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Quinta-feira, Abril 25, 2024

Retrato de um país a caminho do abismo

Eugénio Rosa
Eugénio Rosa
Licenciado em economia e doutorado pelo ISEG

Baixos salários, riqueza criada insuficiente e a cair, um estado cada vez mais endividado: o retrato de um país a caminho do abismo que é necessário também não esquecer nas decisões políticas

Neste estudo analiso as consequências da crise causada pela pandemia a nível dos salários dos trabalhadores e da riqueza criada em Portugal (PIB) comparando com as médias dos países da União Europeia assim como o aumento vertiginoso do endividamento do Estado que depois terá de ser pago por todos os portugueses com os impostos que têm de suportar. É um outro lado da crise cujos efeitos não podem ser também esquecidos nas decisões políticas, pois a atual crise não é apenas uma grave crise de saúde pública cujas consequências no SNS, devido à escassez de meios causado pela  suborçamentação crónica (subfinanciamento) a que tem sido sujeito, inclusive em 2021, têm sido dramáticas quer para os doentes do COVID 19, quer para os outros doentes que não têm sido tratados, quer ainda a sobrecarga para os profissionais de saúde em número insuficiente.

Neste estudo, para se poder compreender os efeitos da crise atual quer a nível social (rendimentos dos trabalhadores) quer a nível económico (criação de riqueza), procura-se traçar um quadro claro da situação em que se encontrava o país antes da pandemia, comparando com a de outros países da União Europeia, até para que fique claro que as consequências serão mais dramáticas para os portugueses se a situação não for gerida com cuidado e de uma forma muito racional e planeada, pois o país não aguenta mais improvisos. Este estudo é apenas um alerta para um outro lado da crise que, por vezes, é ignorado.

 


Estudo

Baixos salários, riqueza criada insuficiente e a cair, um estado cada vez mais endividado: o retrato de um país a caminho do abismo que é necessário também não esquecer nas decisões políticas

Para se poder compreender os efeitos da crise atual quer a nível social (rendimentos dos trabalhadores) quer a nível económico (criação de riqueza) é importante ter um quadro claro da situação em que se encontrava o país antes da pandemia, até para se poder conhecer para onde estamos a caminhar nestas duas áreas vitais para a vida dos portugueses. Este estudo é apenas um alerta de um outro lado da crise para reflexão.

 

Os salários em Portugal correspondem a metade da média dos países da U. E., mas os portugueses são obrigados a pagar em muitos bens preços europeus (combustíveis, gás, etc.)

O gráfico 1, com os últimos disponibilizados pelo Eurostat mostra a grande diferença entre os salários pagos em Portugal e os salários praticados nos países da União Europeia.

 

Gráfico 1 – Salário horário médio em Portugal (laranja) e salário horário médio nos países da União Europeia (azul) Fonte: Eurostat

Antes da crise, o salário horário médio em Portugal era já menos de metade do salário horário médio nos países da União Europeia. Entre 2006 e 2018, a percentagem que o salário médio hora pago aos trabalhadores portugueses representava em relação ao salário médio hora na União Europeia diminuiu de 52,3% para apenas 48,9%.

Portugal continua a ser um país de muito baixos salários o que determina que a sua economia tenha uma baixa intensidade tecnológica e de conhecimento e seja extremamente frágil como a experiência tem e está a mostrar. E é com estes baixos salários que os trabalhadores portugueses estão a enfrentar as consequências dramáticas da crise, nomeadamente a perda de rendimentos.

O quadro 1, com dados do INE mais recentes, confirma as baixas remunerações que são pagas no setor privado em Portugal em 2020, o que torna a situação ainda mais difícil mesmo para aqueles que têm trabalho.

 

Quadro 1 – Remuneração horária bruta total – Dados declarados pelas empresas à Segurança Social – INE

A remuneração bruta total é muito baixa em Portugal (6,05€/hora segundo o INE em 2020). Em junho de 2020, quando comparado com idêntico mês de 2019, verifica-se já uma redução 18,4% na remuneração hora bruta total que resulta do facto das entidades patronais, aproveitando a crise que as afeta, começarem já a pressionar as remunerações para as baixar ainda mais com o objetivo de transferir os custos da crise para os trabalhadores. Ainda não há luz no túnel. E acentua-se a insegurança com a ameaça de novo confinamento.

 

A riqueza criada em Portugal era já insuficiente antes da pandemia e caiu com a crise

Mesmo antes da crise, o PIB (riqueza criada) por habitante em Portugal já era muito inferior à média dos países da U.E. como revela os dados do Eurostat do gráfico 2. Baixos salários geram baixa riqueza criada.

 

Gráfico 2 – PIB (riqueza criada) anula por habitante em média na União Europeia (azul) e em Portugal (laranja) – Fonte: Eurostat

Em 2010, o PIB por habitante em Portugal correspondia a 66,6% do PIB médio por habitante dos países da União Europeia e ,em 2019, tinha descido para 64,7%. Portugal no lugar de convergir para a média da U.E. estava a divergir. A riqueza criada por habitante no nosso país é cada vez mais insuficiente.

 

Gráfico 3 – PIB (criação de riqueza) por trabalhador em Portugal por trimestre Fonte: INE

Antes da crise, cada trabalhador em Portugal criava por trimestre riqueza (PIB) avaliada entre 11.869€ (1º Trimestre de 2019) e 11.990€ (4º Trimestre de 2019) o que, comparado com a média dos países da U.E. correspondia a cerca de 64,7%. Com a grave crise causada pela pandemia que levou ao fecho de uma parte significativa da economia, a queda da riqueza criada por trabalhador foi brusca e acentuada (-13,6% no 2º Trim.2020 quando comparado com o trimestre homólogo de 2019).

Com o desconfinamento no 3º Trim. 2020 registou-se uma certa recuperação da economia já que o PIB por trabalhador aumentou, entre o 2º Trimestre e o 3º Trim.2020, de 10.282€ para 11.553€ (+12,3%), o que mostra que o teletrabalho é um mito. Com a ameaça de novo confinamento causada pela nova onda do COVID 19, a concretizar-se, a contração da economia será maior que a do 2º Trim.2020, pois a economia está mais fragilizada e muitas empresas, que conseguiram sobreviver ao 1º confinamento, é de prever que já não consigam agora.

Ficaremos com um país e uma economia mais destruída e com maior desemprego. E os apoios não resolvem o problema.

 

Um estado cada vez mais endividado, cuja divida terá de ser paga com os nossos impostos

Para apoiar as empresas e as famílias a divida pública tem aumentado assustadoramente. Segundo o Boletim Estatístico do Banco de Portugal de jan.2021, entre dez.2019 e out.2020, portanto em apenas 10 meses, a divida das Administrações Públicas aumentou de 310.466 milhões € para 330.000 milhões €, e a divida na ótica de Maastricht subiu de 249.985 milhões € para 268.143 milhões €. No fim de set.2020, a divida das Administrações Públicas já correspondia a 160,8% do valor do PIB e a de Maastricht a 130,8%.

Um aumento da taxa de juro  criará uma situação insustentável ao país pois os encargos com uma divida desta dimensão (em 2021, 5.487 milhões€) poderão tornar-se incomportáveis.  



 


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