa Lara, que vetaria (por ordem do chefe supremo do Governo, o “progressista” Cavaco Silva) a candidatura da obra de Saramago a um prémio literário europeu, num exemplo claro de censura não de lápis azul, mas de escarro laranja, dizendo que o livro não representava Portugal. Ora, como a sujidade de um acto se limpa com uma medalha, o já Presidente Cavaco Silva agraciou com a ordem do Infante D. Henrique o ex-subsecretário Sousa Lara, tentando com esse acto, limpar a face do escarrador, ou melhor, do cumpridor da ordem de escarrar. Até o mui católico praticante actual presidente da República, o famoso Marcelo Rebelo de Sousa, um verdadeiro “selfiemade man”, disse em 2018, por ocasião da celebração dos 20 anos da atribuição do prémio Nobel a José Saramago, que o veto de Cavaco a Saramago fora “falta de senso e bom gosto”, expressão mais ou menos clonada da famosa “Questão do bom senso e bom gosto”, escrita pelo filósofo, escritor e socialista Antero de Quental a propósito da famosa “Questão Coimbrã”.

Bem, na verdade, a Saramago saiu a sorte grande, pois a celeuma que suscitou fez do seu livro um grande “best-seller” mundial, constando numa lista dos mais polémicos livros de sempre. Aliás, Saramago, astuto e engenhoso, quando lançou o livro “Caim” tratou ele de lançar a polémica que promoveria esse seu livro, não propriamente por falar em concreto do conteúdo do mesmo, mas por ter dito que “a Bíblia é um manual de maus costumes, um catálogo de crueldade e do pior da natureza humana”. E, claro, vieram as reacções de elementos da Igreja, como o Padre Manuel Morujão, que acusou Saramago de golpe publicitário, do teólogo Anselmo Borges que reduziu as declarações de Saramago a uma leitura “completamente unilateral” da Bíblia e, para complementar em grande, o grande debate, moderado pelo jornalista Mário Crespo, entre Saramago e o padre Carreira das Neves, em directo na TV, com Saramago a insistir na ideia do Deus cruel, exemplificando com a leitura do “Livro de Job” e da conversa que Deus teve com Satã para provar que Job sempre seguiria Deus, mesmo que Deus o fizesse passar pelos maiores sofrimentos e provações. Se querem saber se tudo deve ser levado à letra como Saramago sugere ou se tudo não passam de metáforas, de imagens sobre a “justiça redistributiva” a que Carreira das Neves se refere durante o debate, leiam, ao contrário dos católicos, como disse Saramago, não toda a “Bíblia”, mas apenas “O livro de Job” que, acrescento, se estiverem atentos, verão como inspirou alguns poemas do eterno Luís de Camões.  E “Caim” vendeu, e muito, embora não se possa dizer que é dos melhores livros de Saramago.

Eu escrevi um livro intitulado “Lobo mau ataca a República dos três porquinhos”, livro de contos, em 2013, e como não tenho jeito nenhum para a publicidade nem para a promoção fiz eu próprio a sua apresentação. Como devem imaginar, não obteve grande sucesso, pois não me lembrei de pedir, por exemplo, ao primeiro-ministro da altura, Pedro Passos Coelho, que viesse apresentar o meu livro, o que lhe daria honras de publicidade televisiva e evidente curiosidade por parte da população em geral. Porém, mesmo que o tivesse convidado, ele, de certeza, não teria aceitado, pois estava demasiado focado em ir para além da troika, fazendo tudo o que já referi atrás, tentando que os portugueses tivessem salários mais atractivos para os investidores estrangeiros para que melhor nos pudessem explorar e tentando vender tudo o que fosse público para libertar o país de encargos e rechear os bolsos dos investidores “amigos” da Troika.

Porém, o que os leitores não sabem (e não sabem porque nenhum órgão de comunicação visual, escrita ou radiofónica se dignou a comparecer nas apresentações desse meu livro) é que, nas seguintes apresentações, apareceram várias figuras populares a comentar o meu livro “Lobo mau ataca a República dos três porquinhos”. O primeiro a aparecer foi o fantasma de António de Oliveira Salazar para realçar que a minha obra era um manifesto apologista do Estado Novo porque era bem verdade que este regime democrático era governado não por três porquinhos, mas por três grandes órgãos de soberana porcaria que eram as fundações de um regime ineficaz e corrupto como ele nunca fora e que eu defendia o fim da República do chiqueiro. Não comento as palavras do fantasma do ditador, mas reparei que houve aplausos, tímidos, confesso, na plateia (que não era numerosa, tenho de ser sincero, eram para aí dez pessoas e duas terão aplaudido. Vendi dez livros nessa noite.).

Numa outra situação, após a apresentação de dois contos com referências a Fernando Pessoa, o espectro do poeta de “Orpheu” surgiu num clarão de opacidade luminosa e em tom rancoroso e verdadeiramente transtornado, começou por me insultar, dizendo que “porco és tu, menino da tua mãe (acho que ele me queria chamar fdp, mas deve ter achado demasiado vulgar),  como te atreves a chamar-me porco a mim, ou melhor, ao Ricardo Reis, e a insinuares que eu ando a dar beijos de língua à Felinha aqui no outro mundo? Mas quem és tu, canalha, safardana? E que é isso de inscreveres na minha capa de super-herói as letras SS? Ainda pensam que eu pertencia à Schutzstaffel, as SS, organização paramilitar que apoiava Adolf Hitler, e, pior, como alguns dizem, que eu era conivente e apoiante de Salazar e do Estado Novo?” E desapareceu. Nessa noite, ficaram todos mais ou menos assombrados, ninguém bateu palmas e vendi os livros todos (era uma Feira do Livro, já não me lembro onde, e como achava que não viriam mais do que cinco pessoas assistir (afinal, foi um pouco melhor, vieram seis) à minha apresentação, trouxe só cinco exemplares. A sexta pessoa pediu-me, por favor, quase a chorar, que queria o meu livro, que me pagaria ali, e me pedia que lho enviasse por correio. Foi o que fiz.

Na última apresentação desse meu livro, e foi a última por aquilo que passarei a apresentar, enquanto falava do conto “O inferno de Bukowski”, apareceu-me aquele último senhor a quem eu enviei o livro completamente embriagado e, chegando-se a mim, empurrou-me, tirou-me o microfone e pôs-se a insultar o meu livro (e a mim, implicitamente), que o inferno não podia ser assim, que nunca Bukowski seria abstémio nem sofreria de impotência sexual, que eu não tinha nada que desfazer o romantismo do “Romeu e Julieta” de Shakespeare, que eram só idiotices, como é que se podia abrir uma empresa dedicada a subir árvores, que era só fanatismo anti-religioso, perversões e parafilias sexuais,  alucinações e absurdismo, merdismo, badalhoquismo e satanismo, que não havia referências à família tradicional, às boas donas de casa que não matam os seus maridos só porque estes lhes querem cheirar as cuecas, que porcaria de confusão de género e identidade era aquela que fez com que um personagem se autoproclamasse como sendo um nenuco de peluche e como é que é possível que uma purisca de cigarro se transforme em barata ou como uma barata se pode transformar em Franz Kafka?  E terminou assim: “Eu estou bêbedo, mas ainda vou beber mais e vou procurar mulheres já que Bukowski já nada disto pode fazer.” Bem, para bêbedo, até que articulou bem o discurso. Foi-se embora e embora foram todas as pessoas que lá estavam (eram cinco) com medo de alguma cena de violência. Como consequência, não vendi livro nenhum, mas ainda tenho muitos para vender. Mesmo sem publicidade televisiva (que há-de chegar quando souberem que os fantasmas de Salazar e de Pessoa estiveram nas apresentações do meu livro e depois dos impropérios proferidos por um alcoólico que eu vim agora descobrir que é uma figura pública ligada à política, mas que me abstenho de nomear), quem quer comprar, quem quer? Mandem mensagem privada para kaiserpaulo1972@gmail que eu ofereço os portes para Portugal. Se estão no Brasil, encomendem o livro “Lobo mau ataca a República dos três porquinhos” à editora independente IBIliterrário.

Alivio fiscal? Choque fiscal?

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Em 2024, o “alivio fiscal” no IRS do PS (1327 milhões €) é 6,3 vezes superior ao “choque fiscal” da AD (212 milhões €) mas mesmo assim os trabalhadores e pensionistas vão pagar mais do dobro do que pagam as empresas de IRC e, apesar disso, o governo da AD tenciona baixar a taxa de IRC para metade. A receita de IVA vai aumentar 565 milhões € em 2024 agravando a injustiça fiscal

Neste estudo analiso as tabelas de IRS de 2023, de 2024 aprovada pelo PS, e a que o governo da AD pretende que a Assembleia da República aprove, comparando-as, e calculando as reduções verificadas nas taxas médias e nas taxas marginais. E para que a dimensão das reduções de IRS que cada uma delas determina fique ainda mais clara para os leitores aplico-as a trabalhadores com matéria coletável (a que se obtém depois de retirar a dedução especifica de 4104€) de 1000€, 2000€, 3000€ e 4000€ por mês, comparando depois os valores obtidos e calculando as diferenças de IRS. Como a dedução especifica se mantém congelada desde 2010 em 4104€, cálculo o prejuízo que isso tem causado aos contribuintes e a diminuição de IRS que determinaria se ela estivesse indexada ao salário mínimo nacional como aconteceu até 2010. No estudo apresento também gráficos e quadros com base em dados oficiais que fornecem uma informação clara para  o período 2011 a 2024 (em relação este ultimo ano são previsões  do OE-2024 aprovado pelo PS) da receita de IRS, da percentagem que a receita de IRC representa em relação à do IRS, da  receita do IVA que cresce significativamente também em 2024, e termino com o calculo da percentagem que a receita de impostos representa em relação ao PIB também para o período 2011/2024.

 

Estudo

Em 2024, o “alivio fiscal” no IRS do PS (1327 milhões €) é 6,3 vezes superior ao “choque fiscal” da AD (212 milhões €) mas mesmo assim os trabalhadores e pensionistas vão pagar mais do dobro do que pagam as empresas de IRC e, apesar disso, o governo da AD tenciona baixar a taxa de IRC para metade. A receita de IVA vai aumentar 565 milhões € em 2024 agravando a injustiça fiscal

Interessa ter presente que a redução de 1327 milhões € no IRS resultante da tabela de IRS constante do OE-2024 aprovado pelo PS, mais a redução de 212 milhões € da tabela de IRS que a AD vai propor para aprovação não significa que os portugueses irão pagar menos 1539 milhões € em 2024 do que em 2023 (em 2023, o Estado cobrou 18504 milhões € de IRS), mas sim é uma redução de 1539 milhões € relativamente ao que teriam de pagar se a tabela de IRS fosse em 2024 a mesma que vigorou em 2023. A redução do IRS cobrado pelo Estado em 2024 será muito menos que os 1539 milhões €.

 

O “ALÍVIO FISCAL” APROVADO PELO PS NO INICIO DE 2024 E O “CHOQUE FISCAL” AGORA DA AD

Para que se possa ficar com uma ideia clara da diferença entre a Tabela de IRS aprovada pelo PS no OE-2024 e a tabela de IRS do governo da AD, apresenta-se o quadro 1 onde constam 3 tabelas (2023 e 2024) e as diferenças entre elas.

Quadro 1 – Tabelas de IRS de 2023, de 2024 aprovadas pelo PS no início de 2024, Tabela de IRS com acrescento da AD

As diferenças entre as tabelas de IRS do PS e do governo da AD são mínimas(as 2 últimas colunas do quadro à direita a cor-de-rosa), pois a nível de taxas marginais varia entre menos -0,25 pontos percentuais e -3 p.p., e a nível das taxas médias, variam entre -0,25 p.p. e -1,32 p.p. Para que fique a que se resume o “choque fiscal” da AD consideramos 4 trabalhadores cujo rendimento sujeito a IRS (matéria coletável) é, respetivamente, 1000€, 2000€, 3000€ e 4000€.

Quadro 2 – Cálculo do IRS anual mensal 2023 e 2024 e diferença que resulta entre a Tabela de IRS do PS e da AD


Para a maioria dos trabalhadores, cuja matéria coletável ronda 1000€/mês (corresponde a uma remuneração mensal bruta de 1300€/mês) a redução de IRS resultante do “alivio fiscal do PS” relativamente a 2023 é de 23€/mês e o benefício do “choque fiscal da AD” em relação ao do PS é uma redução do IRS de 4€ por mês. A dedução especifica que desde 2010 nunca foi atualizada pelos governos do PSD/CDS e do PS, e que se mantém congelada em 4104€, determina que estão a ser fortemente lesados. Em 2024 se a dedução especifica fosse igual ao salário mínimo nacional, como se verificou até 2010, cada português pagaria, por mês, em média menos 73€ de IRS (1016€/ano), um valor superior benefício do “alívio fiscal do PS + choque fiscal da AD”.(em termos globais são mais 1400 milhões € de IRS)

 

SERÁ QUE MONTENEGRO ESTÁ A PROCURAR ENGANAR NOVAMENTE OS PORTUGUESES?

Na pág. 116 do Relatório do Orçamento do Estado para 2024, apresentado pelo governo de Costa, está o “Quadro 3.2.

Principais medidas de política orçamental com impacto em 2024”, onde se estima que a “Reforma do IRS determinará uma redução da receita fiscal de 1327 milhões €”-. Montenegro veio dizer que os cálculos do PS estavam errados, que a redução não era de 1327 milhões €, mas apenas de 1191 milhões € e com os mais 348 milhões € € que a AD aprovou, a redução total será de 1539 milhões €, embora não prove como chegou a esse valor. O comportamento recente de Montenegro leva-nos a duvidar de tal valor (348M€ e não 212M€) enquanto não divulgar os seus cálculos.

O gráfico 1, que se apresenta seguidamente mostra a evolução da receita de IRS entre 2011 e 2024 (a de 2024 é uma previsão). Entre 2011 e 2015, portanto em 4 anos, com o governo de Passos Coelho/Portas o aumento foi de 2641 milhões € (entre 2012 e 2013, verificou-se um aumento brutal do IRS de 34%, ou seja, +3329 milhões €), e entre 2015 e 2023, com os governos de Costa, portanto em 8 anos, a receita de IRS aumentou em 5357 milhões € (+40,7%).

Finalmente, os dados do gráfico 1 também mostram que entre 2023 e 2024, com “alivio fiscal” do PS a receita cobrada pelo Estado de IRS diminuiria apenas 439 milhões € , e se adicionarmos o “choque fiscal” da AD, a redução efetiva é de 652 milhões €, portanto valores muito inferiores aos 1539 milhões € que tem sido referido.

 

O IRC COBRADO AS EMPRESAS É MENOS DE METADE QUE O ARRECADADO PELO ESTADO COM O IRS

O gráfico 2 mostra a proporção (%) que a receita de IRC representa em relação à receita de IRS.

Como revela os dados do INE de 2011 a 2023, a receita de IRC paga pelas empresas tem sido sempre muito inferior à metade da receita de IRS. São principalmente os trabalhadores e pensionistas, cujos rendimentos representam mais de 90% dos rendimentos declarados para efeitos de pagamento de IRS, que financiam esta receita de IRS. Mas o governo da AD pretende reduzir a taxa atual base de IRC de 21% para apenas 15% e eliminar as derramas estaduais e municipais, como consta da pág. 39 do programa de governo da AD: “Redução das taxas de IRC, começando com a redução gradual de 2 pontos percentuais por ano, visando assegurar a tributação efetiva dos lucros a uma taxa de 15%; • Reduzir em 20% as tributações autónomas sobre viaturas das empresas em sede de IRC. • Promover a eliminação, de forma gradual, da derrama estadual e da derrama municipal em sede de IRC” . A concretização destas medidas da AD significaria um enorme benefício nomeadamente para os grandes grupos económicos e financeiros (bancos, EDP, GALP, JM/Pingo Doce, Sonae/Continente, etc.) pois reduziria os impostos que incidem sobre os lucros para metade. Por ex., o BCP que, em 2023 , teve um lucro total de 947 milhões €, com a redução dos impostos para metade, como promete o governo da AD, os seus já ofensivos lucros aumentariam para 1217 milhões €. A GALP que obteve em 2023 um lucro de 1255 milhões €, com a redução dos impostos para metade, os seus lucros aumentariam para 1855 milhões €. Uma medida desta natureza beneficiaria fundamentalmente os grandes grupos económicos e financeiros, a maioria deles controlados por grupos estrangeiros, que transfeririam para o estrangeiro este aumento de lucros, pois não investem em Portugal contrariamente ao que afirmam seus defensores. Esta redução enorme da receita de IRC em benefício fundamentalmente destas empresas teria de ser compensada com o aumento de receitas de impostos pagos pelos consumidores portugueses, pelos trabalhadores e pensionistas (IVA, IRS, etc.) . Disso não pode haver ilusões.

 

E RECEITA DE IVA, QUE ATINGE DE IGUAL FORMA RICOS E POBRES, A PREVISÃOÉ QUE AUMENTE, EM 2024, EM 5,1% SEGUNDO O OE-2024, MAIS DO QUE A INFLAÇÃO PREVISTA PARA O ANO, AGRAVANDO A INJUSTIÇA FISCAL

O gráfico 3, foi construído com dados divulgados pelo INE para o período de 2011/2023, e o de 2024, é o do Orçamento de Estado para 2024 aprovado pelo PS.

A carga fiscal de IVA que cai sobre os trabalhadores e pensionistas, que constituem a esmagadora maioria dos consumidores, é enorme e não para de aumentar. Em 2022 e 2023 , as receitas de IVA aumentaram, respetivamente, 14,2% e 18,4%, e para 2024, o governo de Costa tinha previso um novo aumento de 5,1%, o dobro da inflação prevista para este ano. Mesmo a alimentação e o cabaz de alimentos que esteve em vigor em 2023 não escapavam a este IVA.

 

A VARIAÇÃO DA RECEITA DE IMPOSTOS EM PERCENTAGEM DO PIB ENTRE 2011 E 2014

O gráfico 4, construído com dados divulgados pelo INE, mostra a variação das receitas de impostos em % do PIB.

Segundo os dados do INE, em percentagem do PIB, a receita de impostos aumentou entre 2011 e 2015, com o governo de Passos Coelho/Portas, de 23,3% do PIB para 25,4% do PIB (+ 2,1 pontos percentuais). Durante os governos de Costa praticamente não sofreu qualquer redução significativa (apenas entre 0,1 p.p. e 0,2%), tendo atingido, em 2022, uma percentagem mesmo superior a verificada com o governo do PSD/CDS (25,8%), portanto a afirmação dos líderes do PSD/CDS que apenas o PS é o campeão do aumento de impostos não é verdadeira. Em 2023, a percentagem desceu para 25,4% do PIB, a mesma registada em 2015 com o PSD/CDS. Para 2024, o governo de Costa previa que as receitas de impostos representassem 21,9% do PIB o que, a verificar-se, seria uma redução importante. Mas tanto o valor do PIB como o das receitas de impostos são meras previsões sujeitas a erros e correções.

 


Os custos da guerra

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A guerra que opõe a Rússia à Ucrânia está a levar a um grande aumento das despesas militares dos intervenientes directos, mas também dos países europeus que, seguindo as orientações dos EUA, têm suportado o esforço de um conflito nas suas fronteiras. De acordo com dados do SIPRI (Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo), as despesas militares globais totais aumentaram 6,8% em 2023, atingindo um novo máximo de 2,4 biliões de dólares, na sequência do aumento de 3,7% em 2022 (ano em que alcançaram os 2,24 biliões de dólares), com as despesas militares na Europa a repetirem o registo do maior aumento anual dos últimos 30 anos.

Este aumento de gastos traduz-se, inevitavelmente, na necessidade de redução de outras despesas públicas, como o investimento (Formação Bruta de Capital Fixo) e os apoios sociais (pensões de reforma, subsídios de desemprego e abono de família), situação que não parece conhecer fim anunciado, tanto mais que as despesas europeias (cujos estados membros são maioritariamente membros da NATO) em gastos militares dispararam, ultrapassando o nível da última fase da Guerra Fria.

São regularmente anunciados novos e maiores pacotes de ajuda à Ucrânia, o mais recente dos quais foi o de 61 mil milhões de dólares aprovado pela Câmara dos Representantes dos EUA, mas raramente se ouve qualquer referência ao facto de isso representar um gasto adicional de dinheiros públicos suportados pelos mesmos cidadãos europeus e norte-americanos que vêem reduzidas as políticas de investimento em desenvolvimento e infraestruturas e os apoios sociais, cujos efeitos só mais tarde se tornarão claramente evidentes.

Aos custos mais ou menos directos representados pelo armamento, somam-se os das bases dos EUA/NATO que, a partir do território europeu, desempenham papéis fundamentais no apoio a operações de guerra na Ucrânia ou no Médio Oriente e os futuros gastos em armamento e munições indispensáveis para repor os stocks dos exércitos dos diversos estados-membros.

Mas não é só no Ocidente (Europa e EUA) que se assiste a uma corrida aos armamentos e embora as duas regiões representem aproximadamente 1,5 biliões de dólares (cerca de 63% dos gastos globais), também a região da Ásia Oriental, onde pontifica a China, cresceu 6,1% e ultrapassou os 400 mil milhões de dólares, no último ano.

Fruto do conflito na Ucrânia, os gastos militares na Europa aumentaram 16%, atingindo os 588 mil milhões de dólares em 2023, valor que representou um aumento de 16% relativamente ao ano anterior. Com 74,9 mil milhões de dólares e um crescimento de 7,9% relativamente ao ano anterior, o Reino Unido continuou a ser o maior gastador militar na região; na Alemanha as despesas militares cresceram pelo segundo ano consecutivo, atingindo os 66,8 mil milhões de dólares e com o anúncio que pretendia cumprir a meta anual de 2% do PIB a partir de 2024, deverão manter essa tendência.

A própria Ucrânia tornou-se o oitavo maior gastador militar do mundo em 2023, com os gastos militares a aumentarem 51% e a atingirem os 64,8 mil milhões de dólares em 2023, valor que o SIPRI estima equivaler a 59% das despesas militares da Rússia no mesmo ano. Este valor não inclui a ajuda militar recebida de mais de 30 países, que terá totalizado pelo menos 35 mil milhões de dólares e está contabilizada nos gastos dos países “doadores” onde pontificam os EUA, com 25,4 mil milhões, e o Reino Unido, enquanto à cabeça da UE surge a Alemanha.

Os gastos militares na Europa Central e Ocidental atingiram 407 mil milhões de dólares em 2023, um aumento de 10% em relação a 2022 e de 43% em relação a 2014.

Outra dimensão desta realidade é a transmitida pela Polónia cujos gastos militares cresceram 75% entre 2022 e 2023, elevando-se até aos 31,6 mil milhões de dólares, naquele que foi de longe o maior aumento anual registado por qualquer país europeu. As despesas militares polacas foram 181% mais elevadas em 2023 do que em 2014, mas o mais alarmante é que estas despesas foram parcialmente financiadas através de um mecanismo de financiamento extra-orçamental que não mereceu o menor reparo dos sempre zelosos e “frugais” burocratas europeus que, há pouco mais de uma década e em nome da necessidade de uns mal explicados princípios de equilíbrio financeiro, condenaram a uma sangria financeira as populações dos países do sul da Europa.

Em resumo; os biliões de dólares mundialmente alocados a gastos militares não podem ser entendidos como absoluto desperdício (as encomendas que trazem ao sector industrial sempre têm algum reflexo positivo na criação de emprego e na distribuição de rendimento dela resultante, nem alguma vez será possível abdicar completamente de forças armadas e do respectivo equipamento pois sempre haverá alguma forma de conflito algures no Mundo), mas podemos (e devemos) questionar a lógica económico-financeira do actual modelo de capitalismo financeirizado que garante recursos ilimitados para o complexo militar-industrial ou para o sector financeiro, enquanto resiste à atribuição de fundos para resolver questões globais, como a saúde ou a fome, sempre preteridas na teia de interesses onde o lucro se sobrepõe a tudo e a todos.

25 de Abril de 1974_Notas sobre o (imediatamente) antes e depois

Dias antes do 25 de Abril de 1974 estava, como todos os meus colegas na altura alunos de Económicas, então com a denominação de Instituto Superior de Economia e encerrado por decisão do seu Director, o ex-Ministro das Corporações José João Gonçalves de Proença, sob convocação postal para comparência, segundo calendário determinado pelos nossos nomes, em instalações do Instituto onde seríamos fotografados para um cartão polaroid que de futuro teríamos, cada um de nós, de trazer ao peito para podermos circular dentro da Escola. Não me lembro de momento se o dia agendado para o primeiro contingente era 26 de Abril ou o próprio dia 25. O Director Proença, que não era dos próximos de Marcelo Caetano, recebeu rasgados elogios deste no Depoimento escrito logo em 1974 no seu exílio brasileiro.

Ultrapassando a nota pessoal, vejo no 25 de Abril de 1974 a comprovação de uma fórmula conhecida, de que um movimento revolucionário bem sucedido deve ter a adesão de uma parte das forças armadas e garantir a neutralização de outra parte. No que nos disse respeito, o processo revestiu mesmo a forma de um levantamento dos oficiais das forças armadas, sobretudo do Exército, foi organizado numa base de participação democrática, e teve um grau de envolvimento de unidades tão extenso que merece a qualificação que lhe deu, julgo, Vasco Lourenço de a maior operação de sempre do Exército Português, devendo também ser tido em conta o que Jorge Sales Golias escreveu sobre a tomada de controlo da Guiné por parte do movimento das forças armadas. Mas foi em larga medida um movimento que reflectiu um sentimento partilhado por sectores muito amplos da sociedade portuguesa, “mais do lado da esquerda que do lado da direita”, como deixou cair há dias o então adesivo Marcelo Rebelo de Sousa, e que constituiu como que uma “réplica”, com trinta anos de desfasamento, do sismo que no final da II Guerra Mundial levara à constituição de Governos Provisórios e à convocação de Assembleias Constituintes em muitos países europeus.

Tivemos ainda na mesma década, aliás ambas em 1979, duas outras revoluções com bastante impacto nos respectivos continentes, a da Nicarágua, contra Somoza, e a do Irão, contra o Xá. Mas a Revolução de Abril em Portugal tem mais pontos de contacto com o quadro político europeu, e em certa medida com o quadro político francês. Em 1969 em França Georges Pompidou tenta suceder a De Gaulle, tendo de disputar a eleição com Alain Poher, um centrista Presidente do Senado que é apoiado pelos socialistas SFIO, mas o antigo resistente Jacques Duclos, candidato do PCF, reúne uma fortíssima votação na primeira volta e para a segunda recusa a opção entre “o cólera e a peste”, sendo portanto eleito Pompidou. Em 1973 o novo Partido Socialista liderado por Mitterrand e o PCF, com alguns outros parceiros constroem um Programa Comum de Governo que tenta conquistar a maioria na Assembleia Nacional francesa.

Em Portugal, temos nestas datas situações quase homólogas. Em 1969 nas primeiras eleições com Marcelo Caetano como Presidente do Conselho de Ministros a oposição divide-se em Lisboa, Porto e Braga e, tendo as candidaturas decidido ir até ao fim, a CEUD, liderada por Mário Soares, fica atrás das CDE em Lisboa e em Braga(i). Em 1973, já com um acordo entre o PCP e um recém-fundado PS previamente assinado em Paris por Cunhal e Soares, a oposição concorre unitariamente nas listas de um Movimento Democrático Português que consegue dinamizar sessões eleitorais muito participadas a que as “autoridades” vão assistir para impedir que se fale na guerra em Angola, Moçambique e Guiné(ii), e depois de uma manifestação em 25 de Outubro em Lisboa, rapidamente contrariada pela polícia de choque, não vai até às urnas, apesar de ter sido legislada a inelegibilidade futura de quem tivesse desistido em eleições anteriores(iii). As percentagens de participação eleitoral divulgadas foram mais elevadas que as de 1969 apesar de não serem visíveis grandes movimentos de deslocação às secções de voto(iv). Seguiu-se um movimento grevista expressivo, sobretudo na cintura de Lisboa, em grande parte propiciado pela subida de custo de vida posterior ao choque petrolífero de 1973.

Apesar das dificuldades, Marcelo Caetano ainda foi ovacionado no estádio de Alvalade quando, depois de controlada a saída, em 16 de Março de 1974, do Regimento de Infantaria 5, das Caldas da Rainha, compareceu na tribuna para assistir a um desafio de futebol. Uma amiga facebookiana comentou em tempos que, sendo desconhecidos muitos dos que tinham acorrido ao Carmo em 25 de Abril, talvez isto fosse indiciante da inconstância do povo. Para além de ser admissível, sem cinismo, que haja um “povo de direita” e um “povo de esquerda”, julgo que terei indicado na altura que até conhecia dois dos “populares” que apareciam num icónico cartaz em cima de um tanque que circulou na Baixa nesse dia, um dos quais era operador de reprografia da secção de folhas da Associação de Estudantes de Económicas e outro um jovem aluno nocturno do primeiro ano da escola o qual, tanto quanto me lembro, já tinha feito o serviço militar, e em tempos me tinha abordado para trocar impressões. Que eu saiba, nem um nem outro tinham, ou vieram a ter, actividade política regular.

O caso de Marcelo Caetano é ainda hoje controverso. Os seus filhos Miguel e Ana Maria têm pacientemente explicado, contra quem quer reescrever a história, que o seu Pai não era um democrata. Miguel Caetano ainda outro dia no Goucha concedia que foi um ditador. Certamente o foi de um ponto de vista funcional, ao exercer um cargo que estava no centro de um regime que, mantendo algumas aparências de legalidade, Salazar tinha feito gravitar em torno da Presidência do Conselho de Ministros, um órgão que nem sequer funcionava colegialmente como Marcelo explicou – criticando – em Minhas Memórias de Salazar, ao ponto de saírem diplomas com assinaturas de ministros que não as tinham exarado. No entanto Marcelo nunca pôs a hipótese de apresentar em 1972 ao colégio eleitoral para Presidente da República um candidato alternativo a Américo Tomás, o que Salazar fizera em 1958 ao recusar que a União Nacional apoiasse a reeleição de Craveiro Lopes, uma vez que tinha presente que havia sido Tomás a nomeá-lo, e nas semanas finais de Governo ter-se-á tentado demitir duas ou três vezes, o que para ditador era, convenhamos, uma atitude sui generis. Acresça-se também a realização de contactos exploratórios com o PAIGC, a sugestão do Reino Unido, de que só veio a haver notícia vinte anos depois, quando a percepção que se gerara nas Forças Armadas era a de que o Governo estava a preparar uma humilhação semelhante à que estas sofreram aquando da ocupação de Goa, Damão e Diu pela União Indiana.

Do lado do Movimento das Forças Armadas um caso pelo menos é controverso. O de Jaime Neves, cuja participação no massacre de Wiriyamu já vi referida para alegar o carácter contraditório do Movimento. Vasco Lourenço, numa sessão comemorativa dos 40 anos do 25 de Abril que teve lugar no ISEG em 6 de Maio de 2014, explicou que a missão atribuída aos seus comandos de prender os oficiais de Cavalaria 7 não fora cumprida, por isso a unidade quis impedir a progressão de Salgueiro Maia e da Escola Prática de Cavalaria. Quer isto dizer que – se o seu pessoal tivesse aceitado cumprir a ordem de fazer fogo – os heróis do dia poderiam ter sido Junqueira dos Reis e Pato Anselmo e Jaime Neves não teria tido os créditos do 25 de Novembro de 1975 pois nem teria havido 25 de Abril de 1974. E daí talvez não, porque à ordem do MFA estavam na rua muitas outras unidades, mas não se teria falado de revolução sem sangue.

O livro Marcelo Caetano – Tempo de Transição publicado em 2012 a partir de debate feito em 2008 e 2009, reúne um conjunto de depoimentos evocativos do período em que o antigo Presidente do Conselho de Ministros exerceu tais funções, mostrando que nesse mesmo período figuras certamente estimáveis – que viriam mais tarde a encontrar-se no CDS, PSD e até no PS – tinham feito os possíveis para que a acção governativa tivesse frutos. Para mim, a intervenção mais instrutiva desse livro ainda é a de Francisco Elmano Alves, que, ao que percebi da leitura de Império, Nação, Revolução. As direitas radicais portuguesas no fim do Estado Novo [1959-1974], de Riccardo Marchi (A orientação política e a escrita do historiador), tendo sido membro da Liga dos Antigos Graduados da Mocidade Portuguesa, era considerado próximo dos “nacionalistas radicais”, e veio a ser Subsecretário de Estado da Juventude e Desporto, mais tarde organizador do crescimento da União Nacional / Acção Nacional Popular no Distrito de Setúbal, e depois Presidente da Comissão Executiva / Vice-Presidente da Acção Nacional Popular, e que no fim refere:

A última consigna que a Comissão Executiva da ex-ANP transmitiu aos seus filiados foi que aderissem aos partidos “viáveis” que se formassem e cujos objectivos melhor se compatibilizassem com os princípios da ANP.

É relativamente bem conhecida a forma como algumas personalidades próximas de Marcelo Caetano, ou que se tinham identificado com a “ala liberal” cuja apresentação como Terceira Via nunca chegou a dar origem a candidaturas às eleições de 1973, vieram a escolher entre o PPD – que beneficiou também da adesão de alguns históricos da oposição – e o CDS, se bem que tenha havido algumas hesitações entre os dois, no entanto a nível local o peso do PPD e do CDS pode ter sido determinado por esta arrumação inicial, num processo que não terá sido estudado sistematicamente(v). A participação de antigos membros da ANP em estruturas de vida mais efémera como o Movimento Federalista Português / Partido do Progresso que publicava o Tribuna Popular, ou na organização da manifestação da Maioria Silenciosa para 28 de Setembro, poderá ter-se ou não verificado, mas Marchi indica que a extrema-direita não marcelista reagiu mais rapidamente ao 25 de Abril que o resto da direita.

No campo em princípio oposto dos “movimentos radicais de esquerda cultural e política” , como os qualifica José Pacheco Pereira no seu livro As Armas de Papel, geraram-se em princípio preocupações opostas, embora a reacção de um destes ao movimento das Caldas em 16 de Março tenha sido “Insubordinam-se os mercenários do capital”. A existência de tantas “armas de papel” terá sido remotamente inspirada pelo Que Fazer de Lenine, que propunha como instrumento do Partido Operário Social Democrata Russo a circulação de um jornal, organizador colectivo, alargado a toda a Rússia. Os grupos que se formavam e reformavam, numa situação em que se esperava que o quadro político viesse a ser alterado, investiam na publicação de títulos que reforçassem a sua influência e quiçá lhes pudesse vir a assegurar um futuro papel dirigente. Na altura não havia Internet…

Entre a direita e os “radicais de esquerda” o novo poder tentava organizar-se: o MFA afasta o cenário de diluição nas Forças Armadas, Spínola tenta parecer equidistante (em reunião na Manutenção Militar diz aos interesses empresariais para se organizarem, faz importar a Lei da Greve da RFA), perde o concurso de Adelino da Palma Carlos e de Francisco de Sá Carneiro (Magalhães Mota passa a ser o rosto do PPD no Governo Provisório), aceita reconhecer o direito à autodeterminação e independência, e aproveitando-se do facto de o Programa do MFA prever a eleição tanto de uma Constituinte como a do Presidente da República, quer começar por esta, numa manobra que fez recordar Sidónio Pais, em 1918, e Carmona, em 1928. Acaba por renunciar depois do 28 de Setembro e é sucedido por Costa Gomes. Nota talvez significativa: nas eleições presidenciais francesas por altura do 25 de Abril, provocadas pelo falecimento de Pompidou, a esquerda tinha voltado a falhar a vitória, como já falhara em 1973 nas legislativas para as quais tinha preparado um Programa Comum de Governo; ganhou “Giscard à la Barre”, isto é Giscard d ‘Estaing como Presidente e Raymond Barre como Primeiro-Ministro.

O Governo Provisório começa a legislar sobre formação de partidos políticos, recenseamento, eleições, liberdade sindical e as tensões vão crescendo. Toma-se uma decisão incontestada na altura mas que ainda hoje tem profundas consequências: as eleições para a Constituinte são feitas proporcionalmente mas por círculos distritais. Ora a Assembleia Nacional começara a ser eleita por círculo único nacional e só em 1945 o começou a ser por círculos distritais. Faria sentido que pelo menos a Constituinte, sendo eleita proporcionalmente, o fosse por círculo nacional, de forma a ter representadas o máximo de correntes de opinião. Não se foi por essa via.

Voltemos a 25 de Abril, 5ª feira, e a uma nota pessoal. A 26 fui até Lisboa e integrei-me numa manifestação que subiu a Avenida da Liberdade e foi até ao jornal A Capital. A 27, lembrei-me de que era estudante, e embora não fosse da Direcção da Associação, fui até à Rua Miguel Lupi exigir, com outros colegas que entretanto se juntaram, que reabrissem o Instituto. Veio uma viatura militar, acabámos por conseguir. Com um atraso que nunca perdoei a mim próprio: o Director Gonçalves de Proença viera à escola a 26 e esvaziara o gabinete. De resto tenho a ideia que, salvo a construção de uma solução pedagógica para continuarmos a ter aulas a partir do ano seguinte, fomos perdendo tempo: reuniões gerais muito participadas para votar meras moções, tentativas de construção de uma União Nacional de Estudantes que ainda hoje não existe, e a partir de Outubro uma instabilidade que começou a manifestar-se no ensino superior mas que veio a afectar todo o país.

 

Notas

(i) E, segundo me disseram, só não sucedeu o mesmo no Porto porque a Comissão Democrática do Porto não estaria preparada para a orientação de ir até ao fim que veio a ser adoptada.

(ii) Não fui a nenhuma destas sessões – o que me valeu da parte de outros colegas de Económicas olhares de dúvida ou mesmo de reprovação – que terão tido uma especial receptividade em centros urbanos não tocados em campanhas oposicionistas anteriores, contaram-me por exemplo a que teve lugar em Torres Vedras.

(iii) O que não impediu a oposição democrática de ter encontrado candidatos para concorrer em 1973 mas incomodou sim um candidato da “situação” por Braga que em 1969 concorrera por uma lista “nacionalista” que não foi até ao fim. Percalços…

(iv) Era habitual membros da Legião Portuguesa votarem em múltiplas mesas de voto.

(v) No caso da Maia enquanto Vieira de Carvalho esteve no CDS a base eleitoral manteve-se fiel a este, e quando se inscreveu no PSD acompanhou-o.

Revolução dos Cravos, 50 anos: quando as flores venceram os canhões

“Já murcharam tua festa, pá
Mas certamente
Esqueceram uma semente
Em algum canto de jardim”

(Tanto Mar, Chico Buarque)

Neste 25 de abril, a Revolução dos Cravos completa 50 anos. Um marco fundamental para Portugal e para o mundo. Nessa data, em 1974, Portugal se livrava de uma ditadura iniciada em 1926. A crise econômica provocada pelos gastos para combater os movimentos guerrilheiros – que já duravam havia mais de uma década, por libertação de Angola, Moçambique e Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe, então colônias mantidas a ferro e fogo – fortaleceu o movimento pela democracia no país e, com cravos nas mãos, milhares de pessoas saíram às ruas contra o moribundo regime. A libertação dos três países se deu imediatamente.

A iminente derrota militar para os movimentos guerrilheiros levou as Forças Armadas de Portugal a abandonarem o antigo regime. A publicação livro Portugal e o Futuro, do ex-governador de Guiné-Bissay, António de Spínola, em defesa de uma solução política para as guerras nas então colônias portuguesas, mostra uma fissura entre os salazaristas e o enfraquecimento da ditadura.

Com fundamental liderança do Partido Comunista Português e as liberdades democráticas estabelecidas, Portugal passou por transformações, em sucessivos governos de centro-esquerda, com uma nova Constituição de inspiração democrática, e nunca mais conheceu uma ditadura.

“A revolução de abril é patrimônio do povo e é patrimônio do futuro. Patrimônio construído pela luta dos trabalhadores e do povo e que nós comunistas nos orgulhamos de ter dado uma contribuição inigualável, não apenas na longa e heroica resistência, mas em todos os momentos decisivos da sua construção”, afirma Jerônimo de Sousa, secretário-geral do PCP.

Foto: Arquivo

A nova Constituição garantiu os direitos civis e políticos, assim como o acesso à saúde, a cultura, educação, habitação, previdência social, liberdade de organização sindical e de movimentos sociais, entre outros direitos humanos restabelecidos.

Com bandeiras parecidas com as utilizadas atualmente por fundamentalistas religiosos unidos a fascistas, inclusive no Brasil, a ditadura portuguesa se valeu de um discurso contra a política e os políticos e de lemas como Deus, pátria e família e a defesa intransigente de uma falsa “moral cristã” extremamente conservadora, e contou com apoio de grande parte da Igreja Católica. Como se vê, esse discurso fácil, que mistura crise econômica com fé religiosa e um individualismo exacerbado, não é novidade para a ascensão de ideias fascistas.

A música Grândola, Vila Morena, de José Afonso, executada nas rádios, foi o sinal para o povo tomar as ruas com o Movimento das Forças Armadas, ocupando locais estratégicos para impedir qualquer resistência. Como diz a música:

“Em cada esquina um amigo
Em cada rosto igualdade
Grândola, Vila Morena
Terra da fraternidade”.

A reação conservadora ao novo regime se fez contra as propostas progressistas de reforma agrária, contra o movimento sindical e contra todos os movimentos em favor de uma sociedade mais avançada de cunho popular.

Como um movimento sem igual na Europa do pós-Segunda Guerra, a Revolução dos Cravos, resultado de uma mobilização operária e popular, levou o Secretário de Estado dos EUA, Henry Kissinger, à intenção estadunidense de invadir Portugal com medo de uma “nova Cuba”.

Foto: Centro de Documentação da Universidade de Coimbra

Com isso, uma gama de forças antirrevolucionárias, com forte apoio dos Estados Unidos, foi podando os cravos dos jardins de Portugal e, no final, os cravos foram recolhidos, mas a democracia prevaleceu; mesmo porque “esqueceram a semente em algum canto do jardim”, como canta Chico Buarque. Mas os sonhos dos portugueses do 25 de abril de um mundo mais igual e humano persiste.

Cabe cultivar todas as sementes, em quaisquer cantos esquecidas, para superar o discurso de ódio, discriminação e violência, muito favorável à extrema-direita. Como aconteceu em Portugal, as flores venceram os canhões, como canta Geraldo Vandré.

 

Tanto Mar, de Chico Buarque


Texto em português do Brasil

A luta dos povos indígenas é a luta da classe trabalhadora por um mundo diferente

Neste 19 de abril de 2024 é importante mostrar que todo dia é dia dos povos indígenas. Porque o Dia dos Povos Indígenas, que antigamente era o Dia do Índio, mas o termo índio foi abandonado por ser considerado insuficiente para designar uma gama de 305 povos existentes no Brasil, que falam 274 línguas diferentes, segundo a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), existe para se pensar como não abandonar os povos originários à própria sorte, vulneráveis a ataques de toda ordem.

Antes de qualquer comemoração nessa data, que foi instituída em 1943, é importante denunciar a discriminação, a usurpação das terras indígenas,  muitas vezes com anuência dos poderes instituídos e de toda a violência física, até assassinatos desses povos, que são mais de 1,6 milhão atualmente, de acordo com o Censo 2022, do IBGE.

Para invadir as terras dos povos originários, latifundiários não medem esforços de todo tipo para explorar as riquezas do solo e subsolo. Como se viu no governo anterior, os indígenas viveram o inferno na Terra nesse período, que remonta a tempos passados de tanta humilhação e horror. Ficaram sem nenhuma demarcação de suas terras e sofreram ataques armados sem nenhuma proteção do Estado.

A favor da luta dos povos indígenas por autonomia, respeito e por todos os seus direitos à posse de suas terras, a uma vida tranquila, sem medo e sem discriminação. Necessário compreender e respeitar as suas diferentes culturas, costumes e línguas, deixando-os levar a vida como querem. Para tanto, existem filmes interessantes, alguns deles dirigidos e protagonizados por indígenas, como A Febre (2019), dirigido por Maya Da-Rin, em cartaz em alguns streamings.

Esse filme trata da luta permanente do indígena em se identificar como tal e ao mesmo tempo viver na cidade e ter trabalho, poder estudar e progredir na vida. Para com autonomia, afirmarem a sua existência e, mesmo vivendo na cidade, tendo celulares, cursando universidade e usando roupas, continuam a ser indígenas e como tal devem ser vistos e respeitados.

 

Trailer de A Febre

Em meio a tantas violências e opressões, desde a chagada dos portugueses por estas bandas, os povos indígenas vêm agindo por seus direitos que se materializam na demarcação de suas terras, sem nenhum marco temporal.

Como na obra As Hiper Mulheres (2011), dirigida por Carlos Fausto, Leonardo Sette e Takumã Kuikuro, em cartaz na Prime Video. Ao sentir a possibilidade da morte se sua companheira, um indígena idoso pede ao sobrinho para realizar uma cerimônia onde as mulheres cantam e assim a sua esposa poderá cantar pela última vez. O filme mostra como as questões de gênero estão presentes  na vida dos indígenas, com as mulheres tendo que se impor para serem respeitadas como se deve.

 

As Hiper Mulheres completo

Com o governo Lula, a situação dos povos indígenas melhorou com a Funai fazendo a sua real missão de proteger esses povos e o combate sério à mineração, ao desmatamento, ao extrativismo ilegal, ao o garimpo, como na terra dos Yanomamis, garantindo a segurança e a vida dos indígenas, como qualquer civilização que se preze deve fazer. Mesmo assim, ainda há a violência, onde os poderes locais fazem vista grossa a muitos ataques que os povos originários sofrem em conflitos por suas terras.

Outro filme importante é Xingu (2012), de Cao Hamburger. A trama conta a trajetória dos irmãos Villas-Boas no trabalho de estabelecer contato com os povos indígenas e a luta para a criação do Parque Nacional do Xingu como forma de defender esses povos dos ataques da ditadura (1964-1985), que vitimou muitos indígenas e proporcionou a invasão de suas terras. Importante conhecer esse momento para saber de mais essa atrocidade cometida pelos militares, então no poder.

 

Xingu completo

Como disse o cacique Raoni ao Ecoa UOL no ano passado, “minha luta hoje é defender a vida, a floresta, e também meu povo indígena para que não haja ameaças e violências, porque meu povo precisa crescer. Muitos povos desapareceram como indígenas. Então, os que estão aqui hoje, eu defenderei até meu último momento”. Que tal demarcar todas as terras indígenas já?

Caetano Veloso garante em sua música Um Índio que “um índio descerá de uma estrela colorida, brilhante/De uma estrela que virá numa velocidade estonteante/E pousará no coração do Hemisfério Sul, na América, num claro instante/Depois de exterminada a última nação indígena/E o espírito dos pássaros das fontes de água límpida/Mais avançado que a mais avançada das mais avançadas das tecnologias”. Essa canção é um verdadeiro hino de esperança.

 

Caetano canta Um Índio

Garantir os direitos, as terras, a cultura e o protagonismo dos povos indígenas na formação do Brasil é fundamental para compreender que a luta dos povos indígenas é a luta da classe trabalhadora por um mundo diferente, onde prevaleça a generosidade, o respeito e a solidariedade.

Para compreender toda a diversidade dessa gama de povos, muito importante ver filmes e ler livros como de Ailton Krenak, o mais novo componente da Academia Brasileira de Letras, entre muitos indígenas presentes nas artes.


Texto em português do Brasil

Contra educação humana e inteligente, Tarcísio quer a inteligência artificial

O jornal Folha de S.Paulo revela o que todas as pessoas ligadas à educação pública no estado de São Paulo, já desconfiavam. O governador do estado, Tarcísio de Freitas vai usar o ChatGPT, empresa de Elon Musk (que vive atacando a soberania nacional), para a criação de material didático em substituição aos profissionais humanos.

Na contramão de uma visão humana da educação, a Secretaria Estadual da Educação (Seduc) o ChatGPT fica responsável por criar “a primeira versão da aula com base nos temas pré-definidos e referências concedidas pela secretaria”, enquanto os professores ficam responsáveis por “avaliar a aula gerada e realizar os ajustes necessários para que ela se adeque aos padrões pedagógicos”.

Quando na realidade, tanto Tarcísio quanto o secretário Renato Feder insistem na substituição de humanos por máquinas, ainda mais num setor tão vital para o desenvolvimento da inteligência, da ciência, da cultura e do país como é a educação, principalmente a educação pública, que atende a maioria da população, justamente as crianças e jovens que têm menos chances na vida.

A Seduc afirma ainda que após a revisão de profissionais humanos, todo o material será entregue a uma equipe interna da secretaria para uma suposta adequação linguística do conteúdo produzido. O governo paulista não aprendeu ainda a lição de todo o material digital produzido com erros gravíssimos em todas as disciplinas.

Feder não respondeu nem se será usada a versão gratuita do ChatGPT ou versão paga, com dinheiro público envolvido. Depois de anunciar a entrega de 33 escolas, inicialmente, para a gestão da iniciativa privada com dinheiro público, o governador quer agora criar mecanismos de controle autoritário, tirando de vez o caráter humano e democrático da educação paulista. A que preço?

Porque o governo não usa todo o dinheiro empenhado nesses projetos tão prejudicais à educação e não utiliza essa verba em investimentos na melhoria da educação pública para criar boas condições no processo de ensinar e aprender? Com investimentos na melhoria de infraestrutura das escolas, nas condições de trabalho e na melhoria salarial de quem realmente trabalha na educação.

Engraçado que Tarcísio defende com tanto ardor a tecnologia (mal usada) na educação, mas é contra o uso de câmeras (que salvam vidas) nos uniformes dos policiais. É esse modelo de gestão autoritária e voltada para os interesses empresariais que questionamos. Lutamos por educação pública, gratuita, de qualidade, inclusiva e que abranja toda a diversidade humana. Uma educação voltada para a inteligência e em defesa da vida.

O que o governo paulista precisa fazer é contratar todas as professoras e todos os professores aprovados no último concurso realizado até preencher as mais de 100 mil vagas existentes na educação pública do ensino oficial do estado imediatamente.


Texto em português do Brasil

Sobreviventes a Salazar

Por sobreviventes a Salazar não pretendo aludir às três personalidades que, pelo que se viu na altura pela televisão, o acompanharam até à última morada no cemitério do Vimieiro: o seu antigo Subsecretário de Estado do Ministério das Finanças, mais tarde seu sucessor enquanto Ministro das Finanças, e posteriormente ainda Ministro da Presidência, João Pinto da Costa Leite (Lumbrales), o seu antigo aluno da Universidade de Coimbra, que terá obrigado a repetir uma oral, Capitão Santos Costa, seu Subsecretário de Estado do Ministério da Guerra, e posteriormente Ministro da Defesa, e Paulo Rodrigues, seu Subsecretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, que se qualificava a si próprio como “a caneta de Salazar”.

Quero-me referir sim a três pessoas que, tendo mantido a certa altura intervenções próprias, não propriamente dissonantes em termos de orientação política, não se envolveram tanto com o regime que não pudessem marcar certas distâncias. Falo de Fernando Emygdio da Silva, José de Araújo Correia e António Luís Gomes.

 

Fernando Emygdio da Silva

Fernando Emygdio da Silva (1886-1972), Doutor em Direito pela Universidade de Coimbra, de que nunca foi docente, Professor de Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa a partir de 1913, vindo a ser o seu Professor de Finanças, Administrador do Banco de Portugal a partir de 1919, e Vice-Governador deste a partir de 1931 em condições que lhe permitam considerar-se representante dos accionistas privados. Foi aliás administrador de um certo número de empresas privadas e Presidente do Conselho de Administração do Jardim Zoológico, a cuja Administração o seu Pai, Manuel Emygdio, também já tinha pertencido. Mantinha ligações com numerosas entidades nacionais e estrangeiras e proferiu ao longo dos anos muitas conferências, em parte reproduzidas nos cinco volumes de Conferências e Mais Dizeres que foi organizando, o último dos quais publicado postumamente por diligência da sua filha Maria Cristina e do seu filho Manuel, que nele também inseriram um extenso curriculum.

Os leitores regulares do Jornal Tornado terão a percepção de que comecei a “seguir” Fernando Emygdio da Silva a propósito do Primeiro Congresso Internacional de Ciências Administrativas, realizado em Bruxelas em 1910, onde fez quatro intervenções, uma das quais viria a ser editada em Coimbra com o título “Descentralização Administrativa”. Publiquei, ao fim de mais algum tempo a seguir pistas, As Secções Nacionais Portuguesas do Instituto Internacional de Ciências Administrativas (1908-2012As “Ciências Administrativas” e a ligação de Portugal ao seu Instituto Internacional.

Nesse trabalho reproduzi afirmações de Pedro Aires Oliveira na sua Biografia política de Armindo Monteiro:

É extenso o currículo do patrono de Armindo Monteiro, um homem a quem se apontavam ligações à Maçonaria e uma secreta aversão a Salazar…O seu distanciamento face a Salazar não o coibiu, porém, de acumular uma série de mandatos como procurador à Câmara Corporativa (durante mais de 20 anos).

Eu diria que o exercer funções na Câmara Corporativa era até uma forma de manter distanciamento em relação a Salazar … Fernando Emygdio era ligeiramente mais velho e, já Professor de Direito de Lisboa, tinha sido membro de um dos júris a que Salazar se submetera em Coimbra.

Quanto à aversão nota-se que de facto são muito poucas as notícias que mencionam o envolvimento de Salazar e de Emygdio da Silva nos mesmos eventos. Uma foi uma conferência realizada em sessão de homenagem das Universidades Portuguesas a Salazar nos dez de gerência da pasta das Finanças. De resto em conferências realizadas em Portugal e sobretudo no estrangeiro, enaltece a obra financeira e destaca os méritos do seu autor. Mesmo em relação ao “seu” Jardim Zoológico de Lisboa não é a Salazar que se pedem e se agradecem os apoios.(i)

Os leitores regulares do Jornal Tornado terão presente que, continuando a seguir pistas, vim a publicar mais tarde A Intendência Geral do Orçamento – História de um organismo que nunca existiu (1929-1996) 1938: Salazar deixa cair a Intendência-Geral do Orçamento.

Por Manuel Alves de San Payo – cml.pt, Domínio público, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=120257041

Aí se discute o estranho comportamento de Salazar que, tendo promovido em 1929 a publicação de um Decreto sobre reforma do orçamento da despesa que “completara” a reforma iniciada em 1928 com um Decreto que concretizara orientações que vinha defendendo, incluíra nesse Decreto de 1929 a criação de uma Intendência-Geral do Orçamento que anunciou como grande reforma, mas nunca deixou instalar nem extinguir.

Como talvez tenham também presente “encontrei” um artigo de Fernando Emygdio da Silva “A alta figura de Armindo Monteiro, seu laborioso e aprumado Caminhar na Vida” publicado na Revista da Faculdade de Direito de Lisboa, meses depois da morte de Salazar, onde se conta ter sido Armindo Monteiro – que praticamente se incompatibilizara com Salazar depois de ter sido embaixador em Londres após a II Guerra Mundial – o principal autor material do Decreto de 1929(ii). Vi referenciado esse artigo em trabalhos sobre Armindo Monteiro, mas terá passado desapercebido que nele se explicava que Salazar tinha pedido a este que solicitasse a colaboração de Fernando Emygdio no diploma, sendo da autoria deste último a parte do Decreto relativa à criação da Intendência Geral do Orçamento. Várias vezes em Conferências o Professor de Lisboa alertou para que faltava cumprir essa parte do diploma, mas não revelou, antes da morte de Salazar, ser o autor. E só o sabemos porque lhe sobreviveu.

 

José de Araújo Correia

José de Araújo Correia (1894-1978) apareceu-me como Ministro do Comércio e Comunicações no volume dos Anais da Revolução Nacional no primeiro governo da ditadura saída do 28 de Maio de 1926 posterior à eleição de Carmona, candidato único, como Presidente da República em 1928, que escolheu como Presidente do Ministério José Vicente de Freitas, em vez de Passos e Sousa, que conseguira controlar os movimentos militares “reviralhistas” em Lisboa e Porto no ano anterior, governo esse para o qual entrara também António de Oliveira Salazar. Identificado como Engenheiro – o seu curriculum de (mais tarde) parlamentar mostra-o como formado em Engenharia de Minas no Imperial College em Londres – veio a ser qualificado como Economista num artigo de Carlos Bastien, uma vez que exerceu de 1929 a 1964 funções na Administração da Caixa Geral de Depósitos, da qual foi Vice-Presidente e que as intervenções que foi fazendo com (moderada) intervenção na esfera política, incluindo como deputado, mantendo, como assinala Bastien, uma postura desenvolvimentista.

Na Assembleia Nacional foi deputado em todas as legislaturas do Estado Novo, o talvez os leitores devam enquadrar nos mecanismos descritos por exemplo Os Deputados da Assembleia Nacional (1935-1974) de J.M. Tavares Castilho, não perdendo de vista que as sessões legislativas têm duração limitada e que os deputados só eram remunerados no período das sessões. José de Araújo Correia é o relator do Parecer sobre as dez primeiras Contas de Salazar, publicadas em 1938 num volume intitulado Portugal Económico e Financeiro, que faz uma análise sagaz das medidas que durante o período coberto pelas Contas foram – ou não – introduzidas nos vários Ministérios.

Sobre a Intendência – Geral do Orçamento interroga-se por que razão não foi dado a ela o desenvolvimento esperado, e interroga-se se tal resultou de “segundos pensamentos” do Ministro das Finanças.

Integrando as Comissões de Contas Públicas que a Assembleia Nacional foi constituindo, redigirá ainda muitos outros pareceres sobre Contas Gerais do Estado. Nunca na União Nacional, onde por vezes se faziam “avaliações de desempenho” dos deputados, se terá colocado a oportunidade de o substituir. Também nunca foi novamente chamado a funções governativas ou executivas. Sobreviverá a Salazar, e até ao regime.

 

António Luís Gomes

António Luís Gomes (1898-1981) é menos conhecido que o pai, também António Luís Gomes, ministro do Fomento no Governo Provisório da República constituído após a Revolução de 5 de Outubro de 1910, que desempenhou muitos outros cargos, entre os quais o de Reitor da Universidade de Coimbra e virá a falecer em 1961 com 98 anos.

Formado em Direito por Coimbra, onde foi aluno de Salazar, tinha convicções monárquicas e chegou a ser professor da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, extinta em 1928 por um Governo da ditadura militar, ao mesmo tempo que a Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, cuja extinção foi posteriormente revertida.

Em 1933 o ainda Ministro das Finanças mas já então Presidente do Conselho de Ministros convida-o para Director-Geral da Fazenda Pública, depois de ter feito publicar o Decreto-Lei nº 22 728, de 24 de Junho de 1933 (Reorganiza os serviços da Direcção – Geral da Fazenda Pública), seguido pelo Decreto-Lei nº 23 565, de 12 de Fevereiro de 1924 (Classifica os bens do domínio público e privado do Estado, para efeito da organização do cadastro, estabelece normas para se fazer a avaliação destes bens e impõe aos que os têm na sua posse ou superintendência a obrigação de fornecer à Direcção-Geral da Fazenda Pública os elementos de que ela carecer para esse fim). No preâmbulo do primeiro daqueles, escreve:

As contas públicas, apesar do muito que têm melhorado, mercê da reforma de 1930, oferecem ainda como elementos de apreciação da Administração Pública, uma gravíssima lacuna…falta-lhes um elemento imprescindível, que é – a conta do património…

…Compreende-se o interesse não puramente científico, mas político e financeiro, de se poder a cada passo cotejar o aumento ou diminuição da dívida pública com as diferenças notadas no património do Estado. Fazem-se todos os anos construções novas; realizam-se aquisições de bens móveis ou imóveis; incorporam-se dezenas de milhares de contos no domínio público do Estado em melhoramentos ferroviários, pontes, estradas, portos, obras de hidráulica agrícola, reconstrução de monumentos e obras de arte. E não se tem por intermédio das contas a menor impressão do constante enriquecimento nacional operado por força das receitas ordinárias ou de dívida contraída expressamente para aquele efeito: vê-se o que se paga e o que se pede, mas não os aumentos que todos os anos se verificam no activo do Estado.

Muitos portugueses ficarão admirados de ser tão grande a fortuna do Estado, afecta ou não a serviços públicos, quando, organizado o cadastro, se lhes possa mostrar o seu valor, ainda que não rigorosamente determinado. É em qualquer caso uma vergonha que não estejamos ainda em condições de, à semelhança de muitos outros países, apresentar a conta de património com a conta geral do Estado.

Nas Contas Gerais do Estado de 1934/35 (ano em que o ano financeiro passou a coincidir com o ano civil) , 1936 e 1937, Salazar ainda publica – no Relatório – os números que a Direcção-Geral da Fazenda Pública vai apurando e enviando à Direcção-Geral da Contabilidade Pública, dando contudo indicações de que poderão necessitar de correcções.

Em 1938 suspende a publicação destes números:

Embora mandada organizar por decreto de 1934 (nº 23 565, de 12 de Fevereiro), não se conseguiu ainda que a conta do património, absolutamente necessária para se ajuizar da situação financeira e sobretudo do significado da dívida pública, nos ofereça aquela confiança mínima que deveriam ter os números para constarem deste relatório. A Fazenda Pública continua a rever cuidadosamente os bens e valores do cadastro, e devemos abster-nos de apresentar os resultados enquanto fazê-lo serviria apenas de pretexto para dizer que não podem estar certos.

A abstenção persistirá até 1968, o ano da queda da cadeira. A partir daí a Direcção-Geral da Contabilidade Pública passará a enviar ao Governo uma estimativa das variações patrimoniais implícitas na despesa orçamental realizada – uma ideia do próprio Salazar como alternativa à publicação de um Inventário actualizado mas que os seus Ministros não ousaram concretizar antes. Tal terá sido a “vergonha” do Chefe do Governo pelo fracasso. Podemos ler as várias Contas Gerais do Estado na Biblioteca e Arquivo Digital da Secretaria-Geral do Ministério das Finanças.

O Sigarra da Universidade do Porto indica que o seu antigo Professor António Luís Gomes (filho) assumiu em 1945, paralelamente à Direcção-Geral da Fazenda Pública, a presidência da Fundação da Casa de Bragança, que manterá até ao seu falecimento, e indica uma lista de obras suas, entre as quais o artigo “Quelques aspects de l´activité patrimoniale de l´État au Portugal”, publicado em 1954 numa revista belga e editado em separata no ano seguinte com um prefácio de Vitorino Guimarães, identificado como “Antigo Primeiro Ministro”, que na I República fora também duas vezes Ministério das Finanças e que fora um dos políticos republicanos que, em nome do Partido Democrático, escrevera à Sociedade das Nações opondo-se à contração de um empréstimo pela Ditadura Militar sem autorização do Congresso da República. Parte superior do formulário

O artigo menciona a tentativa de contração de empréstimo, a importância do Estado conhecer o seu património, insere o valor de 1938, que Salazar não quisera publicar, e a publicação em separata é dedicada ao irmão do autor, Rui Luís Gomes, professor da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, demitido da função pública em 1947 por ter reclamado da prisão de uma aluna pela PIDE, várias vezes ele próprio preso, tendo visto recusada em 1951 a sua candidatura à Presidência da República. Não encontrei publicado este episódio nem as consequências que teve para o Director-Geral da Fazenda Pública, mas sobreviveu a Salazar e em 1974, informa o Sigarra, era administrador do Banco de Portugal, tendo sido exonerado nessa altura(iii).

 

Notas

(i) Já em relação a Marcelo Caetano, que foi Presidente da Câmara Corporativa, a relação terá sido cordial. Este administrativista e colega de Faculdade foi convidado para Presidente do Conselho Fiscal do Jardim Zoológico, aceitou o encargo e exerceu a função.

(ii) Situando contudo o episódio no período em que Monteiro desempenhara o cargo de Subsecretário de Estado no Ministério das Finanças, quando a verdade é que era na altura Director-Geral de Estatística.

(iii) Foi o único de quatro irmãos a deixar descendência. Lembram-se de André Luís Gomes, advogado de Joe Berardo?

Montenegro pretende resolver as dificuldades do SNS incentivando os profissionais a trabalhar nos privados

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Montenegro pretende resolver as dificuldades do SNS, não reforçando o SNS para que este possa servir a população, mas fazendo convenções com os grandes grupos de saúde e IPSS às custa do escasso orçamento do SNS e incentivando os profissionais do SNS a trabalhar para os privados

Privatizar a educação pública beneficia apenas os tubarões da educação

Desde que assumiu o governo de São Paulo, Tarcísio de Freitas trabalha diariamente com a tese de destruição do Estado e privatização de todo o serviço público. Com isso, visa beneficiar o grande capital em detrimento de quem precisa do serviço público, além de tirar do Estado a responsabilidade de cuidar da coisa pública, como determina a Constituição. Esse é o projeto da extrema-direita.

Para tanto, o governador enviou um Projeto de Emenda à Constituição (PEC) estadual com objetivo de reduzir de 30% para 25% o percentual de impostos destinados à educação pública paulista. Se aprovada, essa PEC tirará do setor R$ 10 bilhões ao ano, em valores de hoje. E avança com seu projeto de destruição das políticas públicas em benefício da maioria da população, como foi o caso da privatização da Sabesp. E ele não pretende parar por aí para alimentar a sanha do mercado em abocanhar tudo o que vê pela frente.

Dentro desse contexto, a Secretaria Estadual da Educação de São Paulo (Seduc) anunciou para novembro uma Parceria Público-Privada (PPP), entregando 33 escolas públicas para a iniciativa privada. Nos mesmos moldes do que o atual secretário da Educação do estado, o empresário Renato Feder, fez no Paraná, onde os malefícios continuam afetando a população paranaense e os profissionais da educação.

De acordo com o governo paulista essa PPP envolverá a construção, gestão e operação das unidades, além de serviços não pedagógicos, como limpeza, manutenção, gestão de infraestrutura e segurança. No papel tudo bonitinho, mas, em sã consciência, qual empresa privada aceitará gerenciar escolas sem obter lucro? A Seduc afirma também que o objetivo é “liberar a direção da escola de tarefas burocráticas, permitindo maior dedicação às questões pedagógicas”.

Segundo o governo, esse projeto prevê R$ 1,6 bilhão de investimento e concessão de 25 anos para as empresas gerenciarem essas escolas. A Seduc tem a cara de pau de afirmar que “metade das unidades serão construídas até o segundo ano e as demais, até o terceiro ano de contrato”. O projeto promete atingir 29 municípios, com aporte do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Por que em vez disso, o governo paulista não investe esse dinheiro na educação pública, com tudo o que o as escolas necessitam para funcionar adequadamente? Claramente esse projeto é inimigo da educação pública porque entrega dinheiro público para o setor privado sem garantia nenhuma de retorno, muito menos retorno nas regiões mais deficitárias do estado.

Além do que dinheiro público deve ir para o setor público. Com esse projeto o governo de São Paulo mascara a proposta de destruição da escola pública com a privatização e, portanto, prejudica a população mais vulnerável, que mal tem dinheiro para sobreviver, ainda mais pagar por escola.

Além do mais, esse projeto significa um avanço à deterioração das relações de trabalho na educação porque no serviço público a contratação dever ser feita via concurso público como determina a legislação, Como ocorreu no Paraná e em todos os estados e municípios onde existem as PPPs, quem ganha são as empresas em detrimento da educação pública. Eles não estão preocupados com qualidade nenhuma, muito menos com as filhas e filhos da classe trabalhadora.


Texto em português do Brasil

Subsídios para uma pauta sindical de igualdade salarial entre mulheres e homens no Brasil

As Centrais Sindicais na Pauta da Classe Trabalhadora 2023/2026, documento no qual propõem diretrizes para o desenvolvimento do Brasil, apresentam a demanda para “promover o princípio do trabalho igual, salário igual”, o que está consignado na Convenção 100 da OIT – Organização Internacional do Trabalho.

​O Congresso Nacional aprovou Projeto encaminhado e sancionado pelo Presidente Lula, a Lei 14.611/2023, que dispõe sobre a igualdade salarial e critérios remuneratórios entre mulheres e homens para a realização de trabalho igual ou no exercício da mesma função. Trata-se de uma ótima iniciativa porque a experiência internacional indica que essa desigualdade diminui quando há legislação nacional que enfrenta o problema. Agora o Brasil se conecta com as melhores práticas internacionais nesse âmbito, abrindo caminho para avanços, inclusive na pauta sindical e nas negociações coletivas.

​Em 2020 a CES – Confederação Europeia de Sindicatos apontou que a diferença salarial de gênero na União Europeia somente seria eliminada, mantendo o ritmo de então, no próximo século. Naquele ano os dados do Eurostat – EU, indicavam que a brecha salarial havia fechado 1% em oito anos. Nesse ritmo, as mulheres deveriam esperar mais 84 anos para alcançar a igualdade salarial na União Europeia. A CES demandava que as instâncias de governança da EU adotassem uma legislação que enfrentasse o problema desse tipo de desigualdade. Em meados de 2023 a União Europeia também aprovou a diretiva de transparência salarial para todos os países da região.

​Há um estudo muito interessante produzido pela organização Equileap – Data for Equality, “Gerder Equality Report & Ranking 2024”, que avalia a desigualdade de gênero em 4 mil empresas em países desenvolvidos.

​Para fazer essa pesquisa comparativa o Equile apelaborou o “Equileap Gender Equality Scorecard”, um conjunto de critérios e de indicadores que buscam materializar métricas comparativas e que estão baseados nos Princípios de Empoderamento das Mulheres das Nações Unidas. Esses critérios formam um conteúdo inspirador para a elaboração de pautas sindicais focadas na igualdade dentre mulheres e homens no mundo do trabalho. São cinco bloco de diretrizes, a seguir apresentadas:

Bloco 1: Equilíbrio de gênero nos cargos de liderança e na força de trabalho

  • Conselho de Administração: equilíbrio de gênero no conselho de administração e demais conselhos (p.ex. fiscal).
  • Executivos: equilíbrio de gênero nos cargos de diretoria executiva.
  • Alta administração: equilíbrio de gênero na alta administração.
  • Força de trabalho: equilíbrio de gênero na participação de mulheres e homens na força de trabalho da empresa.
  • Promoção, oportunidades e desenvolvimento de carreiras: equilíbrio de gênero em toda a estrutura de gestão da empresa.

Bloco 2: Salário igual e equilíbrio entre vida e trabalho

  • Salário digno: compromisso de pagar salário digno a todos.
  • Disparidade salarial entre homens e mulheres: transparência nos dados salariais entre homens e mulheres; estratégias para eliminar as disparidades; mensuração do desempenho para alcançar os objetivos.
  • Licença parental: programas de licença remunerada para os cuidados das crianças, para cuidadores primários e secundários e políticas de igualdade nesse direito.
  • Opções flexíveis de trabalho: opção de controlar e/ou variar os horários de início e término da jornada de trabalho, e/ou variar o local de trabalho.

Bloco 3: Promoção de políticas de igualdade de gênero:

  • Formação de carreira e desenvolvimento: igualdade no acesso à formação e ao desenvolvimento de carreira.
  • Estratégia de recrutamento: não haver discriminação de qualquer tipo.
  • Violência, abuso e assédio sexual: proibição de todas as formas de violência no local de trabalho, incluindo assédio verbal, físico e sexual.
  • Segurança no Trabalho: segurança no local de trabalho, nos deslocamentos de e para o local de trabalho e em negócios relacionados à empresa, bem como dos fornecedores e terceirizados no local de trabalho.
  • Direitos humanos: proteção aos direitos humanos, inclusive aos direitos de participar de assuntos jurídicos, cívicos e políticos.
  • Cadeia de abastecimento: compromisso de reduzir riscos na cadeia de abastecimento/produtiva (trabalho análogo ao escravo, trabalho infantil, exploração sexual).
  • Diversidade de fornecedores:  garantia de diversidade na cadeia de abastecimento, inclusive no apoio às empresas pertencentes à mulheres na cadeia de fornecedores.
  • Proteção dos funcionários: sistemas e políticas para relatar reclamações internas de conformidade ética, com confidencialidade e segurança.

Bloco 4: Compromisso, Transparência e Responsabilidade

  • Compromisso com empoderamento das mulheres, segundo as diretrizes da ONU Mulheres.
  • Auditoria: manter ou participar de sistemas de auditoria das políticas e práticas de igualdade de gênero.

​Essas diretrizes formam um bom roteiro para a elaboração das pautas sindicais a serem apresentadas para nas negociações coletivas. Da mesma forma, permitem desenvolver o trabalho de formação sindical para preparar, em especial as mulheres, para promover essa agenda no meio sindical, nas relações de trabalho, nas negociações coletivas, nas empresas e nas organizações.


Texto em português do Brasil

Filme indiano mostra como o jornalismo pode fazer toda diferença

O filme Indiferença (no original, Bhakshak), dirigido por Pulkit, em cartaz na Netflix, mostra toda a diferença que o trabalho de uma jornalista pode fazer na vida de meninas órfãs, maltratadas e abusadas sexualmente num orfanato. Importante porque, para o jornalismo servir ao seu propósito, é necessária uma boa dose de coragem, abnegação e senso de humanidade.

Como a repórter Vaishali Singh (Bhumi Pednekar) diz no filme, o Facebook, representando as redes sociais, desumaniza as pessoas, tira todo o sentimento de solidariedade e de indignação e naturaliza a violência, o ódio e a discriminação.

Baseada em fatos reais, a obra retrata os acontecimentos de um abrigo em Muzaffarpur, Bihar, na Índia, onde as meninas eram surradas, estupradas e até assassinadas, com a complacência do poder local e da polícia. Qualquer semelhança com o Brasil será mera coincidência?

A jornalista de um pequeno canal de YouTube recebe a denúncia da existência de um relatório sobre as violências nesse abrigo, ignorado pelas autoridades que deveriam investigar e punir os responsáveis.

Sem se preocupar com audiência, com likes e sem medo de enfrentar esses bandidos, a jornalista iniciou uma investigação e foi descobrindo os horrores vividos por essas crianças e adolescentes e o sentimento de impunidade dos algozes, que chegaram a ameaçá-la e até a zombar do seu trabalho investigativo.

Indiferença leva a profundas reflexões sobre a falta de sensibilidade vivida neste século 21, com ideologias de extrema-direita dominando cenários, zombando da vida, de sentimentos, das mulheres e de todos os vulneráveis, sem que o Estado assuma a responsabilidade de impedir horrores desse tipo.

E não é somente na Índia e nem em abrigos de crianças órfãs que essas coisas acontecem. Basta ver os altos índices de violência contra crianças e adolescentes, inclusive no Brasil, dentro dos chamados lares e em todos os lugares.

Isso ocorre porque a mídia corporativa difunde preconceitos e não divulga amplamente o Estatuto da Criança e do Adolescente real, e difunde ideias deturpadas sobre impunidade de pessoas com menos de 18 anos e deixa sem combate o ódio aos mais pobres.

Basta ver como a imprensa esportiva trata jogadores muito jovens, meninos de 16, 17, 18 e até de 20 e poucos anos. A imprensa os trata como meninos que, por estarem em formação, como todo adolescente, não têm a mesma condição que os atletas adultos e quando um menino se destaca é sempre apontado que é muito jovem.

Mas quando um menino de menos de 18 anos comete um delito, por menor que seja, a mídia, na sua visão, não esconde a sua vontade de ver esse “monstro” na cadeia, preso como qualquer adulto. Os mais exacerbados defendem a redução da maioridade penal apenas com o argumento da vingança e da punição.

É dessa indiferença que o filme indiano trata com muita habilidade, com uma direção dinâmica e um roteiro atraente. E mostra como a sociedade necessita de jornalistas que não sejam indiferentes à violência com que são tratadas as crianças e os adolescentes em muitos países.


Texto em português do Brasil

As tecnologias existem para beneficiar uma educação mais humana

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A verborragia de Elon Musk, dono do X (ex-Twitter) e outras plataformas de internet, querendo mandar no Brasil, em total desrespeito à soberania nacional, mostra a urgência do país ter leis que regulem o funcionamento das redes sociais, exigindo civilidade, respeito e obediência às leis do país.

Esse episódio tem tudo a ver com o que está acontecendo na educação pública brasileira. E quem, como nós, acredita que a interação humana está no centro de uma educação voltada para um futuro onde predomine a inteligência, o respeito a todas as pessoas e a diversidade humana, se posiciona contra a chamada plataformização da educação, que ocorre em muitos estados.

Ninguém é contra a utilização das novas tecnologias na educação, mas essa utilização deve ser bem feita com ampla preparação dos profissionais e com os equipamentos necessários para funcionar bem. A tecnologia deve ser um meio para melhorar a interação humana e ajudar as professoras e os professores no seu trabalho. A tecnologia deve ser um meio e não o fim do processo educacional, assim como em tudo na vida, além de proporcionar o acesso ao conhecimento a todas as pessoas e combater as desigualdades.

Entendendo que a tecnologia deve ser usada em benefício de todas as pessoas. Fala-se muito atualmente sobre o uso da inteligência artificial, o que pode ser profundamente prejudicial ao processo de ensinar e aprender. Nada supera o cérebro humano e nada pode substituir o sentimento de humanidade nas interações educativas.

A pandemia nos mostrou claramente que as máquinas não substituem a interação humana, o olho no olho, o debate, o olhar com afeto sobre todas as questões. Fica claro a necessidade de uma educação baseada no diálogo, na democracia. Por isso, gestão democrática em todo o país é essencial para a educação ter a qualidade social e um melhor ambiente de trabalho.

Ao contrário do que acontece com a plataformização, feita de cima para baixo, sem o menor preparo de quem vai trabalhar com isso e em total desrespeito à inteligência e à diversidade. As plataformas digitais se mostram inoperantes, com conteúdo raso, totalmente adversa ao desenvolvimento do conhecimento e do pensamento crítico.

Reafirmamos a importância de se usar as tecnologias em benefício do desenvolvimento humano no processo educacional, respeitando-se todos os setores envolvidos e democraticamente buscar soluções capazes de melhorar a vida de todas e todos.


Texto em português do Brasil

E por que não “Governo Português”, com Esfera Armilar?

Pode parecer que a questão é apenas de logotipos, mas há décadas que a alternância de ciclos políticos, sobretudo desde que o “Estado” dispõe de internet e é menos oneroso, em termos de impressos, fazer alterações, se traduz num apagamento de informação colocada pelos Governos do ciclo anterior. O que evidencia o grau de respeito pelo cidadão que caracteriza os sucessivos protagonistas destes jogos.

Salazar, que no seu tempo de Ministro das Finanças estudou vários casos de organismos objecto de sucessivas reestruturações, falava de “estratificações”.

Também me senti um pouco arqueólogo quanto fui escrevendo uma tese de doutoramento intitulada O Progresso da Ideia de Gestão Empresarial na Administração Pública Portuguesa que concluí em 2012 e defendi em 2013.

O que me permitiu, no tempo da troika, formular observações como esta:

O site de Comissão Nacional de Normalização Contabilística da Administração Pública, criado em 2004 e que ostenta ainda o “Portugal em Acção” de Durão Barroso (indiciando que nos seis anos de Sócrates nenhum membro do governo foi lá ver o que estava ou não a ser feito…), tem publicado um texto …

Podem ler aqui o texto completo: O POCP e o SNC: para uma arqueologia da Comissão de Normalização Contabilística da Administração Pública

No que tange à presente polémica sobre o logotipo do Governo, registe-se que o conflito entre “Governo” e “República” não existirá por o primeiro ser uma parte e a segunda o todo. Nem necessariamente da presença do Partido Popular Monárquico na celebração da “escritura” de (re)constituição da chamada Aliança Democrática, mas talvez sim da existência no PSD e no CDS de personalidades de convicções monárquicas. Como o Presidente da Coisa, Marcelo Rebelo de Sousa, presidente até há pouco tempo da administração da Fundação da Casa de Bragança.

Julgo que a questão fundamental é a tensão entre o “de Portugal” e o “português”.

Historicamente a esquerda das Internacionais é que procurou fórmulas políticas que não a arrumassem a um quadro nacional estreito. As organizações identificavam no seu nome o país em que actuavam, não se davam por nacionais desse país. Temos aliás exemplos em que foram proibidas organizações com denominações do primeiro tipo que para se voltarem a legalizar tiveram de mudar de nome.

Referi em artigo anterior a ilegalização pelo Tribunal Constitucional da República Federal Alemã em 1956 do Partido Comunista da Alemanha (KPD, já proibido por Hitler em 1933) que a seguir à II Guerra Mundial teve um apoio eleitoral da ordem dos 10%, que cedo se reduziu mas podia ameaçar o milagre económico alemão apoiado por uma Academia de Gestão organizada por ex-SS que ensinavam “gestão de recursos humanos” e formas de manter um bom relacionamento entre as administrações das empresas e os “colaboradores”. Mais tarde (1968) lá se formou um Partido Comunista Alemão (DKP) sob vigilância que nem sequer se juntou ao Die Link (que reuniu ex-socialistas unificados do SED da ex-RDA e o grupo de Oskar Lafontaine da ex-RFA). Pelo menos durante um certo tempo tentou ajudar o Die Link não concorrendo.

Em França e em Portugal isso não aconteceu. Na primeira formou-se um Partido Comunista Francês e só mais tarde um Parti Communiste Marxiste-Leniniste de France dissolvido pelo Governo a seguir a Maio de 1968. Por cá também se formou um Partido Comunista Português e só mais tarde um Partido Comunista de Portugal (marxista-leninista ) que por volta do 25 de Abril se partiu em dois.

A Direita seguiu a evolução inversa. A princípio muito nacionalista, até as empresas estrangeiras que se radicam em Portugal incluíam “Portuguesa” no nome. Depois aperceberam-se que o nome “português” era mal visto em alguns meios e substituíram-no por “de Portugal” É onde têm montado o escritório para tratar das vendas!.

Gostaria que os vários Governos fossem sempre conhecidos, na ordem interna e na ordem externa, por Governo Português ou Governo da República Portuguesa.

Quando ao grafismo, deveremos manter a esfera armilar e enxertos cuja história nunca foi fácil de explicar, e hoje em dia ainda menos. Mas faz parte do grafismo da bandeira que é como um logotipo da Nação. Quem quiser mudar a bandeira, que peça à União Europeia que inclua a medida no Plano Nacional de Reformas e depois mudamos para libertar uma qualquer tranche adicional de ajudas.