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Quinta-feira, Abril 25, 2024

A política dos “não-políticos”

Maria do Céu Pires
Maria do Céu Pires
Doutorada em Filosofia. Professora.

A revisão constitucional de 1997 trouxe a possibilidade de apresentação de “candidaturas independentes” para os municípios e não só para as freguesias como acontecia até aí. Assim, nas eleições de 2001 surgem, pela primeira vez, em Portugal “listas de cidadãos”, sendo eleitos, nesse ano, três presidentes de câmara. Em 2013 o movimento alarga-se em candidaturas e em número de eleitos que passa a treze, o que faz com que os chamados “movimentos independentes” se tornem a quarta força política mais votada (6,9%).

Esta tendência não pode ser dissociada da crise do sistema democrático e da perda de legitimidade e de confiança em muitos dos dirigentes partidários. Foram vistos como alternativa a todas as fragilidades reconhecidas nos partidos “tradicionais”. Como tal, estes movimentos de cidadãos seriam enriquecedores da democracia, uma vez que possibilitariam o desenvolvimento da sociedade civil, o crescimento da participação cívica e o combate à “partidocracia”.

Contudo, na maior parte das candidaturas a que temos assistido desde 2001, o que se verifica não é exactamente isso. Bem pelo contrário. Estes movimentos, afirmando-se “anti-política” e “anti-partidos” são, na verdade, produto de disputas internas no seio dos partidos, sendo liderados por pessoas que se envolveram em processos de dissidência e pretendem desenvolver projectos pessoais de poder. O salutar debate democrático é substituído pela vontade de uma pessoa a quem cabe decidir. Estando muito associados a mecanismos de caciquismo, estes “independentes” fazem a gestão distribuindo prémios e recompensas pelos amigos que, por sua vez, retribuem em apoio. Orientam-se, portanto, em função de interesses pessoais e grupais e não em função da comunidade, no seu todo. Numa palavra, reproduzem o que de mais negativo existe no sistema partidário: o clientelismo.

A proclamada “anti-política” não é outra coisa senão uma forma de fazer política aproveitando (demagogicamente) uma opinião pública insatisfeita e cansada, desinteressada de uma discussão séria dos problemas, cedendo ao facilitismo e deslumbrando-se com a arrogância dos “salvadores.”

A pior política é mesmo a dos “anti-política”. Porque quem se nega a si próprio não pode ser fiável.

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