
O problema é maior do que parece…
O recente caso da candidatura de Rui Moreira à Câmara Municipal do Porto, enjeitando o apoio do PS à sua lista, declarado há muito por António Costa, é maior do que a sua causa aparente. Parece mesmo ser um pretexto para um acto político substantivo.
- 8 Maio, 2017
- João de Almeida Santos
- Posted in Política
- 18
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As palavras de Ana Catarina Mendes não o justificam. As boas relações (declaradas) entre Moreira e Pizarro ainda menos, a não ser a questão do lugar na lista. O facto de o PS estar no poder, a nível nacional, menos ainda. O facto de tudo ter corrido bem entre o PS e Rui Moreira durante os últimos quatro anos de governo autárquico do Porto também não milita a favor do pretexto. Esta decisão de Rui Moreira deve, pois, ser lida politicamente. Porque foi um gesto político com fortes implicações. E tem um significado claro: Moreira quer medir forças com os partidos nucleares do establishment político, depois de há quatro anos os ter vencido, de forma consistente.
O erro do PS
Nem que fosse somente para manter as suas tropas mobilizadas, em exercício e preparadas para outros
Ora, no Porto, na segunda maior cidade do País, nada disto estava a acontecer, verificando-se até um certo incómodo interno pelo facto. Isto num partido que já tem algum défice de vitalidade interna e que se tem vindo a tornar num partido dominantemente profissional-eleitoral, embora com fortes raízes de partido de massas!
As causas profundas
E o ambiente de fundo, mesmo no plano nacional e à escala europeia, começa a ser favorável cada vez mais a estas soluções políticas, que poderiam ser designadas por “Iniciativas Políticas da Cidadania”.
Em primeiro lugar, porque a endogamia obsessiva do sistema de partidos há muito que gerou perda de confiança nos cidadãos, provocando uma grave crise (partidocracia e crise da representação). Em segundo lugar, porque a autonomia da cidadania e a sua capacidade de aceder à informação cresceu exponencialmente com a expansão das plataformas de comunicação, em particular, com a expansão da rede. Em terceiro lugar, e por isso mesmo, a capacidade de livre intervenção e influência da cidadania no espaço público também cresceu de forma exponencial. Em quarto lugar, as possibilidades de auto-organização e de mobilização da cidadania não são comparáveis ao passado na medida em que as novas plataformas não precisam, como outrora, de suporte orgânico e territorial disseminado, porque são ágeis, móveis e com um enorme poder de penetração no espaço público e privado.
Os sistemas de partidos, por razões estruturais – que já solicitam respostas mais abertas e centradas num cidadão cada vez mais exigente, complexo e portador de múltiplas pertenças -, e por excesso de endogamia, que lhes retirou vitalidade, não estão a responder com eficácia e flexibilidade às novas exigências da cidadania. E, entre nós, e porque a lei já o permite (embora com exigências tão absurdas que é possível ilegalizar facilmente qualquer movimento, demonstrando-se, assim, que os partidos, em vez de usaram as alavancas políticas para sobreviver, usam morteiros administrativos para aniquilar os adversários), é no plano autárquico que o fenómeno se está a manifestar com exuberância, apesar da ainda relativa fragilidade da AMAI, a organização nacional dos movimentos não partidários.
Do poder local para a nação
Em conclusão
O resultado deste ano será indicativo daquilo que poderá ser uma tendência para a entrada política no território nacional dos partidos do establishment. De resto, já existe uma Associação Nacional dos Movimentos Autárquicos Independentes (AMAI) que se poderá vir a constituir como alfobre de um movimento de novo tipo. Personalidades com
Os erros em política pagam-se caro e se os partidos não começarem a responder ao que politicamente já flui na sociedade civil e no espaço público, o que poderá acontecer é a rápida fragmentação do sistema de partidos. Isto não quer dizer que defenda o fim dos partidos clássicos ou a democracia directa. Defendo, isso sim, uma democracia deliberativa (veja-se o meu recente ensaio sobre o assunto na “Revista Portuguesa de Filosofia” – DOI 10.17990/RPF/2017_73_1-0015: “Crise da representação ou mudança de paradigma? Democracia, deliberação e decisão”), em linha com os tempos, que revigore o sistema representativo, chamando a cidadania ao sistema, e que obrigue os partidos a saírem da infeliz lógica endogâmica a que, há muito e comodamente, se entregaram!
Nota. Respirámos todos de alívio com a vitória de Emmanuel Macron por 66% dos votos contra os 34% de Marine Le Pen, em eleições com uma afluência de cerca de 75%! É uma vitória da França e da União Europeia. Contra o medo e o nacionalismo serôdio!
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About author
Director da Faculdade de Ciências Sociais, Educação e Administração e do Departamento de Ciência Política, Segurança e Relações Internacionais da ULHT