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Quinta-feira, Abril 25, 2024

Nakba — garrote israelita: o soar do gongue europeu

Prossegue uma Guerra que se seguiu à fundação do Estado de Israel, há 70 anos, que voltou a ser esquecida, por estes dias, em Portugal, mas que constitui um urgente desafio aos portugueses e aos europeus. Mais que olhar para as consequências dramáticas para a população árabe (mais de 700 mil pessoas perderam tudo o que tinham nestes 70 anos, com 13 mil mortos), a Europa é chamada a reflectir sobre o que quer para si.

Este desafio essencial deriva da decisão de Trump recolocar a embaixada dos EUA em Jerusalém, gerando mais um massacre de muitas dezenas de palestinianos: não se pode e não se deve mais confiar num país governado por um homem como Donald Trump. As imagens da Faixa de Gaza que chegam até nós são uma triste evidência dessa urgência existencial para a Europa. Mas vamos aos factos que nos trazem até aqui.

No verão de 1948, as pessoas que em Maio perderam os seus lares com a fundação do Estado de Israel vagueavam em filas intermináveis, amontoadas em camiões, montadas em burros ou a pé.

A Nakba – “catástrofe”, como os palestinos chamam os acontecimentos que se seguiram à fundação de Israel – estava prevista e anunciava há tempos. Trinta anos antes, em 2 de novembro de 1917, o ministro britânico dos Negócios Estrangeiros, Arthur James Balfour, enviara uma carta ao presidente da Federação Sionista Britânica, Lionel Walter Rothschild. Esta Declaração de Balfour, como ficou conhecida, afirmava que o Reino Unido ia promover a criação da pátria para os judeus.

Muitos judeus do Leste Europeu fugiram para a Palestina, fugindo dos pogroms. Entre 1882 e 1939, 380 mil judeus chegaram a uma terra que já tinha 450 mil habitantes em 1882, na maioria esmagadora árabes muçulmanos.

Jerusalém, um pomo da discórdia

Segundo o Velho Testamento, no ano 1000 a.C., David, rei de Judá e Israel, conquistou Jerusalém aos cananeus, tornando-a capital e centro religioso do reino. Salomão, o filho de David, construiu o primeiro templo para Yaveh ou Javé, o deus de Israel. Estava criado o centro do Judaísmo que durou até ao tempo em que o babilónio rei Nabucodonosor II o conquistou no séc. VI a. C., destruindo o templo e levou presa a elite judaica, para a Babilónia. Ciro, o Grande, conquistou a Babilônia e permitiu que os judeus voltassem a Jerusalém e reconstruíssem o templo que foi arrasado no ano 66 d.C. pelos romanos.

Os romanos e os bizantinos dominaram a Palestina durante 600 anos, quando o califa Umar, em 637, cercou e conquistou Jerusalém, ocupada várias vezes por soberanos árabes diferentes.

Os cristãos sentem a ameaça dos muçulmanos seljúcidas, que governavam Jerusalém desde 1070, levando o papa Urbano II a convocar as Cruzadas. Ao longo de 200 anos, os europeus conduziram cinco Cruzadas para conquistar Jerusalém, algumas vezes com êxito, mas, em 1244, os cristãos perderam de vez a cidade, que caiu sob domínio muçulmano.

Em 1535, Jerusalém torna-se sede de distrito governamental otomano até 1917: com a vitória dos britânicos sobre as tropas turcas Jerusalém passa a ser britânica.

Após a II Guerra Mundial, a ONU aprova a divisão da área, para acolher sobreviventes do Holocausto, mas alguns países árabes a iniciam uma guerra contra Israel e conquistam parte de Jerusalém. Até 1967, Jerusalém é jordana e israelita.

Em 1967, na Guerra dos Seis Dias contra Egito, Jordânia e Síria, Israel conquistou o Sinai, a Faixa de Gaza, a Cisjordânia, as Colinas de Golã e Jerusalém Oriental, onde está o Muro das Lamentações, local sagrado para os judeus.

Israel não impede os peregrinos muçulmanos de entrarem no terceiro principal santuário islâmico do mundo, a mesquita de Al-Aqsa.

Em 1980, Israel declarou Jerusalém “capital eterna e indivisível” porque a Jordânia desistiu de reivindicar para si Jerusalém Oriental, em 1988.

Voltemos à Declaração de Balfour. Para diminuir as tensões, a partir de 1939 o Reino Unido travou a chegada de judeus, apesar da crise provocada pela Alemanha nazi, e vários grupos judeus revoltam-se contra os Britânicos. Em 1942, Estes grupos reivindicam um Estado judaico após o fim da Segunda Guerra Mundial, durante a qual Adolfo Hitler mandou assassinar seis milhões de judeus europeus. O Reino Unido pede ajuda às Nações Unidas, que, em 1947, divide a Palestina. O estado judaico compreendia 57% do território; o Estado árabe, os 43% restantes.

Em 14 de maio de 1948,  David Ben Gurion, proclama a independência do novo Estado de Israel iniciando a guerra entre judeus e árabes apoiados pelo Egipto, Iraque, Jordânia, Líbano e Síria.

Para os árabes, a guerra foi uma catástrofe, devido à desvantagem desde o início, levando o escritor palestiniano Sari Nusseibeh, defensor da paz entre israelitas e palestinianos a afirmar: os sionistas formavam um exército de espírito espartano, endurecido pelos horrores da Europa. Além disso, eles estavam muito melhor equipados que os árabes, com um vasto arsenal de armas contrabandeadas da Europa ou roubadas dos britânicos durante a guerra. Em pequenas oficinas foram produzidos veículos blindados, morteiros e granadas”, (cf. NUSSEIBEH, Sari,  Once upon a country: a palestinian life).

Inúmeras pessoas tiveram de fugir de 531 aldeias destruídas, para impedir que os árabes pudessem viver nesses locais. Telavive, Jaffa, Haifa e Jerusalém ficaram sem árabes, e nos campos. No campos, os judeus ocuparam a terra dos refugiados.

Sari Nusseibeh acrescenta no seu relato: “Professores, médicos e comerciantes de ambos ocuparam posições militares e dispararam contra pessoas que, antes, recebiam em suas casas, como convidados. As regras da civilização foram suspensas, dois povos amantes da paz só pensavam em guerra”.

A ferida aberta

Marlène Schnieper escreve eu seu livro Nakba, die offene Wunde (“Nakba, a ferida aberta“) que 750 mil pessoas perderam tudo o que tinham durante os acontecimentos conducentes à fundação de Israel (cf. Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina (UNRWA).

Os ódios e efeitos não foram resolvidas até hoje: Com filhos e netos, os refugiados de então chegaram aos cinco milhões rapidamente. Desde então, os refugiados palestinianos vivem em campos no Líbano, Jordânia e Síria, bem como na Faixa de Gaza e na Cisjordânia, incluindo Jerusalém Oriental. Muitos levaram consigo as chaves de suas casas na época da fuga.

Os dois lados enfrentaram-se em várias guerras, mas a principal foi a chamada Guerra dos Seis Dias, de 1967. Israel repeliu uma série de ataques coordenados das Forças Armadas de Egito, Síria e Jordânia e ocupou a Faixa de Gaza, a Cisjordânia, incluindo Jerusalém Oriental, e partes da Península do Sinai.

A resistência aos aldeamentos israelitas, nunca reconhecidos pela ONU levou a duas grandes Intifadas: a Primeira (1987-1993) e a Segunda (2000-2005). Os palestinianos apostaram em atentados suicidas e Israel respondeu com a destruição das casas dos suicidas.

O território que os palestinos exigem mal chega a 25% da Palestina verdadeira e as recentes cenas de violência na Faixa de Gaza deveriam servir de alerta para a Europa: não se pode nem se deve confiar num país governado por um homem como Trump.

Este foi, aliás, o desabafo de Angela Merkel após a decisão de Donald Trump recolocar a embaixada dos EUA em Jerusalém (cf. www.dw.com/pt-br/merkel-europa-n%C3%A3o-pode-mais-confiar-inteiramente-nos-outros/a-39017448).

Idêntica é a ideia da editora-chefe da Deutsche Welle, Ines Pohl: O que leva esse homem a celebrar a reabertura simbólica da embaixada dos Estados Unidos justamente no 70.º aniversário da expulsão dos palestinos de territórios hoje israelitas? De uma embaixada localizada em parte em Jerusalém Oriental? Lá onde os palestinianos pretendem estabelecer sua sede de governo caso haja uma solução de dois Estados.

Trata-se de uma bofetada na cara da diplomacia para muitos palestinianos. Ele não justifica a violência, mas em certa medida a provoca, transformando aquele que a causa em cúmplice. Donald Trump é, assim, co-responsável pelos inúmeros mortos e feridos”.

Mais, que leva Trump a destruir, enquanto o diabo esfrega um olho, o acordo nuclear alcançado com tanto esforço com o Irão sem consultar os seus parceiros europeus e sem coordenar os próximos passos com eles? Que leva este homem a rasgar o acordo das alterações climáticas de Paris num abrir e fechar de olhos e a destruir os efeitos do trabalho  de Barack Obama sem ter um plano para a fase após o ato de destruição?

Para a Europa – se perceber o alcance das palavras de Angela Merkel –  estes gestos de Trump constituem o soar do gongue: sete décadas após o fim da II Guerra Mundial, a Europa precisa tornar-se adulta e assumir responsabilidades de política externa e de segurança.

Os britânicos precisam esclarecer, para além do Brexit, como querem e podem cooperar com a França e a Alemanha em termos de política de segurança e de defesa. E, acima de tudo, a Europa precisa encontrar um caminho para deter sua desintegração e definir em que sociedade as pessoas querem conviver no futuro.

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