Diário
Director

Independente
João de Sousa

Quinta-feira, Abril 25, 2024

Tempo!

João de Almeida Santos
João de Almeida Santos
Director da Faculdade de Ciências Sociais, Educação e Administração e do Departamento de Ciência Política, Segurança e Relações Internacionais da ULHT

Poema, em seis andamentos, de João de Almeida Santos
para um Rosto, de Filipa Antunes (Aguarela. Setembro de 2017)


TEMPO!

I.
Como te vejo
Recolhida
Em ti,
Glacial,
Ausente,
Irreal,
Em fuga
Do meu
Presente!

Não são rubras
As tuas faces,
Mas de cor fria,
Sofrida,
Sob moldura
De bronze
Que te encobre
O olhar
E te desenha
Como perfil
De metal….

II.

És forma pura,
Distante
Dos versos
Que da minha
Alma
São reversos
Para apenas
Te ler
Nas cores
Pálidas
Do teu rosto
Selado
Sob a mudez
Inquietante
De teus olhos
No instante
Em que te vejo
E te digo
Com as palavras
Que tenho…
…………
Comigo!

III.

Ah! És
Cada vez mais
Esfinge
Que me sustém
Levitando
Nesse tempo
Infindável
Da tua ausência
E do silêncio,
Sempre repetidos,
Até ao choro
Imperceptível
Com que te vou
Sofrendo,
Em suave
E feliz tristeza
Por só de longe
Levemente
Te pressentir!

Esfinge?
Sim, rosto
Impenetrável
Que ouço
Interiormente
No que não diz,
Na mudez
De um olhar
Recolhido
Em si
À procura
Não sei de quê…

Sinto-te
Sem te ouvir
A doce voz
Como desejo
Onírico
De alma
Vagante
À procura do
Que nunca
Encontrará
Para além
De uma silhueta
Em fuga…
…………………
Para dentro
De si!

IV.

Mas diz-me:
– Não me olhas
Porque és
Esfinge,
Metal?
Porque és
Gelo
Glacial?

Queres que
Te visite
Nessa beleza
Austera,
Fria,
Indiferente
Às palavras
Eternamente
Repetidas
Como mudos
Gritos
De alma
Dorida?

V.

Sim, mas é
Como se
De ti
Só tivesse
Sobrado,
Ainda que
Em tons
De azul,
Este teu rosto
De metal…
…….
Tudo
O que de ti
Me resta
Para te sonhar
Neste intervalo
Entre mim
E a vida,
Onde,
Implacável,
Vai acontecendo
Um frio
E eterno
Desencontro!

VI.

Mas esse bronze
Esfíngico
Afasta-me
Lentamente,
Penosamente
E convoca
Um perturbador
Silêncio
Que se aninha,
Implacável,
Cada vez mais,
Dentro de mim,
Até ao silêncio
Que me há-de
Emudecer,
Tornando-me
Máscara
De mim mesmo
Desenhada
Com palavras
Que já não
Encontrarei
Porque lhes perdi
O rasto…
e o rosto!

Ah! Como te vejo
Recolhida
Em ti,
Ó deusa!


Ilustração: Rosto, de Filipa Antunes. Aguarela. Setembro de 2017

Receba a nossa newsletter

Contorne o cinzentismo dominante subscrevendo a nossa Newsletter. Oferecemos-lhe ângulos de visão e análise que não encontrará disponíveis na imprensa mainstream.

Artigo anterior
Próximo artigo
- Publicidade -

Outros artigos

- Publicidade -

Últimas notícias

Mais lidos

Sobreviventes a Salazar

Mentores espirituais

A História da Pide

- Publicidade -