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Quinta-feira, Abril 25, 2024

Tarde demais…

João de Almeida Santos
João de Almeida Santos
Director da Faculdade de Ciências Sociais, Educação e Administração e do Departamento de Ciência Política, Segurança e Relações Internacionais da ULHT
Quadro de Carmo P., “Sem Título”. In “Respirar pela Água”. Lisboa, Tiragem, 1998, p. 35.

“No solo vira semente?
Vai tudo recomeçar?
É a falta ou ele que sente
O sonho do verbo amar?”

Carlos Drummond de Andrade. 1962; 2007. “Antologia Poética”, Lisboa: Relógio d’Água, p. 121

I.

O teu silêncio esmaga
Ouço-o só com palavras
(O que afaga)
Dentro de mim
Neste mundo
Sem fim
Que lê
E não apaga
(Já se vê)
Porque desconhece
Seu destino
(Tão genuíno!).

II.

Continua em silêncio,
Vá, continua…!
Nem sabes
Quanto me confunde
Essa intensa discrição
Essa presença ausente
A solidão
Mudez
E indiferença
(De cada vez)
Em ritmo sincopado
(Mas a meu lado)
Em intervalos longos
Como se o espectáculo
Hesitasse
Em recomeçar…
Nesse palco
Que todos os dias
Pisamos…
(Neste lento caminhar)!

III.

Vá… continua!
Até não poder mais
Caindo exausto
Na rua!
(Ou no cais…)
Desta Lisboa!

É sorte não sofrer
De compaixão!
É sorte pôr-te
Em palavras
(Mesmo quando estavas),
Rimar-te,
À exaustão
Sem saber
Se me vês
(Na solidão),
Lendo-me,
De cada vez,
Ouvindo,
Com nitidez
Ecos desta paixão…
(Em vão)!

IV.

Ah!, se soubesse
Que não me vias,
Continuava!
Se soubesse
Que me seguias,
Caminhava!
Estou sempre a caminho
Do Parnaso,
Subindo penosamente
Empurrado
(Com alma dormente)
Por esse teu silêncio
(Castigado)!

V.

Que poder tens
Sobre mim?
O de uma Deusa?

Tivesse eu nascido
Para te encontrar
No tempo certo,
Para lutar
Em campo aberto
Para te ter
Atravessar um deserto
Nada temer
De rosto aberto
Para te ver
Assim como és
(… Mais de perto)!

Mas é tarde demais…
Desencontro da natureza
Que o tempo não diluiu
Porque tempo é dureza…

VI.

Tarde demais…
Quando as rugas
Aparecerem
Como sulcos
De dor
Fugirei de ti
(Exibindo-as)
Com medo de,
Também por elas,
Não me quereres
(De tão singelas)
Antes de as tuas
Surgirem
Nesse rosto,
Como cicatrizes
Nuas,
Com fundas raízes…

VII.

Só então,
Nas rugas,
Me encontrarás,
Revivendo os sulcos
Cavados entre nós
(Lá para trás)
Como destino
Traçado
Pela divindade
(Ou satanás?)!
Será tarde demais
Para dizer…
A verdade!

VIII.

Mas eu nunca terei
Rugas…
dentro de mim!
Só sulcos profundos
(Esses, sim!)
Por onde deslize
Este amor
(E tanta dor…)!
E por isso poderei
Sempre
Sonhar-te,
Apesar de ser…
(Mesmo em arte)
Tarde demais!

(Dia de Natal, 2016)

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