Diário
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João de Sousa

Quinta-feira, Abril 25, 2024

Panóptês

João de Almeida Santos
João de Almeida Santos
Director da Faculdade de Ciências Sociais, Educação e Administração e do Departamento de Ciência Política, Segurança e Relações Internacionais da ULHT

Poema de João de Almeida Santos
Ilustração: Mulher, de Francisco GOYA , com Bâton Digital

PANÓPTÊS

 

I.

Dizem-me
Que vagueias
Por aqui,
Incerta,
À procura de ti,
Sem saber
Que te perdeste…

II.

Pensas
Que, há muito,
Deixaste
De morar
Do lado de cá
Do teu silêncio…

Mas não!
Talvez não saibas,
Mas esta é
A tua morada,
O lugar
Do teu rasto…
E do teu rosto,
Tantas foram
As vezes
Que pisaste,
Implacável,
Este chão
Sofrido
Que me marcou
Para a vida,
Com sulcos
De onde
Nunca sairei!

III.

Dizem-me
Que te inundei
Com torrentes
De palavras,
Setas falhadas,
Por entre silêncios
E ausências
Que nunca
Entendeste…!

IV.

Dizem-me
Que foges
Cada vez mais
Para dentro de ti
E te aninhas
Nessa tristeza
Sem fundo
Que sempre
Me cativou!

E que procuras
O que não queres
Encontrar,
Mas julgas ver,
Ao longe,
Quando passas,
Nas janelas
Que te vou
Abrindo,
Ao sabor do vento
Que sopra
Sobre mim
Como suave
Aragem…

V.

Dizem-me
Que quanto mais
Te escondes
Mais procuras,
Panóptês,
Ver tudo
Sem ser vista,
Seguindo,
Invisível,
O meu rasto
Desenhado
Ao longe,
Como neblina
Esfumada,
Sempre
Para ti,
Mesmo que
Me vejas
Em fuga lenta
Para lugar
Nenhum…

VI.

Dizem-me
Que, curiosa de ti,
Abres
De par em par
As janelas
Das minhas estrofes,
Ar que respiras,
Nesse canto
Invisível
Onde te escondes,
Procurando
Decifrar
As ondulações
Da minha alma
Atormentada
E incerta
De tantos
Desencontros…

VII.

Ah! Mulher
Austera
E fria,
Roubaste-me,
Nessa tarde
Triste,
Esse rosto
Que queria
Acariciar
Com a ternura
Do meu olhar,
Quando, ao de leve,
Te toquei
E te disse
Um inesperado
“Olá!”…

Não sentiste
Esse amor
Intenso
Que há muito
Te segue
Em palavras
E te canta
Como poema
Vivo,
Movido
Pela dor
Como cerco
Implacável
Destas minhas
Mãos
Que te afagam
Com as palavras
Do impossível?

VIII.

Porque me foges
E te calas
Nesse silêncio
Desgovernado,
Em solidão,
E me castigas
Com essa fria
E austera
Ausência,
Cortante
Como lâmina?

IX.

Não vês
Que o instante
É fugaz,
Que o tempo
É veloz,
Que a vida
Deixa marcas
Invisíveis,
Sulcos profundos
Que só o futuro
Pode revelar?

X.

Não vês
Que o teu passado
Está inscrito
Nesse destino
Que julgas
Ainda
Desconhecer?
Não vês…?

Ou pensas
Que não
Me vais
Reencontrar
Quando eu
Já só for
Um sinal
Impresso,
A branco e negro,
Perante teus olhos
Húmidos
De me terem
Perdido
Sem saber
Porquê…
Ou simplesmente
Como castigo
Inútil?

Não me digas,
Porque eu
Estarei lá,
Como sempre estive,
Aninhado
Em palavras
Que ainda
Não declinas,
As mesmas
Com que vou
Viajando,
Invisível,
Por dentro
De ti
À procura
De eternidade!

Ilustração: Mulher, de Francisco GOYA (1827), com Bâton Digital (2017)

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