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Quinta-feira, Abril 25, 2024

Manuel Pina, o gosto pelo cinema e a intervenção cívica

José M. Bastos
José M. Bastos
Crítico de cinema

Pretexto para uma brevíssima incursão na história do cineclubismo português.

Na edição de hoje do TORNADO é publicado um texto de Helena Pato sobre Manuel Pina, resistente antifascista, humanista e cineclubista.

Nesta pequena prosa resolvi dar um testemunho do convívio que tive o privilégio de ter, já nos anos 80 do século passado, com esta figura incontornável do cineclubismo português.

Manuel Pina

A minha entrada no movimento cineclubista data de 1974. Nesse ano fiz-me sócio do Cineclube do Porto e, por isso, não posso reivindicar para mim, neste campo específico, qualquer papel na resistência à ditadura. Cheguei contudo a tempo de conhecer vários companheiros um pouco mais velhos que eu que tinham vivido a prática cineclubista antes do “25 de Abril”. E conheci, sobretudo, Henrique Alves Costa, naquela data já sexagenário mas sempre jovial, figura proeminente da cultura, do cinema e do cineclubismo com quem tive o prazer de privar durante cerca de uma dúzia de anos.

Deles ouvi relatos de sessões (algumas delas quase clandestinas) com filmes proibidos em Portugal que através de embaixadas estrangeiras chegavam ao nosso país em mala diplomática ou que eram obtidos por outros meios menos oficiais com riscos evidentes para as pessoas envolvidas nessas “operações”. Ouvi igualmente a descrição da tarefa ciclópica da elaboração dos programas das sessões que tinham que ser submetidos à Comissão de Censura, mais tarde rebaptizada de Exame Prévio. E, pelo meio, as histórias de cumplicidade entre os cineclubes (do Porto, de Guimarães, Imagem, ABC, Universitário de Lisboa e outros…), quase todos manifestamente desafectos ao poder instituído, e entre os seus dirigentes: o próprio Alves Costa, Manuel de Azevedo, Mário Bonito, Luís Neves Real, Santos Simões, Henrique Espírito Santo…e… Manuel Pina.

Movimento cineclubista

Cheguei ao movimento cineclubista num período efervescente e de vertigem, em que tudo nos era permitido, mas que marcava também o fim do clima de unidade entre os cineclubes que era naturalmente resultado da partilha de paixões cinéfilas, mas também, e em grande parte, alimentado por uma cultura de resistência ao fascismo. Com o advento da liberdade os partidos vieram à luz do dia, alguns procuraram criar as suas frentes culturais e alguns cineclubes foram tomados por direcções alinhadas com estratégias partidárias.

Apesar deste ambiente conturbado e das divisões existentes no seio do movimento foi em 1977 que finalmente foi fundada a Federação Portuguesa de Cineclubes (FPCC), como estrutura resultante da vontade dos seus membros. Antes de 1974 tinha já havido um “Federação” controlada pelo governo e na qual a maior parte dos cineclubes nunca se reviram.

E foi como membro da Direcção do Cineclube do Norte, fundado também em 1977 por elementos saídos do Cineclube do Porto, e integrando os Corpos Gerentes da FPCC que, nos anos 80, conheci o Dr. Manuel Campos Pina que, abordado por Alves Costa e outros amigos, tinha aceitado ser Presidente da Assembleia Geral da Federação.Depois de muitos anos de resistência à ditadura aí estava Manuel Pina de novo envolvido num movimento que agora desenvolvia a sua actividade em plena liberdade, mas no qual as diferenças de opinião e de posicionamento assumiam por vezes facetas de divergência extremamente acaloradas.

Do crítico de cinema e cineclubista de que muito tinha ouvido falar conheci então a bonomia, o carácter discreto e firme, tolerante e paciente, mas rigoroso e escrupuloso no cumprimento das regras. Recordava-me há dias um amigo comum, André de Oliveira e Sousa, na altura Presidente da Direcção da FPCC, um episódio em que Manuel Pina foi acusado por alguns, e com eco nos jornais, de ter sido parcial num acto eleitoral da Federação. Outros saíram em sua defesa mas infelizmente sem a mesma repercussão na comunicação social.

Certamente triste, mas sem azedume, Manuel Pina viria a afastar-se mas sem deixar de alimentar a sua paixão pelo cinema e pelos cineclubes cuja importância enalteceu até ao fim dos seus dias:

o que me dói, hoje em dia, não é apenas não se falar de cineclubismo (…) mas também verificar que, quando, por milagre, se faz referência aos cineclubes, se mostra ou uma grande ignorância ou uma declarada indiferença, diminuindo a dimensão da obra que realizaram”

Dizia-me também há dias outro amigo, António Loja Neves, que na última vez em que encontrou Manuel Pina ele logo disparou: “temos que fazer a História do CCUL (Cineclube Universitário de Lisboa)”!

The Juggler

Pelo que atrás se diz e por muito mais, foi com elementar justiça que a Cinemateca Portuguesa promoveu no passado dia 11 uma sessão com o primeiro filme objecto de uma crítica de Manuel Pina: “The Juggler” / O Malabarista, realizado em 1953 por Edward Dmytryk .  Segundo o programa da Cinemateca “uma relativamente insólita (no seio da produção corrente da Hollywood do princípio dos anos cinquenta) abordagem das questões históricas e psicológicas suscitadas pela adaptação à “vida comum” dos sobreviventes dos campos nazis. Kirk Douglas é o protagonista, um malabarista que, em 1949, chega a Israel integrado num contingente de refugiados judeus vindos da Alemanha. Insólito, ainda, por se tratar de um dos primeiros retratos dos anos iniciais do recém-fundado Estado israelita.” Um filme com um tema absolutamente consonante com as preocupações humanistas de Manuel Pina sobejamente demonstradas pelo seu papel à frente da UNICEF em Portugal.

E para terminar, uma breve citação do actual Director da Cinemateca Portuguesa, José Manuel Costa, que em Abril de 2015 terminava um texto sobre Manuel de Oliveira – “Oliveira e Nós” – com as seguintes palavras:

Obrigado Manuel Pina, Henrique Alves Costa e João Bénard da Costa, pelo que me deram a conhecer e pelo que me ajudaram a compreender relativamente à obra de Manoel de Oliveira”

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