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Sábado, Dezembro 7, 2024

LAM – Um pássaro ferido de morte

Guilherme Alpiarça, em Maputo
Guilherme Alpiarça, em Maputo
Jornalista; voluntário em Moçambique desde 2012

As Linhas Aéreas de Moçambique (LAM), que fazem a cobertura aérea das 11 Províncias do País através dos aeroportos de Maputo, Beira, Chimoio, Inhambane, Lichinga, Nampula, Pemba, Quelimane, Tete e Vilankulos, além de destinos regionais como Luanda, Nairobi, Durban, Joanesburgo, Cidade do Cabo e Dar-es-Salaam estão em falência técnica e apresentam dívidas de biliões de meticais contraídas junto de várias instituições bancárias.

As Linhas Aéreas de Moçambique apresentam capitais próprios negativos e as contas a pagar excedem os seus activos correntes, de acordo com a imprensa local. Segundo o jornal online @Verdade, depois de consulta ao Relatório e Contas da LAM, a companhia de bandeira moçambicana, “acumulava dívidas de mais de 5 biliões de meticais” junto da banca, em particular junto dos bancos Millennium BIM, Banco Comercial e de Investimentos, Banco ABC, Banco Único, Moza Banco (em processo de falência e venda de activos), Standard Bank e Nosso Banco (em processo de venda por insolvência).

Auditoria realizada em 2015

Já no final de 2015, uma Auditoria realizada pela Ernst & Young às contas da LAM apurou que a empresa – o principal meio de transporte rápido num País que tem uma área cerca de nove vezes superior ao território de Portugal mas apenas uma Estrada Nacional que liga o Sul ao Norte de Moçambique –  apresentava:

“um capital próprio negativo no montante de 1.321.839.818 meticais , resultante de perdas acumuladas no montante de 4.058.057.985 meticais, e as suas responsabilidades correntes excedem os activos correntes, no montante de 1.507.041.177 meticais”.

A mesma auditora constatou que:

“a perda de mais de metade do capital social coloca a empresa perante a situação prevista no artigo 119º do Código Comercial, tornando-se imperativo implementar medidas, que impeçam a aplicação das acções previstas no referido artigo”.

O Código Comercial, no referido artigo, determina, no seu número 1, que:

“o órgão de administração que, pelas contas de exercício, verifique que a situação líquida da sociedade é inferior à metade do valor do capital social deve propor, nos termos previstos no número seguinte, que a sociedade seja dissolvida ou o capital seja reduzido a não ser que os sócios realizem, nos sessenta dias seguintes à deliberação que da proposta resultar, quantias em dinheiro que reintegrem o património em media igual ao valor do capital”.

No número 2 do referido artigo determina-se que a administração deverá propor a medida referida “ainda que não conste da ordem de trabalhos, na própria assembleia que apreciar as contas ou em assembleia a convocar nos oito dias seguintes à sua aprovação judicial”. Finalmente, diz a legislação que:

“Não tendo os membros da administração cumprido o disposto nos números anteriores ou não tendo sido tomadas as deliberações ali previstas, pode qualquer sócio ou credor requerer ao tribunal, enquanto aquela situação se mantiver, a dissolução da sociedade”.

Nada disto parece ter acontecido porque o Estado moçambicano terá injectado mais e mais capital na companhia aérea, única forma de a manter a funcionar. No entanto, a LAM continuou a somar desaires que a tornaram conhecida pelas piores razões: atrasos, adiamentos e cancelamentos de voos, aumento exponencial das tarifas (uma viagem entre Maputo e Nampula, na província nortenha de Cabo Delgado, pode custar metade de um voo-comercial entre Maputo e Lisboa), acusações e evidências de má governação e de utilização dos dinheiros da companhia para salários principescos entre as diversas administrações que se têm sucedido sem apresentar soluções financeiras e técnicas para uma companhia que “voa uma rota errada”, como ironiza Mike, um homem de negócios norte-americano que está saturado dos problemas que a LAM lhe tem causado. Mike precisa de fazer cerca de cinco dezenas de viagens aéreas anuais  em Moçambique ao longo de cada ano.

Aeroporto de Lichinga – Niassa

Quase metade da frota parada à espera de peças

Em Março deste ano, os problemas dos passageiros da LAM agudizaram-se com apenas quatro (4) das sete (7) aeronaves da companhia disponíveis para assegurar as ligações. A falta de peças para reparar os aparelhos esteve na origem da falta de aviões disponíveis, o que levou a vice-ministra dos Transportes e Comunicações, Manuela Rebelo, a visitar a companhia para se inteirar dos problemas. No final da visita realizada nos últimos dias de Março, Manuela Rebelo fez menção à “segurança dos passageiros” como sendo  o lema da companhia, colocando, de certa forma, um ponto final na discussão por parte do Estado moçambicano, que detém a quase totalidade do capital da LAM.

Na ocasião, o Director Técnico da companhia, Pascoal Bernardo, disse que “os técnicos estão no terreno a trabalhar e logo que recebermos as peças vamos pôr as aeronaves a voar”.  Esse é um dos muitos erros apontados às sucessivas gestões de origem estatal que têm passado pela LAM: a aquisição de aviões de diferentes empresas produtoras de aparelhos num claro desperdício de recursos com manutenções totalmente diferentes e numa dificuldade acrescida no que respeita ao “procurement” de peças para todo o tipo de aviões.  Actualmente, a frota da LAM é composta por 7 aeronaves dos seguintes fabricantes e modelos: Boeing (737-500), Embraer E190 e Bombardier Q400. Daí às múltiplas notícias que falam haver comissões muito elevadas distribuídas por “muita gente que come da mesma panela” é apenas um pequeno passo, contribuindo para enegrecer ainda mais a imagem da LAM que, de resto, é operadora única no mercado interno moçambicano.

Passageiros à espera de avião atrasado

Fumos, e fogo, de corrupção

No final de 2016, um documento do Ministério Público Federal do Brasil denuncia nomes de personalidades moçambicanas que estão envolvidas num esquema de pagamentos ilícitos pela empresa brasileira Embraer no processo de compra de dois aviões, pela LAM.

O documento da justiça brasileira, divulgado pela internet, junta-se a outro publicado pela justiça norte-americana, que relatava uma investigação sobre pagamentos ilegais feitos pela empresa de aviões brasileira Embraer a executivos de companhias de Moçambique, República Dominicana, Arábia Saudita e Índia.

No caso da LAM, a Embraer terá vendido dois aviões pelo valor de 32 milhões de dólares cada. “A empresa havia estimado que devia pagar entre 50 a 80 mil dólares de comissão a executivos da LAM”, de acordo com o documento divulgado pelo jornal “O País”. O pagamento das comissões terá sido negociado por Mateus Zimba que não trabalhava na LAM mas era Director da Sasol Moçambique (empresa petrolífera sul-africana), nove meses depois de o acordo da venda das aeronaves à LAM ter sido rubricado!

Segundo o mesmo jornal:
as comissões propostas pela Embraer foram rejeitadas. (…) o então Presidente do Conselho de Administração (PCA ) da LAM, José Veigas, ligou para um dos directores da Embraer, Luiz Fuchs, mantendo a conversa transcrita no documento do Ministério Público Federal Brasileiro, que o transcreve:

– José Viegas: Algumas pessoas receberam a proposta da Embraer como um insulto.
– Luiz Fuchs: Que esperava da Embraer?
– José Viegas: Nas actuais circunstâncias, penso em cerca de um milhão de dólares. Mas poderíamos nos safar com 800 mil dólares.
– Luiz Fuchs: Mas não temos orçamento para consultoria
– José Viegas: O preço da aeronave poderia ser elevado”

Na realidade, o preço final de cada avião subiu de 32 milhões de dólares para 32 milhões e 690 mil dólares, “para não comprometer os lucros da Embraer e garantir a comissão de 800 mil dólares”. Para o efeito, Mateus Zimba criou a empresa Xihivele, Consultoria e Serviços, Limitada. Curiosamente, Xihivele ma língua nacional “Changana” significa “roube-o”. A empresa foi criada em São Tomé e Príncipe e assinou um contrato de representação comercial para venda de duas aeronaves Embraer E-190 apenas para a LAM.

Ainda segundo o mesmo jornal, depois da entrega das duas aeronaves à LAM, a Xihivele emitiu duas facturas para a Embraer no valor de 400 mil dólares cada. Uma foi paga através de transferência de uma conta do CitiBank, nos Estados Unidos da América, para o Banco Internacional de São Tomé e Príncipe, para crédito numa conta na Caixa Geral de Depósitos em Portugal, e outra foi paga directamente em Portugal. O titular das contas era a empresa Xihivele de Mateus Zimba. Na contabilidade da Embraer, os 800 mil dólares foram registados como Despesas Operacionais Líquidas, na rúbrica “Comissão de Vendas”.

Concorrência à LAM é alvo de obstáculos

O mercado interno moçambicano é alvo do apetite de outras companhias aéreas. Com a previsível explosão dos negócios de grande escala do Gás Natural da bacia do Rovuma, que, recentemente, viu autorizado o início da exploração por parte da italiana ENI e da norte-americana Anadarko, os voos profissionais tenderão a aumentar exponencialmente, além de que o futuro de Moçambique em termos de ligações aéreas com o exterior não pode resumir-se a um punhado de cidades da África subsaariana.

A Fly Africa, uma pequena companhia do Zimbabwé já demonstrou interesse em operar em Moçambique, mas tem visto as suas pretensões serem goradas por sucessivas exigências das autoridades moçambicanas.

A LAM tem estado a operar quase em regime de monopólio e, sempre que confrontada com situações de ineficiência, questionam-se as barreiras à entrada de novos operadores. A vice-ministra desmistifica a questão: “O nosso espaço aéreo está aberto”.

O presidente do Instituto Nacional da Aviação Civil (INAC) de Moçambique, João de Abreu, explica que existem operadores que há muito tentam entrar no mercado mas enfrentam limitações diversas, sobretudo de ordem financeira e de segurança. “No que diz respeito às novas companhias que entram em Moçambique, todas elas vêm com vontade. Mas quando se exigem as cinco fases, entre as quais a idoneidade, capacidade financeira, demonstração de capacidade operacional, não conseguem avançar”, disse. Abreu dá o exemplo da Fly Africa, que parou na fase quatro, por não ter conseguido demonstrar onde será a sede, onde vai ter os angares, corpo de manutenção, pilotos, entre outros aspectos. “Não é só chegar aqui e não ter uma sede, nem onde tratar os seus equipamentos, a aviação não é um hobby. A aviação é tratada de uma forma profissional e por profissionais”, sublinhou.

Recorde-se que a liberalização do espaço aéreo foi ratificada pelos Estados africanos em 2003, no tratado de Yamoussoukro, Costa do Marfim, com a intenção de acabar com monopólios e dinamizar as ligações aéreas no continente. Entretanto, a ideia confrontou-se, desde cedo, com a necessidade de proteger as companhias nacionais dos concorrentes estrangeiros mais fortes, daí a sua implementação ter sido muito pouco flexibilizada.

Os actuais accionistas da LAM são o Estado moçambicano, com 96% do capital social, e o restante é subscrito pela Vintelam, uma sociedade anónima composta por quadros da empresa.

A actual LAM foi criada pelo governo português em 1936 com a designação de Direcção de Exploração de Transportes Aéreos (DETA), como uma divisão de exploração dos serviços dos portos e dos caminhos-de-ferro. O primeiro vôo operou em em 22 de Dezembro 1937. Depois da sua criação, a existência como companhia caracterizou-se por um rápido desenvolvimento, respondendo às necessidades decorrentes da ligação aos países vizinhos, nomeadamente Suazilândia, África do Sul, Malawi e Zimbabwé. Após a independência de Moçambique, em 1975, a DETA foi extinta e foi criada a LAM

Fonte: internet

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